Cancioneiro - Intervalo
Intervalo
Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado —
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?
Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?
Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?
Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?
Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca —
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.
Fonte: http:// www.ciberfil.hpg.ig.com.br
Submited by
Poesia Consagrada :
- Login to post comments
- 2331 reads
Add comment
other contents of FernandoPessoa
Topic | Title | Replies | Views |
Last Post![]() |
Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/General | Lycanthropy | 3 | 2.308 | 03/15/2018 - 08:46 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Em plena vida e violência | 2 | 2.057 | 03/15/2018 - 08:45 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - O que me dói não é | 2 | 1.881 | 03/15/2018 - 08:44 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Isto | 1 | 3.301 | 02/27/2018 - 12:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Intervalo | 1 | 2.331 | 02/27/2018 - 12:54 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro | 1 | 2.386 | 02/27/2018 - 12:53 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Vaga, no azul amplo solta | 1 | 2.268 | 02/27/2018 - 12:52 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Teus olhos entristecem | 1 | 2.318 | 02/27/2018 - 12:36 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Tenho Tanto Sentimento | 1 | 2.720 | 02/27/2018 - 12:32 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Aphorism | Cancioneiro - Sorriso audível das folhas | 1 | 4.031 | 02/27/2018 - 12:29 | Portuguese | |
![]() |
Fotos/Profile | fernando pessoa | 0 | 3.183 | 11/23/2010 - 23:36 | Portuguese |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Tomamos a Vila depois de um Intenso Bombardeamento | 0 | 1.821 | 11/19/2010 - 15:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Ilumina-se a Igreja por Dentro da Chuva | 0 | 2.285 | 11/19/2010 - 15:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Liberdade | 0 | 2.309 | 11/19/2010 - 15:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Não digas nada! | 0 | 3.124 | 11/19/2010 - 15:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Não: não digas nada! | 0 | 2.021 | 11/19/2010 - 15:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - O Andaime | 0 | 2.138 | 11/19/2010 - 15:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - O Maestro Sacode a Batuta | 0 | 2.105 | 11/19/2010 - 15:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Pobre velha música! | 0 | 3.096 | 11/19/2010 - 15:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Põe-me as mãos nos ombros... | 0 | 2.828 | 11/19/2010 - 15:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Sonho. Não sei quem sou. | 0 | 2.009 | 11/19/2010 - 15:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Gomes Leal | 0 | 2.434 | 11/19/2010 - 15:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Grandes mistérios habitam | 0 | 2.236 | 11/19/2010 - 15:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Glosa | 0 | 3.368 | 11/19/2010 - 15:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cancioneiro - Esqueço-me das horas transviadas | 0 | 2.063 | 11/19/2010 - 15:55 | Portuguese |
Comments
Breve, o dia em que decidi ser alguma coisa,
Breve, o dia em que decidi ser alguma coisa,
Espuma de mar cavado na sarração do vento.
Acordo no meio de uma conspiração d’ondas e horas
E dedico os últimos minutos a tentar definir o tempo
E lembro-me de não querer ser capitão d’coisa alguma
Sobretudo no dia de hoje que acabará d’manhã bem cedo,
Ainda me pus a olhar o futuro, sem solução à vista ou relógio d’pulso
E, na vigia baça da embarcação, abocanho um curto sonho,
Um sonho em vão, de quem espera horas e horas o fio,
Mas breve, breve como as ondas no bojo preto deste navio
Cargueiro. Vi passar o rápido, das nove e um quarto,
Branco, branco…Tinha na face, a expressão da glória antiga,
E eu aqui no porão, como um rato num ínfimo labirinto,
Hostil e angustiado sob o peso da máquina universal do atraso.
Ah, se eu estivesse atrasado dezoito horas na vida,
Começava tudo outra vez, à meia-noite e vinte em ponto
E seria mais um livro, posto na prateleira, sem paciência
Pra ser lido, contudo, sinto-me vivo como um nado-morto,
Embalado pelo dever de viver, ao lado de cada dia, de cada segundo,
Sem força para detestar tudo o que me é imposto,
Pela absurda tripulação de estibordo.
Ah, se eu tivesse ambição, provocaria um motim de praças
E partiria de malas feitas, por esse mundo sem fim,
Decerto seria alguma coisa, com mais sabor que não engodo
De peixe balão, batata de sofá, asceta gordo de time-sharing
Ou marajá da sanita. Descubro que sou, metade, tempo perdido,
Metade, escrita ilúcita e imaginação no intervalo, mudo de cor,
Ao estilo de camaleão do campo… sem título.
Breve, o dia em que decidi ser, coisa alguma,
Um zero, num fim metafórico de cena, uma réplica de sino,
Uma causa pequena, onde o vento, faz tempo não sopra
E dedico os últimos minutos, A TENTAR DEFINIR A ESPERANÇA.
Joel Matos
(01/2011)
http://namastibetpoems.blogspot.com