Desolação (Gabriela Mistral)

A bruma espessa, eterna, para que esqueça de onde
Me há jogado ao mar em sua onda de salmoura.
A terra a que vim não tem primavera:
tem sua noite longa que como mãe me esconde.

O vento faz à minha casa sua ronda de soluços
e de alarido, e quebra, como um cristal, meu grito.
E na planície branca, de horizonte infinito,
vejo morrer intensos poentes dolorosos.

A quem poderá chamar a que até aqui há vindo
se mais longe que ela só foram os mortos?
Tão sós eles contemplam um mar calado e rígido
crescer entre seus braços e os braços queridos!

Os barcos cujas velas branqueiam no porto
vem de terras onde não estão os que são meus;
e trazem frutos pálidos, sem a luz de meus hortos,
seus homens de olhos claros não conhecem meus rios.

E a interrogação que sobe a minha garganta
ao olhá-los passar, me descendem, vencida:
falam estranhas línguas e não a comovida
língua que em terras de ouro minha velha mãe canta.

Vejo cair a neve como o pó na sepultura,
Vejo crescer a névoa como o agonizante,
e por não enlouquecer não encontro os instantes,
porque a “noite longa” agora tão só começa.

Vejo o plano extasiado e recolho seu luto,
que vim para ver as paisagens mortais.
A neve é o semblante que aparece a meus cristais;
sempre será sua altura abaixando dos céus!

Sempre ela, silenciosa, como a grande olhada
de Deus sobre mim; sempre sua flor de laranjeira sobre minha casa;
sempre, como o destino que nem mingua nem passa,
descenderá a cobrir-me, terrível e extasiada.

Gabriela Mistral, poetisa chilena, Nobel de Literatura (Tradução de Maria Teresa Almeida Pina).

Submited by

Miércoles, Julio 20, 2011 - 02:55

Poesia :

Sin votos aún

AjAraujo

Imagen de AjAraujo
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 7 años 1 semana
Integró: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of AjAraujo

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Meditación A pátria de chuteiras 0 6.379 11/18/2010 - 16:21 Portuguese
Poesia/Dedicada Madre, mama, mãe... 0 3.892 11/18/2010 - 16:02 Portuguese
Poesia/Intervención Um forte desejo 1 3.639 07/18/2010 - 12:25 Portuguese
Poesia/Haiku Feed-back 1 1.454 05/17/2010 - 02:44 Portuguese
Poesia/Dedicada Treze de Maio: Dia da Libertação? Nada a comemorar! 2 4.042 05/07/2010 - 22:40 Portuguese
Poesia/Aforismo O sinal 1 1.157 04/25/2010 - 17:36 Portuguese
Poesia/Meditación Morro do Bumba: atol da morte 1 7.044 04/12/2010 - 16:47 Portuguese
Poesia/Aforismo Rio: cidade sitiada (retrato do descaso) 3 3.563 04/12/2010 - 15:14 Portuguese
Poesia/Meditación Versos escorrem como a seiva vital 1 6.634 04/09/2010 - 17:58 Portuguese
Poesia/Dedicada Vida de Camelô 3 5.511 03/15/2010 - 00:07 Portuguese
Poesia/Acróstico Espírito das Mulheres (Tributo ao Dia Internac. Mulheres) 2 5.454 03/11/2010 - 05:56 Portuguese
Poesia/Amor Versos Eternos 2 4.299 03/09/2010 - 16:15 Portuguese
Poesia/Meditación Pobreza 1 5.045 03/07/2010 - 16:07 Portuguese
Poesia/Meditación Espelho d´água 2 5.934 03/04/2010 - 01:17 Portuguese
Poesia/Meditación Entes 2 4.637 03/04/2010 - 01:11 Portuguese
Poesia/Intervención Porquê? 1 5.621 02/17/2010 - 21:21 Portuguese
Poesia/Amor Fica... 1 3.357 02/15/2010 - 03:28 Portuguese
Poesia/Aforismo Sombras 3 4.240 02/12/2010 - 04:53 Portuguese
Poesia/Dedicada Violeiro: vida breve... 1 6.238 02/08/2010 - 01:48 Portuguese
Poesia/Meditación Uno 1 4.027 02/04/2010 - 17:20 Portuguese
Poesia/Meditación A vida foge... 1 5.945 02/01/2010 - 03:02 Portuguese
Poesia/Aforismo Fases 1 4.875 01/29/2010 - 16:47 Portuguese
Poesia/Meditación A mulher e o atleta 2 4.373 01/29/2010 - 04:04 Portuguese
Poesia/Dedicada Telas e cenas de vida (tributo aos pintores) 2 3.516 01/25/2010 - 02:53 Portuguese
Poesia/Dedicada Mensagem de Natal-Ano Novo aos Poetas (2009) 3 5.633 12/25/2009 - 12:44 Portuguese