Aconteci ...

Uma década. Foda-se.
Dez vezes trezentos e sessenta e cinco dias da minha vida perdidos assim, a ver quem era mais resistente, a ver quem não cedia só pelo prazer de ver o outro ceder.
Aposto que ele sonhava, como eu sonhava, com o dia da libertação, com o dia em que chegasse a casa e dissesse:
“estou farta, vamos acabar com esta merda”.
Mas o dia não chegava. E a porcaria a crescer.

E o nosso filho cada vez mais a perceber que vivia com duas pessoas diferentes em duas esferas diferentes e nunca com um casal.
Havia três casas na nossa: a minha, a dele e a nossa com ele.

E ele, esperto como nunca deixou de ser, sabia exactamente como agir com um e com o outro.
Fazia tudo para nos obrigar a encontrar acordos, a chegar a abraços, por mais forçados (e esforçados) que fossem.
Estava capaz, juro, de aguentar assim até ao derradeiro dos dias da minha vida.

Que filha da puta de burra é que prefere a vida inteira a ceder do que ceder uma vez na vida?

Ia ficar tudo na mesma se não acontecesses tu. Digo acontecer porque é isso mesmo o que define o momento. Aconteceste tu em mim. E aconteci eu.
Provavelmente é essa a melhor maneira de descrever o que fizeste em mim, para mim: fizeste-me acontecer.
Não precisaste de dizer muito. Nem precisaste de fazer nada na verdade.

A verdade é que eu estava tão habituada a ser aquilo que sempre fui que nem me passava pela cabeça que poderia ser algo diferente, que poderia tentar ser algo novo. Parece que me habituei a ser uma mera repetição de mim própria, percebes?

Suponho que a previsibilidade é uma droga muito forte, dá-nos a ilusão de que controlamos alguma coisa, que dominamos minimamente o nosso cantinho de mundo e que a nossa vida até pode vir a ser aquilo que desejamos que seja.

A verdade é que muitas vezes abdicamos de desejar o que efectivamente deveríamos e poderíamos desejar, para nos contentarmos em desejar aquilo que achamos realizável e exequível.

É como se houvesse uma espécie de central sindical reaccionária dentro de cada um de nós, a reivindicar não uma revolução e uma mudança mas sim uma simples manutenção da nossa situação, e passamos a viver numa espécie de patamar mínimo de desejo e felicidade, habituamo-nos a isso, seguro e previsível, controlável, abdicamos de ambicionar e perseguir uma felicidade nova, inesperada e possivelmente aniquiladora, talvez avassaladora mas impossível de manter indefinidamente.

Acomodamos-nos a uma amostra de felicidade mínima mas estável, uma espécie de serviços mínimos de felicidade, sem risco sem chama sem nada.

Dizemos que vivemos cada dia como se fosse o último mas, na verdade, vivemos cada dia como se fosse o antepenúltimo.
E para disfarçar, para nos iludirmos, ainda arranjamos um nome pseudo-sofisticado para isso: Procrastinar.

Sabes o que penso?
Chama-lhe o que quiseres, mas o que andamos mesmo a fazer é a foder as nossas vidas, bem devagarinho e quase sem querer, mas a fodê-las irremediavelmente.

Que filha da puta de burra é que prefere a vida inteira a ceder do que ceder uma vez na vida?

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Miércoles, Enero 15, 2014 - 12:52

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SweetPoison

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Aconteci

Você e sente que o momento presente não é o que você quer. Se sabe,admita-o e caia fora. Há um mundo lá
fora para ser vivido sem essa opressão que te obriga a continuar. Pense nisso.
Abraços

http://embalandosonhos.blogspot.com.br

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Saturação.

Vou quebrar o nariz, quem sabe assim, possa sentir algum prazer em ainda respirar. Que a vida é uma senoide, isto é fato. Mas eu desejo a amplitude. O ápice ou alguma alucinação no córtex que possa ser designada como tal. Preciso de uma lobotomia. Uma terapia de aversão urgente. Queria empurrar uma bala na testa de todos aqueles que vivem em prol da resignação e recusam a própria felicidade. Ela é pequena. Aceite-a como única peça do relicário, antes que a loucura possa dignar-se de ti a ponto de deixá-la datilografando a própria biografia em papel higiênico. Que vida de merda! Que revelações tive após enforcar aquela prostituta enquanto gozava? Que revelações tive enquanto pela janela do carro o travesti me masturbava? Qualquer movimento contínuo é masturbação. Meu pênis não é o centro do universo. Depressão pós-coito. Agora olhe nos olhos do abismo. Olhe-o.Sinta-o. Empurre-o com a ponta da língua para o canto da bochecha. Agora vomite, para que cheguemos a derradeira catarse. Fite o abismo de Sartre. Observe as penas recém derretidas de Ícarus, caindo em slow-motion. Quer liberdade? Por favor, salte.

Parabéns, Raquel. Imagino o quanto foi engolido durante todo esse período. Deve haver uma galeria fúnebre esculpida em seu estômago. Há algo de subliminar em seus olhos...

Beijos,
Bruno Sanctus.

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