A mulher ampulheta e o ponteiro magoado...

Amo a tua voz, meio solta e insegura...
De menino mimado a remoer passado e a brincar ao futuro, num presente angustiado...
O azar não te procura entre multidões da noite escura...
A Má-sorte não jurou amar-te até à Morte...
Cada um vive o que procura,
e pode viver, sempre, um dia diferente,
se quiser...
Todos estamos dormentes,
mas podemos escolher acordar um dia,
numa hora qualquer,
para vivermos sonhos ou pesadelos,
podemos ser árvore, ou podemos ser folha
é tudo uma questão de escolha, sempre!
Amo a tua voz...
Sempre que a ouço, sinto-me melhor e tu pior, porque eu valorizo,não agonizo, como tu...
Dizes que estas nu, mas tens sempre tanta roupa em cima de ti...
Tens medo de sucumbir ao clima que se vive aqui? No meu mundo dos mortais, onde menos pode ser mais...
Amo a tua voz,
sempre que a ouço o tempo pára,
como se os ponteiros ficassem congelados ou enferrujassem bruscamente,
as ampulhetas dormem de lado,
com a areia cirurgicamente dividida ao meio...
As ampulhetas têm curvas femininas...
São assim,
porque dão à luz constantemente o pó solto dos nossos sonhos
e os mimam de tempo calculado...
Amo a tua voz,
não porque tenha uma melodia diferente,
ou um timbre mais doce que qualquer mel feito em vulgar colmeia de campo...
Mas a tranquilidade mora ali entre os graves e os menos graves,
entre as gargalhadas que fogem fora do picadeiro,
como cavalo que se cansa de aprender aquilo que os homens acham importante e essencial...
O que é essencial, o que é importante, o que te faz feliz?
Tudo na vida é um milagre,
somos filhos que vencem probabilidades quase nulas,
somos uma especie de grão de milagre que se junta a tantos mais
e se estendem mas nem se compreendem,
pois não perdem tempo a apreciar o momento...
Só se lamentam a toda a hora...
Porque às vezes tropeçam e caiem no chão...
Por isso a tua alma chora,
não porque a dor seja maior que os momentos de amor,
mas porque o valor que dás à dor supera tudo o que reside no teu mundo frágil e secreto...
Tentas tanto ser discreto que te perdes de ti...
Tantas e tantas vezes que não te achas, nem te reconheces...
Castigo?
Não, amor-amigo...
Apenas te esqueces das coisas boas que trazes contigo...
Na ânsia de quereres mais e melhor, perdes a paz...
O amor passa ao teu lado e tu nem o cumprimentas, só te lamentas...
E o amor fica cansado...

Inês Dunas
Libris Scripta Est

Submited by

Domingo, Diciembre 27, 2009 - 11:11

Poesia :

Sin votos aún

Librisscriptaest

Imagen de Librisscriptaest
Desconectado
Título: Moderador Prosa
Last seen: Hace 11 años 48 semanas
Integró: 12/09/2009
Posts:
Points: 2710

Comentarios

Imagen de jopeman

Re: A mulher ampulheta e o ponteiro magoado...

Um escrito sobejamente sangrado

O senão das almas sensíveis é sentir demais a dor, e tudo o que é mero amor morre na ânsia de algo aquém de um desejo muito maior, perfeito e por isso imperfeito. E o lamento é tudo o que se reconhece...cansa, fere e mata.

Adorei

bjos

Imagen de Librisscriptaest

Re: A mulher ampulheta e o ponteiro magoado...

Pois é João... É esse o martírio das almas sensíveis... E as cicatrizes vão ficando, mas por outro lado tb sentimos as coisas boas com uma intensidade maior, quando estamos felizes, somos mesmo felizes! A meu ver, esse reverso da medalha compensa qlqr cicatriz!
Beijinho em ti João Pedro!
Inês

Imagen de FlaviaAssaife

Re: A mulher ampulheta e o ponteiro magoado...

Inês,

Um belíssimo texto cheio de matáforas bem empregadas e com uma sonoridade agradável.

Gostei muito.

Bjs

Imagen de Librisscriptaest

Re: A mulher ampulheta e o ponteiro magoado...

Flávia, obrigada pelas suas leituras! Adoro metáforas... Porque dizem tudo de uma forma pouco evidente, passam a mensagem sem gritar aos nossos ouvidos, de uma maneira subtil, quase em sussurro! Loucuras minhas!! LOLOLLL
Beijinho grande, grande em ti!!!!
Inês

Imagen de NunoCarvalho

Re: A mulher ampulheta e o ponteiro magoado...

Inês,

Gostei muito do teu poema!

Bem estruturado, boa musicalidade, boas rimas e muito boa criatividade!

A rima embeleza um poema, na minha modesta opinião...

Beijinho
:-)

Imagen de Librisscriptaest

Re: A mulher ampulheta e o ponteiro magoado...

Muito obrigada Nuno, sempre atento e sempre simpatico!
Beijinho em ti!
Inês

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of Librisscriptaest

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Tristeza Quimeras... 2 5.995 06/27/2012 - 16:00 Portuguese
Poesia/General Presa no transito numa sexta à noite... 2 3.471 04/12/2012 - 17:23 Portuguese
Poesia/Dedicada Santa Apolónia ou Campanhã... 2 2.653 04/06/2012 - 20:28 Portuguese
Prosas/Otros Gotas sólidas de gaz... 0 2.782 04/05/2012 - 19:00 Portuguese
Poesia/General Salinas pluviais... 1 3.099 01/26/2012 - 15:29 Portuguese
Prosas/Otros Relicário... 0 3.267 01/25/2012 - 13:23 Portuguese
Poesia/General A covardia das nuvens... 0 3.702 01/05/2012 - 20:58 Portuguese
Poesia/Dedicada Arco-Iris... 0 3.997 12/28/2011 - 19:33 Portuguese
Poesia/Amor A (O) que sabe o amor? 0 3.646 12/19/2011 - 12:11 Portuguese
Poesia/General Chuva ácida... 1 3.037 12/13/2011 - 02:22 Portuguese
Poesia/General Xeque-Mate... 2 3.278 12/09/2011 - 19:32 Portuguese
Prosas/Otros Maré da meia tarde... 0 3.207 12/06/2011 - 01:13 Portuguese
Poesia/Meditación Cair da folha... 4 3.879 12/05/2011 - 00:15 Portuguese
Poesia/Desilusión Cegueira... 0 3.397 11/30/2011 - 16:31 Portuguese
Poesia/General Pedestais... 0 3.517 11/24/2011 - 18:14 Portuguese
Poesia/Dedicada A primeira Primavera... 1 3.349 11/16/2011 - 01:03 Portuguese
Poesia/General Vicissitudes... 2 3.711 11/16/2011 - 00:57 Portuguese
Poesia/General As intermitências da vida... 1 3.900 10/24/2011 - 22:09 Portuguese
Poesia/Dedicada O silêncio é de ouro... 4 3.029 10/20/2011 - 16:56 Portuguese
Poesia/General As 4 estações de Vivaldi... 4 4.092 10/11/2011 - 12:24 Portuguese
Poesia/General Contrações (In)voluntárias... 0 3.552 10/03/2011 - 19:10 Portuguese
Poesia/General Adeus o que é de Deus... 0 3.449 09/27/2011 - 08:56 Portuguese
Poesia/General Limite 2 4.744 09/22/2011 - 22:32 Portuguese
Poesia/General Quem nunca fomos... 0 4.004 09/15/2011 - 09:33 Portuguese
Poesia/General Antes da palavra... 1 4.412 09/08/2011 - 19:27 Portuguese