Além dos limites do eu

Há flores num espaço aberto
Molho com a minha saliva, as pétalas roxas
Cubro com os meus lábios, os caules já avermelhados

Há um lugar ermo, amparo de um sonho distante
Ergo os braços ao encontro de um punho fechado
Há um pensamento abstracto a roçar no sobrado onde me deito
Na bajulação de um momento
E só…
O corpo é figura desenhada nas tábuas polidas pelo tempo

Há nas memórias a antemanhã que me diz - Sim
E um amontoado de células vivas, amarrotadas no sótão dos afectos
Que me diz - Não
A dor contrai-se perante o som agudo, onde o existir é um puro manifesto
Mas há um corpo deitado na acalmia da terra, coalhando o sereno da noite

Sobre o dorso um caminho estreito
Na longitude dos braços, um carreiro oblíquo
Nas pernas, a fortaleza a caminhar para o vazio ainda virgem
No peito, um batimento incerto como um relógio a emendar o tempo
No rosto, as rugas escancarando a única certeza das estátuas caídas
Nos olhos, dois sinais que indicam um olhar a perder-se no escuro

Ali se propaga e se desmembra por todos os quadrantes do seu universo
Ali se entrega ao submundo e se cruza com os fogos que o consomem
E eu, atendendo à nova teoria do pensamento
Escondo-me
Rendo-me aos contrários
Sustento o manto que me cobre a alma

Há no topo da montanha, um sem-fim de terra
É ponto de passagem a um corpo que balança sob as nortadas baixas
Encontros que espelham a dor
Desencontros ameaçadores das fugas por entre dentes
Uma boca que reluz no escuro

(Um quilate de ouro a mais na dentição genuína e demolida na boca do mundo)

Há um sonho que acorda a madrugada
E eu póstuma constelação à espera de outra marca do tempo
Que me conte os ossos e me endireite o corpo
Que me remende a sorte, para eu caminhar a Norte
Que me reconte as sobras que ficaram perdidas nos bolsos
E me refaça o meu inverso

E o mar, sempre o mar a galgar sobre a terra orvalhada
Sem no entanto resistir ao mundo que o fez mar salgado
Tempero dos que falham no ponto
Onde o lusco-fusco se fez vida
Alem dos limites do eu

Submited by

Jueves, Septiembre 16, 2010 - 16:27

Poesia :

Sin votos aún

ÔNIX

Imagen de ÔNIX
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 13 años 12 semanas
Integró: 03/26/2008
Posts:
Points: 3989

Comentarios

Imagen de PessoasBoas

Re: Além dos limites do eu

INQUIETANTE TEXTO.

Li e reli.

Certamente uma obra criada
com um tempero a mais.

Um toque a mais de capricho da poetisa.
Uma obstinação severa do seu Eu para com o seu propósito literário.

O talento da criação posto em prática.
A arte de fazer daquilo que seria bom,
ficar ainda melhor ao ponto de perfeito.

PARABÉNS!

Gostei

O seu poema é clássico

Pessoas Boas

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of ÔNIX

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Meditación Acordar da Manhã 2 5.521 03/22/2018 - 22:16 Portuguese
Poesia/Amor Céu 2 3.629 03/14/2018 - 22:25 Portuguese
Poesia/Meditación Vida lá fora 5 4.504 03/14/2018 - 22:24 Portuguese
Poesia/Dedicada Saudações 2 4.005 03/01/2018 - 11:13 Portuguese
Fotos/Cuerpos Rendas 1 7.052 03/27/2016 - 03:20 Portuguese
Poesia/Meditación Selváticas Emoções 0 3.341 01/17/2012 - 23:36 Portuguese
Poesia/Meditación Talvez 2 3.653 01/17/2012 - 21:35 Portuguese
Poesia/Meditación Jardins Aquáticos 1 3.411 01/04/2012 - 23:07 Portuguese
Poesia/Meditación Eram rosas os meus olhos 1 4.199 12/27/2011 - 23:48 Portuguese
Poesia/Meditación Verdes lembranças 0 7.067 12/15/2011 - 15:50 Portuguese
Poesia/Meditación Se eu fosse só eu 0 4.533 12/09/2011 - 11:19 Portuguese
Poesia/Meditación Bruma Intemporal 1 4.031 12/07/2011 - 02:03 Portuguese
Poesia/Meditación Eras 1 4.095 12/06/2011 - 21:49 Portuguese
Poesia/Meditación Vão-se os Modos, Esvai-se o Tempo 0 3.327 12/01/2011 - 21:29 Portuguese
Poesia/Meditación Pensamento invulgar 1 3.951 11/30/2011 - 00:21 Portuguese
Poesia/Meditación Dor 0 9.373 11/24/2011 - 13:45 Portuguese
Poesia/Meditación Extraviados 6 4.356 11/23/2011 - 12:12 Portuguese
Poesia/Meditación Bom Dia 1 5.508 09/29/2011 - 22:16 Portuguese
Poesia/Tristeza Um nada somente 1 4.675 09/14/2011 - 12:23 Portuguese
Prosas/Otros Sol da Manhã 0 3.815 09/12/2011 - 10:24 Portuguese
Poesia/Amor Nu 0 8.830 09/07/2011 - 11:07 Portuguese
Poesia/Amor Tu 2 9.121 08/30/2011 - 01:57 Portuguese
Poesia/Meditación Só Alma 1 5.964 08/26/2011 - 10:23 Portuguese
Poesia/Meditación O Avesso de Mim 2 4.001 08/23/2011 - 22:26 Portuguese
Poesia/Meditación Grãos D'Ouro 3 4.377 08/23/2011 - 22:22 Portuguese