Do alto machadado à margem da canela

Acordei ondulado. Decidi efectuar limpezas às gotículas do orvalho lisérgico que se abateram nas lentes dos óculos que não usava. Mas eram vermelhos. Embora a ondulação continuasse, o tempo não. Falta de corda. Dei-a ao relógio que deslizava no arbítrio da minha epiderme rendilhada, e como o apanhei no pescoço aproveitei para me enforcar.

Uma lufada ervanária lembrou-me que tinha pé, levei a suspensão à tentação dos joelhos, mas foi ao mesmo. À hipótese sentada tive a verdura a fazer-me cócegas nas nádegas, e um riso satânico que bradou. Como as saídas da consciência não se limitavam ao crânio, ainda intacto à fenda, fiz-me correr em caos, de relojoaria ao pescoço. E as carótidas que não eram de cetim.

Quando o satanás se estafou, menos que eu inclusive, detive-me, estava numa floresta repleta de machadeiros. Petrifiquei-me após guardar a respiração num bolso e aguardar pelo seguro de que a diástole tinha sincopado a sístole, através das químicas legais, no óbvio. Contemplei o absorto.

Os machados pendentes extravasavam maturidade, aprontavam-se para a queda, mais a menos, o relógio não me dava garantias de funcionamento, o tudo que se pausava dava lugar ao dinamismo do nada…

E mais nada.

Mas… e agora?

Rigorosamente nada.

Por momentos pareceu-me sentir uma aragem acetinada no sovaco texticular, entre texto e testículo, embora do lado esquerdo, mas não, afinal não era nada, nem uma ervilha.

Com o tédio das vísceras a produzir a vontade do ruidoso alquímico, apurei o horizonte da percepção para além do horizonte de percepção, claro está, vi a luz. Mas era vermelha.

Rapidamente se apagou em azul do celeste, esburacado em derrames seminais da cosmogonia balear, e na nebulosa arqueada do ex-luminoso surgiu uma maquineta, grávida de roldanas oleadas a vaselina e cremes balneares, e os ornatos belissímos eram rectângulos da desproporção reluzente, pretos e brancos, ora brancos e pretos, como que laminados ao machado, pretos claros, ora brancos escuros, com tubos em ferrugem que subiam aos céus, davam cinco piruetas nos limbos em golpes semi-mortais, e enfiavam-se entre as nádegas de deus, semi-vivas, vulgo empalamento e adeus.

Vislumbrei a custo um vulto, vultou-se sentado na cauda de uma baleia que se masturbava em avidez, pronto a dedilhar, clarificou-me quando soltou uma gargalhada horripilante que fez tremer os paralelos, em mim a felicidade emanada por estar terráqueo. “Órgãos, para que vos quero?”, sentenciou Johann Sebastian Bach, antes de tocar e rugir em dores pequenas. Eu toquei a fugir em dores maiores, os claustros das sonoridades bélicas do horror bachiano eram octanas aos órgãos da locomoção, saltavam-me faíscas das palmas dos pés. Mas a baleia mantinha a língua de fora. E do tempo? Dez minutos ditos ao segundo, era um excesso de corda!

E corri.

Corri mais.

E mais ainda.

E o som capelar que entoava no chocalho da massa cinzenta?

Mais faíscas!

E quando corri menos verifiquei que tinha tropeçado num mendigo, saltava à corda deitado enquanto vomitava régios sapos, então decidi correr aos saltos.

No tempo certo da certeza do tempo da capela finalizar cheirou-me a canela, estagnei, tesão instantâneo. E vinha da outra margem.

Afinal o ondulamento era em rio, que nascia de um vulcão menstruado e se prostrava na foz estremunhada do colorido, levava em si sorridentes caveiras do silêncio, e das fissuras cranianas o extravasamento da consciência. E eu que não tinha trazido barbatanas.

Da salina do linfático temperava-se a circunstância da pesca, e estava o esquilinho sentado na berma de um parapeito com cana ao alto em rodopios de valsa, embriagava-se com cubos de gelo. Eram ardentes. Como o danúbio vermelho já combinava, Johann Strauss, filho de si mesmo, acompanhava o fluído da outra margem. E do tempo? Dez minutos ditos ao segundo, era um excesso de corda!

E ouvi.

Ouvi muito mas não me apeteceu dançar.

Quando estava quase a adormecer quase que acordava.

E continuei a ouvir.

Quando o tempo passado já merecia ter passado decidi eclipsá-lo, perguntei ao esquilinho como atingir a canela sem precisar de tampões, chegava a vez da náutica. Prometeu-me embarcação em troca do favor profético, apontou-me uma centena de caixas, e, após distribuição de mercadoria, garantiu-me criacionismo de um flutuante no instante a seguir a um instante, sem luxo todavia. Mas boiava.

Fui-me às caixas cheio de cio. Por sorte tinha galochas, e o esquilinho também.

“Dá a todos os seres vivos, independentemente do sexo e da monogamia, um, e unicamente um guarda-machados, tu incluído, a teres e não a dar-te, ordena-lhes que o abram mal ouçam o musical, pois é tempo de temporal na calvície, e o Noé que se foda!”, gritou de cauda no ar e punho cerrado, enquanto arrotava bagaceiras, “Menos ao do alto! Menos ao do alto!”, e apontou-me um monte que ficava fora de mão. Decidi ir a pé de caixotes ao lombo, mas ao fundo eram infinitas as receitas com canela, o palato orgástico já trepava às paredes uterinas, eram feitas de baunilha. Todo eu era gelado tutti-frutti. Insalivei a língua tesa, e quando dei por ela já lá estava.

No alto do monte calvo gesticulava um cabeludo, portanto enfiei um chapéu. A populaça em baixios vomitava lã virgem, fazia camisolas e comia-as cruas, enquanto de cima vinham vozes agudizadas do distanciamento, “O meu pai irá tosquiar-vos a genitália!”, ora “Eu serei a chama da neo-metalurgia pulsante”, ou “Todos vós serão punhetas enferrujadas!” e ainda “Degolem bezerros de latão em homenagem ao criador da coisa, queimem-lhe as tripas para abafar o cheiro a mofo!”, e mais o que não me lembro fora o que havia esquecido, e já tinha distribuído tudo.

Mal olhei o céu começara a noite no monte calvo, os guarda-machados abriram todos, sem excepção, incluindo o meu. E o do Mussorgsky, claro está.

E foi nesse clima tenebroso, de horror apocalíptico, quase assustador, que choveram machados…

Torrencialmente…

O do alto ficou logo sem braços, decepados a sangue frio, já nos baixios as camisolas esquentavam os fluxos. Saltaram também duas pernas, já o tronco rolou veloz montanha abaixo, e continuou a rolar pelos baixios. E do tempo? Dez minutos ditos ao segundo, era um excesso de corda!

Corri atrás do tronco.

Loucamente corri extasiado pela canela.

E corri mais.

E muito mais.

Tropecei em sapos com coroas na cabeça a saltar à corda em cima de um mendigo deitado.

E continuei a correr aos saltos.

Acabara a sonoridade russa quando o tronco aterrara no mênstruo vulcânico, o esquilinho urinava-se em risos enquanto me dava os dois braços decepados do tronco declamando triunfante, “Remos! São Remos!”. Peguei nos braços e questionei sobre efeitos colaterais, “Onze camisolas rasgadas e sessenta e nove bezerros amassados.”. E continuou o riso até se afogar num lago lindamente dourado. Satisfeito com o que não me interessava, com excepção de me amassar no sessenta e nove, atirei-me ao tronco e dei aos braços. Com os braços.

Senti-me todo cetim, e o relógio era levado em silêncio craniano, estremunhado à foz.

Era tempo de canela…

© Bruno Miguel Resende

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Jueves, Diciembre 10, 2009 - 08:32

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