Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Segundo : Mess Lethierry - Capítulo IV : Vulnerabilidade por amor

Mess Lethierry tinha o coração nas mãos; mãos largas e coração grande. O defeito dele era a admirável qualidade da confiança.

Tinha uma maneira especial de contrair uma obrigação; era solene: Dou a minha palavra de honra a Deus. Dito isto, cumpria a promessa. Acreditava em Deus, e nada mais. Ia poucas vezes à igreja, e isso mesmo, por cortesia. No mar, era supersticioso.

Nunca houve, porém, tempestade que o fizesse recuar; é que ele era pouco acessível à contradição. Não a tolerava, nem num homem, nem no oceano. Queria ser obedecido; tanto pior para o mar se resistia; tinha de lutar com ele. Mess Lethierry não cedia nunca.

Vaga que se empinasse, vizinho que contendesse, nada lhe detinha a mão. O que dizia estava dito, o que planeava estava feito. Não se curvava, nem diante de uma objeção, nem diante de uma tempestade. Não, para ele, era palavra que não existia, nem na boca de um homem, nem no ribombo de uma nuvem. Passava adiante. Não consentia que se lhe recusasse nada. Daí vinha a sua pertinácia na vida e a sua intrepidez no oceano.

Era ele próprio quem temperava a sua sopa de peixe; sabia que porção de sal, pimenta e ervas era preciso, e gostava tanto de fazê-la como de come-la.

Criatura que um riso transfigura, e um casaco embrutece, assemelhando-se, com os cabelos soltos, a Jean Bart, e, com o chap éu redondo, a Jocrisse, acanhado na cidade, estranho e temível no mar, espádua de carregador, sem imprecações, quase sem cólera, voz doce e meiga que o porta-voz transforma em trovão, campônio que leu a Enciclopédia, guernesiano que viu a revolução, ignorante instruído, ermo de carolice, dado às visões, mais fé na Dama Branca que na Santa Virgem, lógica de ventoinha, vontade de Cristóvão Colombo, um tanto de touro e um tanto de criança, nariz quase rombo, faces grossas, boca com todos os dentes, rosto enrugado, cara que parece ter sido feita pelo mar, beijada pelos ventos durante quarenta anos, ar de tempestade na fronte, carnação de rocha em pleno mar; põe agora um olhar bom neste rosto agreste, e terás Mess Lethierry.

Mess Lethierry tinha dois amores: Durande e Déruchette.

Submited by

Domingo, Mayo 24, 2009 - 16:05

Poesia Consagrada :

Sin votos aún

VictorHugo

Imagen de VictorHugo
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 13 años 23 semanas
Integró: 12/29/2008
Posts:
Points: 159

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of VictorHugo

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Fotos/Perfil Victor Hugo 0 982 11/24/2010 - 00:36 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo VII : Compradores noturnos e vendedor tenebroso 0 1.143 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo VIII : Carambola da bola vermelha e da bola preta 0 990 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo IX : Informação últil às pessoas que esperam ou receiam cartas de além-mar 0 1.295 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quarto: “O Bagpipe” - Capítulo III : A Canção Bonny Dundee acha um Eco na Colina 0 1.183 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quarto: “O Bagpipe” - Capítulo IV : Justa Vitória é Sempre Malquista 0 993 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quarto: “O Bagpipe” - Capítulo V : Fortuna dos Náufragos Encontrando a Chalupa 0 1.212 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quarto: “O Bagpipe” - Capítulo VI : Boa Fortuna de Aparecer a Tempo 0 1.096 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo I : A Palestra na pousada João 0 1.083 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo II : Clubin descobre alguém 0 1.250 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo III : Clubin leva uns objectos e não os traz 0 1.152 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo IV : Plainmont 0 1.130 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo V: Os Furta- Ninhos 0 1.277 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo VI: A Jacressarde 0 1.050 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo VI : Lethierry entra na glória 0 788 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo VII : O mesmo padrinho e a mesma padroeira 0 729 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo VIII : A melodia Bonny Dundee 0 679 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo IX : O homem que advinhou quem era Rantaine 0 744 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo X : Narrativas de viagens de longo curso 0 656 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo XI : Lance de olhos aos maridos eventuais 0 799 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo XII : Exceção no caráter de Lethierry 0 1.162 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo XIII : O desleixo faz parte da graça 0 1.050 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quarto: “O Bagpipe” - Capítulo I : Primeiros Rubores de Aurora ou de Incêndio 0 1.126 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quarto: “O Bagpipe” - Capítulo II : Gilliatt vai Entrando Passo a Passo no Desconhecido 0 1.069 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Cuento Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Primeiro: Elementos de uma má reputação - Capítulo VII : Casa embruxada, morador visionário 0 858 11/19/2010 - 16:54 Portuguese