Pior que viver sem teto, é viver sem alma, sem coração!
Vivendo em constante movimento nem sempre nos damos conta das nossas próprias turbulências interiores, quanto mais das dificuldades nos exteriores, de pessoas próximas a nós ou daquelas distantes, vítimas da exclusão social, na grande assimetria social do nosso tempo.
Recente recebi um destes emails em corrente que - por motivos que desconheço - faziam uma provocação ao fazer analogia com carros importados "sem teto" e com mulheres bonitas.
Ao responder ao missivista, admitindo - com extrema benevolência - que se tratasse apenas de uma "brincadeira", nesse caso, disse ao moço: "Com todo o respeito que você merece - não brinque com a desgraça de quem quer que seja".
A questão dos movimentos sociais de pessoas excluídas é algo muito sério que deve ser tratado com seriedade e solidariedade.
Existem duas formas de cegueira: a perda da visão por doença (genética ou adquirida) e o ocultamento momentâneo da visão daquilo que nos incomoda, que nos perturba ou que simplesmente repelimos.
Gostaria de citar Proudhon (França, 1848):
"...ESTE FERMENTO REPRODUTIVO - ESSE ETERNO GERME DA VIDA, O PREPARO E A MANUFATURA DOS IMPLEMENTOS PARA A PRODUÇÃO - CONSTITUI A DÍVIDA DO CAPITALISTA PARA COM O PRODUTOR, UMA DÍVIDA QUE JAMAIS ELE PAGA; E É ESSA RECUSA FRAUDULENTA QUE CAUSA A POBREZA DO OPERÁRIO, O LUXO DA INDOLÊNCIA E A DESIGUALDADE DE CONDIÇÕES. E FOI ISSO, MAIS DO QUE QUALQUER OUTRA COISA, QUE RECEBEU APROPRIADAMENTE O NOME DE EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM."
Meus caros leitores, a questão não é somente dialética, de termos e explicitarmos opiniões apaixonantes ou não, ela é também uma marca do compromisso ético-social que cada um de nós tem, em sua curta passagem terrena.
Compromisso este com a condição humana - de profunda vulnerabilidade (veja o caso de um recém-nascido - é impossível que sobreviva sem ajuda para se alimentar, ao contrário da grande maioria das espécies) e da alteridade (princípio que nos diz, que a nossa existência depende da existência do outro, da possibilidade de se estabelecer uma relação eu-tu).
Como acredito nesses princípios e também na Declaração Universal dos Direitos Humanos, penso que cada um de nós - sejamos higienistas, técnicos de segurança, engenheiros, médicos, enfermeiros e outros companheiros de áreas correlatas - temos um compromisso com a vida, que nos leva a atitudes de prevenção, correção e, eventualmente denúncias de riscos à vida humana e ao meio ambiente.
Por força deste compromisso, pertençamos a qualquer grupo que seja, é agradável e estimulante saber que ainda há gente que se sensibiliza, manifesta indignação, se comove e busca formas de apoio e luta para transformar a vida de milhões de excluídos de direitos elementares que existem em nosso país.
Os sem-teto, os sem-terra, os sem-emprego têm uma razão muito forte
para se arriscarem a lutar por esses direitos inalienáveis, resta saber o que nós com-teto, com-terra, com-emprego estamos fazendo para reduzir estas iniquidades.
Será uma grande perda para a luta pelas mudanças, se nos acomodarmos, de forma covarde, na falácia da ironia, da omissão e da acusação. Cada um de nós é importante neste processo.
Já imaginou se nos juntarmos a essa legião de pessoas abandonadas à própria sorte, na condição de sem-alma, sem-coração, sem-mente, sem-olhos, sem-ouvidos, sem-fala...
Abraços fraternos e que me perdoe algum excesso, se fi-lo, a intenção não foi senão a de sensibilizá-lo e a de parabenizar e estimular outros companheiros pelas palavras sensíveis que aqui registraram.
Cada um de nós tem um motivo justo para se indignar com esta situação e se mobilizar: eu gostaria de lhes dizer com muita emoção que sou filho de uma família de retirantes nordestinos sem-terra, que labutei junto a meu pai e irmãos, de fazenda em fazenda, como "meeiros", comprando fiado na mercearia dos donos destes latifúndios, entregando sempre a parte do leão da produção e constantemente ameaçados de perder a casa de colonos.
Uma escravidão a qual muitos brasileiros ainda hoje se (obrigam) submetem.
Como mudar isto? Estudando, adquirindo consciência crítica e ajudando (retribuindo) a educar, informando e apoiando causas
tão ancestrais ao ser humano: a dignidade de sua própria vida.
AjAraújo, poeta e médico humanista[ex-lavrador e filho de retirante nordestino sem-terra, brutalmente assassinado há 17 anos], escrito em Dezembro de 2003, a propósito de um despejo de pessoas sem-teto e a grosseira comparação com um carro sem-teto.
Submited by
Poesia :
- Inicie sesión para enviar comentarios
- 6551 reads
other contents of AjAraujo
Tema | Título | Respuestas | Lecturas |
Último envío![]() |
Idioma | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Dedicada | Elegia ao Outono | 1 | 2.446 | 03/20/2012 - 23:16 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | Da Terra brotam os Grãos... Sementes de vida | 0 | 3.307 | 03/19/2012 - 21:51 | Portuguese | |
Poesia/Intervención | A mística da poesia | 0 | 2.386 | 03/19/2012 - 21:48 | Portuguese | |
![]() |
Videos/Musica | Both Sides Now (Joni Mitchell) | 0 | 5.076 | 03/19/2012 - 21:22 | Inglés |
![]() |
Videos/Musica | We're All Alone (Johnny Mathis & Petula Clark) | 0 | 5.952 | 03/19/2012 - 21:07 | Inglés |
![]() |
Videos/Musica | Angel of the Morning (The Pretenders) | 0 | 15.389 | 03/19/2012 - 20:45 | Inglés |
![]() |
Videos/Privadas | I´ll stand by you, live (Chrissie Hynde, from music of The Pretenders) | 0 | 24.816 | 03/19/2012 - 20:45 | Inglés |
![]() |
Videos/Musica | I'll stand by you - The Pretenders (with lyrics) | 0 | 7.596 | 03/19/2012 - 20:45 | Inglés |
![]() |
Videos/Musica | Downtown (Petula Clark) | 0 | 6.000 | 03/19/2012 - 20:45 | Inglés |
Poesia/Intervención | Passado, Presente e Futuro (José Saramago) | 0 | 3.438 | 03/11/2012 - 20:29 | Portuguese | |
Poesia/Intervención | Não me peçam razões (José Saramago) | 0 | 3.920 | 03/11/2012 - 20:25 | Portuguese | |
Poesia/Pensamientos | A Regra Fundamental da Vida (José Saramago) | 0 | 3.022 | 03/11/2012 - 20:20 | Portuguese | |
Poesia/Intervención | Questão de Palavras (José Saramago) | 0 | 3.371 | 03/03/2012 - 21:28 | Portuguese | |
Poesia/Aforismo | Premonição (José Saramago) | 0 | 2.563 | 03/03/2012 - 21:23 | Portuguese | |
Poesia/Fantasía | Água azul (José Saramago) | 0 | 2.372 | 03/03/2012 - 21:19 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | Santanésia: Terra dos Sonhos - resta uma saudade! | 0 | 3.795 | 02/26/2012 - 15:45 | Portuguese | |
Poesia/Aforismo | Ruptura: o dia do basta aos modismos | 0 | 2.171 | 02/26/2012 - 15:30 | Portuguese | |
Poesia/Aforismo | O tempo (José Luis Appleyard) | 0 | 2.268 | 02/24/2012 - 10:00 | Portuguese | |
Poesia/Intervención | Insônia (Rafael Diaz Icaza) | 0 | 2.137 | 02/24/2012 - 09:55 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | Alfonsina e o mar (Félix Luna) | 0 | 4.389 | 02/24/2012 - 09:46 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | Roça de Milho | 0 | 2.313 | 02/23/2012 - 15:43 | Portuguese | |
Poesia/Intervención | A hora de ir-se | 0 | 3.764 | 02/23/2012 - 15:13 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | Os Glaciares da Patagônia: salvemos! | 0 | 4.439 | 02/23/2012 - 15:11 | Portuguese | |
Poesia/Intervención | Caminheiro (Ossip Mandelstam) | 0 | 3.500 | 02/22/2012 - 12:02 | Portuguese | |
Poesia/Intervención | Chuva Oblíqua (Fernando Pessoa) | 0 | 3.191 | 02/22/2012 - 11:59 | Portuguese |
Add comment