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Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Primeiro: Elementos de uma má reputação - Capítulo V : Outros pontos ambíguos de Gilliatt
Não estava fixa a opinião acerca de Gilliatt.
Geralmente era tido por marcou. Outros acreditavam mesmo que fosse filho do diabo.
Quando uma mulher tem, do mesmo homem, sete filhos machos consecutivos, o sétimo é marcou. Mas, para isso, é necessário que nenhuma filha venha interromper a série dos rapazes.
O marcou tem uma flor-de-lis impressa em uma parte do corpo, donde resulta que aproveita tanto aos escrofulosos como aos reis da França. Na França há marcous em toda parte, especialmente na província de Orléans. Cada aldeia do Gatinais tem o seu marcou.
Para curar os doentes basta que o marcou sopre nas chagas ou lhes faça tocar a flor-de-lis. O remédio é eficaz, principalmente quando aplicado na noite de sexta-feira maior. Há uma dezena de anos, o Marcou d'Ormes, no Gatinais, apelidado o Formoso Marcou, e consultado por toda a Beauce, era um tanoeiro, chamado Foulon, que tinha cavalo e carruagem. Para por cobro aos seus milagres foi preciso intervir a polícia. Tinha ele a flor-de-lis embaixo do peito esquerdo. Outros marcous tem-na em lugar diverso.
Há marcous em Jersey, em Aurigny e em Guernesey. Parece que isto procede dos direitos que tem a França sobre o ducado da Normandia. A não ser assim, por que haveria ali a flor-de-lis?
Como há também nas ilhas da Mancha muitos escrofulosos, os marcous são necessários.
Em um dia, estando Gilliatt a banhar-se no mar diante de algumas pessoas, julgaram estas ter-lhe visto no corpo a flor-de-lis. Interrogado a esse respeito, por única resposta pôs-se a rir. Gilliatt ria às vezes como os outros homens. Mas desde esse dia nunca mais o viram tomar banho. Começou então a banhar-se em lugares solitários e perigosos. Provavelmente à noite, e em noites de luar; o que, hão de convir, é coisa um tanto suspeita.
Os que se obstinavam em cre-lo filho do diabo (cambiou) enganavam-se, evidentemente. Deviam saber que só os há na Alemanha.
Mas o Vale e Saint-Sampson eram há cinqüenta anos países ignorantes.
Acreditar em Guernesey que alguém é filho do diabo, por força que há nisso exageração.
Por isso mesmo que Gilliatt inquietava o populacho, era muito consultado.
Os campônios, aterrorizados, iam conversar com ele acerca dos seus achaques. Aquele terror equivalia a meia confiança, e no campo, quanto mais suspeito é o médico, mais eficaz é o remédio que ele dá. Gilliatt tinha medicamentos propriamente seus, herdados da finada velha. Dava-os a quem lhos pedia, e não recebia dinheiro. Curava os panarícios com aplicações de ervas; o líquido de um dos seus frascos cortava a febre; o químico de Saint-Sampson, que chamaríamos farmacêutico na França, pensava que era uma decocção de quina. Os menos benévolos convinham em que Gilliatt era excelente diabo para os doentes, quando se tratava de seus remédios ordinários; mas, como marcou, não queria ouvir nada: se algum escrofuloso pedia-lhe para tocar a flor-de-lis, a resposta de Gilliatt era fechar-lhe a porta na cara; recusava fazer milagres, coisa ridícula em um feiticeiro. Não sejas feiticeiro, mas, se o és, faze o teu oficio.
Havia uma ou duas exceções nesta antipatia universal. O Sr. Landoys do Clos-Landés, era escrivão da paróquia de Saint-Pierre-Port, encarregado das escrituras e guarda dos registros dos nascimentos, casamentos e óbitos. Jactava-se o escrivão de descender do tesoureiro da Bretanha, Pedro Landoys, enforcado em 1485.
Estando uma vez a banhar-se, o Sr. Landoys afastou-se da praia, e quase se afogou; Gilliatt atirou-se à água, afogou-se quase, mas salvou Landoys. Desde esse dia Landoys não falou mal de Gilliatt. Aos que se admiravam disso, respondia ele: Como hei de aborrecer um homem que não me faz mal, e até me prestou um serviço? O escrivão chegou mesmo a ser amigo de Gilliatt. Não era homem de preconceitos. Não acreditava em feiticeiros. Mofava dos que acreditavam em almas do outro mundo.
Tinha uma canoa, pescava nas horas de descanso para divertir-se, e nunca viu coisa alguma extraordinária, a não ser em certa noite de luar, um vulto branco de mulher, que pulava na água, e ainda assim não estava muito certo. Moutonne Gahy, feiticeira de Torteval, dera-lhe um saquinho para atar debaixo da gravata, a fim de afugentar os espíritos; Landoys zombava do saco, e não sabia o que havia dentro; mas sempre andava com ele, e sentia-se assim mais seguro.
Algumas pessoas audazes, acompanhando o Sr. Landoys, arriscaram-se a reconhecer em Gilliatt certas circunstâncias atenuantes, algumas aparências de qualidades, a sobriedade, a abstinência do gim e do tabaco, e chegavam às vezes a fazer dele este belo elogio: Não bebe, não fuma, nem masca.
Mas a sobriedade é uma qualidade quando o indivíduo possui outras.
Gilliatt inspirava a aversão pública.
Fosse o que fosse, como marcou, Gilliatt podia prestar serviços.
Em uma sexta-feira maior, à meia-noite, dia e hora usados para esses curativos, todos os escrofulosos da ilha, por inspiração, ou combinação, foram em massa à casa mal-assombrada, e, com as mãos postas, pediram a Gilliatt que os curasse. Gilliatt recusou.
Reconheceu-se nisto a sua perversidade.
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