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Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo V : O navio-diabo

A Galeota de Lethierry não era mastreada no ponto vélico, e não era isso defeito, porque é uma das leis da construção naval; demais, sendo o fogo o propulsor do navio, o velame era simplesmente acessório; um navio de rodas é quase insensível ao velame que se lhe põe. A Galeota era demasiado curta e arredondada; grande bochecha e largos quadris; Lethierry não teve a ousadia de fazê-la mais ligeira. A Galeota tinha alguns dos inconvenientes e das qualidades da pança: arfava pouco, mas rangia muito. A caixa das rodas era muito alta. A viga da coberta era maior do que comportava o comprimento. A máquina, que era massuda, atravancava o navio, e, para torná-lo capaz de um grande carregamento, foi preciso levantar muito a amurada, o que deu à Galeota, mais ou menos, o defeito das naus de 74, que só arrasando-as podem navegar e combater.

Sendo curta, devia girar depressa, visto que o tempo empregado em uma evolução está na razão do comprimento do navio; mas o peso tirava-lhe a vantagem que lhe provinha de ser curta. O pontal era muito largo, o que lhe atrasava a marcha, porque a resistência da água é proporcional à maior seção imergida e à velocidade do navio. A proa era vertical, o que não seria defeito hoje, mas naquele tempo era uso incliná-la uns 45 graus. Todas as curvas do casco estavam bem emparelhadas, mas não eram suficientemente longas para a obliqüidade e paralelismo com o lume da água, que deve ser rechaçada lateralmente. No mau tempo, calava muita água, ora na proa, ora na popa, o que mostrava ter vício de construção no centro de gravidade. Não estando o carregamento no lugar próprio, por causa do peso da máquina, acontecia que o centro de gravidade passava às vezes para trás do mastro grande, e então era preciso contar só com o vapor, e desconfiar da vela grande, porque o efeito da vela grande nesses casos fazia antes arribar que sustentar o vento. O recurso era, ao aproximar-se do vento, soltar a grande escota; deste modo o vento fixava-se na proa, pela amurada, e a vela grande fazia o efeito de uma vela de popa. A manobra era difícil. O leme era o leme antigo, não de roda como hoje, mas de cana, voltando sobre os eixos firmados no cadaste, e movido por uma trave horizontal que passava por cima da cava da culatra.

Tinha duas faluas suspensas. O navio era de quatro âncoras, a âncora grande, a segunda âncora, que é a que trabalha, workinganchor, e duas âncoras de amarra. Essas quatro âncoras, atadas por correntes, eram manobradas, segundo as ocasiões, pelo grande cabrestante da popa e o pequeno cabrestante da proa. Tendo apenas duas âncoras de amarra, uma a estibordo, outra a bombordo, o navio não podia ancorar em cruz, o que o desarmava quando sopravam certos ventos. Mas neste caso podia usar da segunda âncora. As bóias eram normais, e construídas de maneira a suportar um cabo da âncora, ficando sempre à flor da água. A chalupa tinha as dimensões úteis. A novidade do navio é que era, em parte, aparelhado com correntes; o que não lhe diminuía a mobilidade nem a tensão das manobras.

A mastreação, posto que secundária, não era incorreta; era fácil o manejo dos ovéns. As peças de madeira eram sólidas, mas grosseiras, pois que o vapor não exige madeiras tão delicadas como exigem as velas. Tinha aquele navio uma velocidade de 2 léguas por hora. Quando panejava, afeiçoava-se bem ao vento. A Galeota de Lethierry suportava bem o mar, mas não tinha boa quilha para dividir o líquido, nem se podia dizer que fosse airosa. Via-se que, em ocasião de perigo, cachopo ou tromba, não poderia ser bem manobrada. Tinha o ranger de uma coisa informe. Fazia na água o ruído que fazem as solas novas.

Era navio de comércio e não de guerra, e por isso mais exclusivamente disposto para a arrumação das cargas. Admitia poucos passageiros.

O transporte do gado tornava difícil e especial a arrumação das cargas. Punham-se os bois no porão, o que complicava muito. Hoje os bois ficam no convés. As caixas das rodas do Devil Boat Lethierry eram pintadas de branco, o casco até o lume da água de vermelho, e o resto de preto, segundo o uso assaz feio deste século.

Vazio, calava 7 pés; carregado, 14.

Quanto à máquina, era poderosa. Tinha a força de um cavalo por 3 toneladas, o que é quase a força de um rebocador. As rodas estavam bem colocadas, um pouco adiante do centro de gravidade do navio. A máquina tinha a pressão máxima de 2 atmosferas. Gastava muito carvão. O ponto de apoio era instável, mas remediava-se, como ainda hoje se faz, por meio de um duplo aparelho alternado de duas manivelas fixas nas extremidades da árvore de rotação, e dispostas de maneira que uma estivesse no ponto forte quando a outra estava no ponto inerte. Toda a máquina repousava em uma só placa fundida; de modo que, mesmo em caso de grande avaria, nenhum lanço do mar lhe tirava o equilíbrio, e o casco disforme não podia deslocar a máquina. Para torná-la ainda mais sólida, puseram a redouça principal perto do cilindro, o que transportava do meio à extremidade o centro de oscilação do pêndulo. Inventaram-se depois os cilindros oscilantes que suprimem a redouça antiga; mas naquele tempo parecia que o sistema usado era a última palavra da mecânica.

A caldeira era dividida, e tinha a bomba competente. As rodas eram grandes, o que diminuía a perda de força, e o cano alto, o que aumentava a extração da fornalha; mas o tamanho das rodas dava aso às vagas, e a altura do cano dava aso ao vento. Raios de pau, fateixas de ferro, cubos de metal; eis o que eram as rodas bem construídas (o que admira) podendo ser desmontadas. Havia sempre três rodízios mergulhados; a velocidade do centro da roda não passava de um sexto da velocidade do navio; era esse o defeito. Além disso, a trave da manivela era muito comprida, e o vapor era distribuído no cilindro com demasiado atrito. Naquele tempo a máquina parecia e era admirável.

Foi ela feita na França, nas forjas de Bercy. Mess Lethierry delineou-a; o maquinista que a construiu morreu; de modo que aquela máquina era única e impossível de ser substituída. Existia o desenhista, mas faltava o construtor.

Custou a máquina 40 000 francos.

Lethierry construiu a Galeota na grande estiva coberta que rica ao lado da primeira torre entre Saint-Pierre-Port e Saint-Sampson.

Empregou nessa construção tudo o que sabia em carpintaria do mar, e mostrou os seus talentos na construção do costado, cujas costuras eram estreitas e iguais, untadas de sarangousti, betume da índia, melhor que alcatrão. O forro estava bem pregado. Para remediar a rotundidade do casco, ajustou ele um botalós ao gurupés, o que lhe permitia acrescentar à cevadeira uma cevadeira falsa.

No dia do lançamento ao mar, disse Lethierry: Estou na água! E realmente a Galeota foi bem sucedida.

Por acaso ou de propósito, a Galeota caiu ao mar no dia 14 de julho. Nesse dia Lethierry, de pé sobre o convés, entre as duas caixas das rodas, olhou fixamente para o mar e exclamou: Agora tu! Os parisienses tomaram a Bastilha; agora tomamo-te nós!

A Galeota de Lethierry fazia, uma vez por semana, a viagem de Guernesey a Saint-Malo. Partia na quinta-feira e voltava na sexta à tarde, véspera do mercado, que era no sábado. Era uma massa de madeira mais volumosa que as maiores chalupas costeiras do arquipélago, e, sendo a sua capacidade na razão das dimensões, uma só das suas viagens valia por quatro viagens de um cúter ordinário. Tirava por isso grandes lucros. A reputação de um navio depende da sua arrumação de cargas, e Lethierry era admirável neste mister. Quando ficou impossibilitado de trabalhar no mar, ensinou um marinheiro para substituí-lo. No fim de dois anos, o vapor dava líquidas umas 705 libras esterlinas por ano. A libra esterlina de Guernesey vale 24 francos, a da Inglaterra 25, e a de Jersey 26. Estas fantasmagorias são menos fantasmagóricas do que parecem; os bancos é que lucram com elas.

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domingo, maio 24, 2009 - 16:11

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