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José Rodrigues dos Santos - Fúria Divina


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"O terrorista religioso é um zelota. Tem tendência a concentrar-se num único valor e a excluir todos os outros. No caso dos terroristas muçulmanos, o valor central é obedecer a Alá e ao Profeta e impor a lei islâmica, custe o que custar. A religião explica-lhes o mundo e o seu lugar enquanto indivíduos, mas ao mesmo tempo impulsiona-os à acção. Para estes zelotas não existem áreas cinzentas, mas branco e negro, e todas as ambiguidades morais são destruídas. As coisas são ou não são, não há meio-termo. Os terroristas vêem-se a si mesmos como o povo de Deus e aos outros como o inimigo de Deus, e assim desumanizam o adversário ao ponto de o quererem matar como quem mata... formigas, por exemplo. Pretendem purificar o mundo e não percebem que apenas o conspurcam ainda mais."
"Todos os testes psicológicos que lhes fizemos mostram que estamos a lidar com pessoas perfeitamente normais. Não são psicopatas nem sequer desequilibrados. São pessoas como quaisquer outras. Aliás, quando a polícia vai falar com vizinhos e conhecidos de um terrorista depois de ele ter cometido um atentado, a resposta típica é de completa surpresa, uma vez que todos o achavam absolutamente banal. E é o que eles são! Muitos terroristas mostram-se até bastante simpáticos e afáveis, ninguém diria que eles fazem estas coisas terríveis."
" A única fraqueza psicológica comum que lhes encontramos é sofrerem quase todos de um forte complexo de inferioridade. Eles convivem mal com o domínio intelectual, cultural e tecnológico do Ocidente. Como não o conseguem igualar, sentem-se complexados e então rejeitam o Ocidente, agarrando-se à religião e declarando-a superior a tudo. Ora só proclama superioridade, como sabe, quem sente inferioridade. O que eles fazem é racionalizar esse complexo de inferioridade, convencendo-se a si próprios de que eles é que são superiores, eles é que são bons, eles é que têm razão. Na verdade, os terroristas muçulmanos encaram-se a si mesmos como santos e mártires, pessoas que abraçam causas nobres, que dão a vida para o bem da humanidade. O facto é que estão apenas a exorcizar o seu complexo de inferioridade."
" Se percebermos a forma como eles raciocinam ficamos até surpreendidos com a maneira absolutamente lógica como tudo bate certo. Basta que demos por bons alguns pressupostos, como, por exemplo, que as ordens do Alcorão e de Maomé são mesmo para ser seguidas à letra. O resto é apenas consequência disso..."
"Todos os estudos mostram que os terroristas em geral são pessoas com uma educação acima da média, a maior parte das vezes de nível universitário. O perfil do terrorista islâmico não é excepção. E verdade que alguns são pobres e incultos, mas a maioria frequentou ou tirou cursos superiores e há até vários casos de pessoas ricas. Bin Laden, por exemplo, é milionário!"
"Eu sei que os políticos e os académicos ocidentais gostam de arranjar causas socioeconómicas que expliquem tudo. Isso de certo modo conforta-vos, faz-vos pensar que, se resolverem os problemas socioeconómicos desses povos, resolvem o problema do terrorismo. Consigo perceber esse modo de raciocinar. Mas já repararam que uma percentagem anormalmente elevada de terroristas é saudita? Ora que eu saiba a Arábia Saudita está a nadar em petrodólares e não existem praticamente sauditas pobres! Isso deita por terra essa conversa politicamente correcta das causas socioeconómicas!"
"É preciso que vocês percebam uma coisa: embora em alguns casos as questões socioeconómicas possam de facto desempenhar um papel, os terroristas muçulmanos são sobretudo motivados por questões religiosas. Eu sei que, para um ocidental, isso é difícil de entender, mas é a pura verdade: os terroristas muçulmanos limitam-se a acatar as ordens do Alcorão e de Maomé, acreditando que, através da obediência cega às palavras divinas, conseguem libertar-se do seu complexo de inferioridade em relação ao Ocidente".

"As únicas bombas atómicas lançadas contra sociedades humanas foram as do Japão, em 1945. Essas explosões provocaram o colapso imediato da sociedade japonesa. Será que o mesmo aconteceria agora? O terrorismo nuclear é uma experiência que ainda não vivemos, pelo que só podemos calcular os efeitos sem ter muitas certezas. Mas há algumas coisas que podemos dar por certas. Se ocorrer um atentado nuclear na América, por exemplo, as ondas de choque serão sentidas com brutalidade por todo o planeta. Claro que as primeiras vítimas serão as pessoas atingidas pela explosão, muitas das quais morrerão ou ficarão feridas. Mas, tal como aconteceu no Japão, as consequências de tal evento irão muito para além disso. Toda a confiança das populações nos governos que as dirigem seria automaticamente destruída. Com a perda de confiança, a economia americana poderia quase parar. É possível que eclodissem motins, revoltas e insurreição generalizada, tornando os Estados Unidos ingovernáveis. Ora o grande crash financeiro de 2008 serviu para nos recordar que hoje em dia todas as economias do planeta estão ligadas por uma rede invisível, mas bem real. E serviu também para nos lembrar quão importante é existir confiança - confiança na economia, confiança no sistema, confiança na administração. Um colapso da confiança na América poderia suscitar um novo colapso da economia mundial. É possível que a nossa civilização sobreviva a um choque desses. Mas se os terroristas tiverem a intenção de destruir o Ocidente, é só uma questão de fazerem depois explodir uma segunda bomba atómica e uma terceira e uma quarta. Meus amigos, garanto-vos que a nossa civilização não sobreviveria a uma catástrofe dessas. Aqueles que pensam que o terrorismo nuclear é apenas um problema americano deveriam pensar melhor.

"A mensagem de Alá é uma mensagem de bondade, de piedade e de tolerância. No último sermão que fez antes de morrer, Maomé disse: «Não existe superioridade de um árabe em relação a um não árabe, nem de um não árabe sobre um árabe, nem de um branco sobre um negro, nem de um negro sobre um branco, excepto a superioridade que se obtém através da consciência de Deus»."
"Quando Maomé disse que não havia superioridade de raças, estava a dizer o que vem no Alcorão."
"Claro."
"Mas, xeque, nessa mesma frase o Profeta torna claro que, não havendo superioridade de raças, há superioridade no islão. O que o apóstolo de Alá diz é: não há superioridade entre os homens «excepto a superioridade que se obtém através da consciência de Deus». Ou seja, os muçulmanos são superiores. Alá diz na sura 3, versículo 19: «A religião, para Deus, é o islão.»"
"Claro, o islão é a submissão a Deus. Quem se submete a Deus é superior. Mas lembra-te de que os Adeptos do Livro também têm consciência de Deus..."
"É uma consciência deturpada pelos rabinos e pelos padres, xeque. Não é a verdadeira consciência. Eles só têm conhecimento de Deus através de intermediários, não de forma directa, como nós."
"É verdade", reconheceu o mestre. "E então?"
"Isso mostra que não somos todos iguais, xeque."
"Admito que não", reconheceu Saad.
"Mas lembra-te que Alá diz na sura 2, versículo 62: «Na verdade, os que crêem, os que praticam o judaísmo, os cristãos e os sabeus - os que crêem em Deus e no Último Dia e praticam o bem - terão a recompensa junto do seu Senhor. Para eles não há temor.» A mesma mensagem é repetida em dois outros versículos. Como vês, as pessoas boas dos Adeptos do Livro serão recompensadas por Alá. Isto mostra tolerância para com as outras religiões."
"E, no entanto, na sura 5, versículo 51, Alá torna claro que um crente não pode ser amigo de um judeu ou de um cristão..."
"É verdade." Ahmed voltou a hesitar, na dúvida sobre se deveria expor o que tinha em mente, mas desta feita venceu a hesitação.
"E há outra coisa, mas peço-lhe que não se zangue com aquilo que vou dizer ...."
Saad sorriu, benigno. "Fica descansado."
"O senhor disse há pouco que Alá proibiu no Alcorão que se matasse."
"Sim."
"Mas se assim é, xeque, por que razão a sura 2, versículo 193, diz: «Matai-os até que a perseguição não exista e esteja no seu lugar a religião de Deus»? Se assim é, por que razão o versículo 191 da mesma sura diz: «Se vos combatem, matai-os: essa é a recompensa dos incrédulos.» Se assim é, por que razão Alá ordena no Alcorão a morte dos que cometem certos crimes? Afinal, matar é ou não proibido?"
O mestre ficou momentaneamente sem saber o que dizer. "Bem... quer dizer, é proibido, mas... também é permitido... enfim... é permitido, mas só em certas circunstâncias, claro."
"É isso, xeque. É permitido em certas circunstâncias. Mais do que isso, a morte é ordenada, como acontece no caso dos crentes envolvidos em assassínio, apostasia ou relações sexuais ilegais ou no caso dos kafirun. Lembre-se que a sura 4, versículo 29, se dirige aos crentes, não aos kafirun. «Ó vós que credes», diz Alá: «Não vos mateis!" Ou seja, não mateis outros crentes, não mateis outros muçulmanos, com excepção dos criminosos. Mas Alá não proíbe a matança de kafirun. Aliás, ainda nem sequer falámos sobre o que vem na sura 9, versículo 5, onde Alá..."
"... na sura 9, versículo 5, Alá diz: «Matai os idólatras onde os encontrardes. Apanhai-os! Preparai-lhes todas as espécies de emboscadas!»"
(…)"Está bem, mas essa ordem foi dada no contexto de urna batalha específica, não pode ser lida como ordem geral."
"Só não é lida como ordem geral por quem não a quer ler assim, xeque", devolveu o pupilo com um esgar sobranceiro. "É evidente que todos os versículos do Alcorão têm um contexto. Mas não é Alá As-Samad, o Eterno? Então as Suas ordens, embora sempre proferidas num contexto, também são eternas. Quando Alá, na Sua infinita sabedoria, revelou ao Profeta o versículo a ordenar que certas acusações envolvessem um mínimo de quatro testemunhas, essa ordem tem ou não tem um contexto?"
"Claro que sim."
"E, no entanto, é eterna. O mesmo se passa com a ordem da matança dos idólatras. Como todos os versículos do Alcorão, esse versículo tem igualmente um contexto. Porém, é tão eterno quanto os outros. "O senhor mesmo disse várias vezes que o Livro Sagrado é atemporal. Se assim é, este versículo também o é."

"Por que razão os jihadistas ainda não fizeram explodir uma dessas bombas?"
"Porque uma bomba dessas teria a morada do remetente. O que eu quero dizer é que as bombas atómicas têm uma assinatura individual que pode ser lida. A NEST possui uma base de dados muito completa sobre tudo o que diz respeito à concepção de armas nucleares, de textos publicados em revistas científicas a passagens de romances de espionagem. Está tudo lá. No caso de uma bomba nuclear ser detonada, a NEST tem por obrigação analisar as características da explosão, incluindo a sua força destrutiva e a composição dos isótopos da chuva radioactiva que inevitavelmente se seguirá. Essas características serão comparadas com a informação de que dispomos sobre os arsenais nucleares já existentes. Na nossa base de dados possuímos elementos muito concretos relativos às bombas que estão na posse do Paquistão, da índia, da Coreia do Norte... de toda a gente. Comparando as características da explosão com esses dados poderemos saber qual foi o país que construiu a bomba detonada e a entregou aos terroristas. Ou seja, as características da explosão dão-nos a morada do remetente. Sabendo onde os terroristas foram buscar a bomba poderemos retaliar, destruindo o país  que a entregou aos terroristas. É isso que tem impedido os militares paquistaneses de entregarem armas nucleares aos jihadistas muçulmanos. Eles sabem que nós podemos localizar a origem da bomba."

O poder cria muitos inimigos.

Existem dois tipos de bombas nucleares. Uma é a de plutónio, preferida pelas forças armadas por ser altamente físsil, o que permite provocar uma explosão com pequeníssimas quantidades, tornando-se portanto miniaturizável. A bomba de Nagasáqui, por exemplo, era uma bomba de plutónio. Mas um engenho destes levanta alguns problemas delicados. O primeiro é a sua construção. A bomba de plutónio detona por implosão, o que requer uma engenharia complexa e muito minuciosa de simetria explosiva. Além do mais, o plutónio é de difícil manuseamento por ser altamente radioactivo. Basta respirarmos quantidades ínfimas deste elemento para morrermos." (…)"Mas nenhum grupo terrorista irá para a bomba de plutónio, devido aos problemas que acabei de enumerar.
A opção será sempre a bomba de urânio, do género da utilizada em Hiroxima. Trata-se de um engenho que usa urânio altamente enriquecido, contendo mais de noventa por cento do isótopo físsil U-235. Se estivermos na posse de urânio altamente enriquecido com esse isótopo, podemos montar uma bomba atómica em qualquer lado - até numa garagem. Tendo urânio altamente enriquecido, a construção do engenho é de uma simplicidade infantil." "Reparem, o que é exactamente o urânio altamente enriquecido? Em forma natural, o urânio é constituído por três isótopos: U-234, que é residual, U-235 e U-238. Para efeitos militares, apenas interessa o U-235. O problema é que, quando se extrai o urânio da terra, a presença deste isótopo é inferior a um por cento. A esmagadora maioria do urânio em estado natural é constituída pelo isótopo U-238. É preciso, pois, processar o urânio em centrifugadoras de modo a eliminar o U-238 e enriquecer a proporção do isótopo U-235. Estão a perceber?"É isso o enriquecimento.  Procura-se enriquecer o urânio com o isótopo U-235. E essa é a única parte complexa da produção de uma bomba atómica. O urânio extraído da terra é esmagado e molhado em ácido sulfúrico, de modo que só sobreviva o urânio puro. Esse urânio puro é secado e filtrado, transformando-se num pó chamado yellowcake. Este pó é então submetido a um gás a temperaturas elevadas e convertido assim num composto gasoso que depois é enviado para máquinas de rotação supersônica chamadas centrifugadoras. À medida que as centrifugadoras rodam, os diferentes pesos dos isótopos levam-nos a separarem-se, com o mais pesado, o U-238, atirado para o exterior das centrifugadoras e o mais leve, o U-235, a fixar-se mais perto do eixo. O gás vai passando de centrifugadora em centrifugadora, extraindo a cada passo mais U-235. Este processo requer cerca de mil e quinhentas centrifugadoras a trabalharem em cascata durante um ano até se conseguir apurar U-235 suficiente para cruzar o ponto crítico de detonação. Nessa altura o gás é convertido num pó metálico, chamado óxido de urânio, e finalmente num metal cinzento, de preferência com a forma de um ovo. Ao tocarmos nele verificamos que é frio e seco.
"Claro que é radioactivo. Mas tem baixa toxicidade. O urânio altamente enriquecido é tão tóxico como... sei lá, como o chumbo, por exemplo. Se uma pessoa respirar ou engolir traços deste elemento irá sentir-se mal disposta, claro, mas apenas isso. O urânio altamente enriquecido é moderadamente radioactivo, o que significa que pode ser manuseado sem luvas e até transportado numa simples mochila. Com um pouco de protecção nem sequer é assinalado pelos detectores de radiação, vejam só. É por isso que uma bomba atómica de urânio é tão interessante para os terroristas. Podemos até dormir com uma pequena quantidade deste material debaixo da almofada!" Ergueu o indicador. "Mas, atenção, há alguns cuidados que é preciso ter. O urânio altamente enriquecido não pode ser amontoado a partir de determinadas quantidades, uma vez que ocasionalmente os átomos de U-235 dividem-se de forma espontânea, disparando neutrões que, a partir de uma massa com urna certa dimensão, poderiam dividir um número de átomos suficiente para provocar uma reacção em cadeia e uma consequente explosão nuclear. O quê eu quero dizer é que há um valor crítico de massa de urânio enriquecido que não pode ser cruzado. Se estivermos na posse deste material, temos de ter o cuidado de o manter separado em pequenas quantidades subcríticas.
"No caso do urânio altamente enriquecido, qual é o valor crítico. Como é que eu sei que a quantidade de material na minha posse é sub-crítica ou crítica?"
"A massa crítica de urânio é inversamente proporcional ao nível de enriquecimento. O nível mais baixo de enriquecimento necessário para desencadear uma reacção nuclear é vinte por cento. Nesse caso, teria de se acumular quase uma tonelada de urânio para provocar uma explosão nuclear espontânea. Na outra extremidade do espectro está o enriquecimento a noventa por cento ou mais. Neste caso bastam pequenas quantidades."
"Quanto?"
"Uns cinquenta quilos." Fez um gesto com as mãos, indicando o volume. "Fica assim com o tamanho de uma bola de futebol."
"Está a dizer-nos que, se eu juntar cinquenta quilos de urânio enriquecido a noventa por cento, posso gerar uma explosão nuclear espontânea?"
"Sim. É tão simples como isso! Daí que a construção de uma bomba destas seja tão fácil." Pegou numa caneta e pôs-se a rabiscar um desenho numa folha A4. "Basta construir um tubo... pôr vinte e cinco quilos de urânio altamente enriquecido numa extremidade, a que chamaremos bala... pôr outros vinte e cinco quilos na outra extremidade, a que chamaremos alvo... pôr um pouco de material propulsor atrás da bala... disparar a bala em direcção ao alvo... as duas quantidades subcríticas colidem, tornando-se críticas... e bang, dá-se a reacção nuclear!" A bomba de Hiroxima era assim."
"Em última instância, os terroristas podem nem sequer construir este engenho. Basta-lhes pôr vinte e cinco quilos de urânio altamente enriquecido no chão, subir a um primeiro andar e lançar das alturas os outros vinte e cinco quilos de urânio altamente enriquecido sobre o material que deixaram no chão. Quando as duas partes subcríticas colidirem, e apesar de não estarem dentro de um engenho, podem fazer cruzar o limiar crítico e desencadear a explosão nuclear." Encolheu os ombros. "Brincadeira de crianças."

"Há situações que não estão previstas no Livro Sagrado. "
"Claro que há. Como fazes para as resolver? "
"Julguei que estava tudo previsto no Alcorão, senhor professor."
"Pois não está".

(…)"O que fazemos agora quando aparece alguma coisa que não está esclarecida no Livro Sagrado?" "
"Boa pergunta! Esse foi justamente o problema que os primeiros crentes enfrentaram quando o apóstolo de Deus foi para o Paraíso, que Alá o tenha para sempre consigo."
"O que fizeram eles para o resolver?"
"Como sabes, a autoridade passou para o sucessor do Profeta, não é verdade? Quem ficou a mandar foi o primeiro califa, Abu Bakr. Sempre que havia uma disputa, as pessoas recorriam a Abu Bakr ou a alguns dos outros companheiros de Maomé, todos eles testemunhas de anteriores decisões do apóstolo de Deus, como a sua segunda mulher, Aisha, e ainda Ma'az ibn Jabel, Abu Hurairah, Abu Obayda ou Omar ibn Al-Khattab. Os companheiros do Profeta actuavam como juízes e consultavam o Santo Alcorão. Quando o Livro Sagrado não dava resposta, aplicava-se o que Alá estabelece na sura 33, versículo 21: «No Enviado tendes um formoso exemplo», e na sura 4, versículo 80: «Quem obedece ao Enviado obedece a Deus.» Ou seja, o Profeta, que a paz esteja com ele, é um exemplo para ser seguido. Daí que procurassem orientação em episódios da vida de Maomé, que a paz esteja com ele."
"Os ahadith relatam histórias de Maomé, que a paz esteja com ele, estabelecendo desse modo a sua sunnah, ou exemplo. Os episódios da vida do Profeta, que a paz esteja com ele, servem assim de fonte legal, só suplantados pelo Santo Alcorão." Alterou o tom da voz, como se fizesse um aparte. "Aliás, muitos versículos do Livro Sagrado só se entendem se conhecermos as circunstâncias em que apareceram. Essas circunstâncias estão relatadas justamente nos ahadith."
"Mas, senhor professor, como sabemos se esses episódios narrados nos ahadith ocorreram mesmo? O meu mullah disse-me que há muitos ahadith falsificados..."
"E disse bem. Há imensos relatos fraudulentos de episódios da vida de Maomé, que a paz esteja com ele. Foi por isso que, duzentos anos depois da morte do Profeta, que a paz esteja com ele, alguns estudiosos se puseram a coleccionar ahadith e a verificar a forma como foram transmitidos ao longo do tempo, de modo a garantir a sua fiabilidade. A colecção mais importante é a do imã Al-Bakhari, que analisou trezentos mil ahadith e determinou que dois mil eram autênticos, uma vez que conseguiu seguir-lhes a pista até ao próprio mensageiro de Alá. Esses ahadith estão publicados numa colecção chamada Sahih Bukhari. Também o imã Muslim fez uma colecção muito credível, conhecida por Sahih Muslim.'"
"Portanto, qualquer hadith que esteja nessas colecções é considerado verdadeiro?"
"Sem dúvida", assegurou o professor. "Mas deixa-me voltar à questão de como se formam as leis islâmicas, porque isso é importante. Imagina agora que era preciso pronunciar uma decisão legal... uma fatwa. O que se fazia? Se o Santo Alcorão era omisso quanto ao assunto em apreço, ia-se ter com Aisha e ela lembrava-se de uma sunnah, um exemplo da vida de Maomé, que a paz esteja com ele, que se adaptava à circunstância em questão. Mas imagina que não lhe ocorria nenhum episódio, não encontrava nenhum hadith adequado. O que fazia ela? Dizia para a pessoa ir falar com Abu Obayda, por exemplo. Talvez ele se lembrasse de algum hadith apropriado. Se Obayda não se lembrasse, remetia a pessoa para Abu Bakr."
"E se o califa também não tivesse resposta?"
"Bom, nesse caso reunia um conselho e apresentava a questão, perguntando se alguém se lembrava de alguma coisa na vida de Maomé, que a paz esteja com ele, que resolvesse o problema. Se ninguém se lembrasse, então o conselho pronunciava uma nova decisão, mas sempre inspirada no espírito do Santo Alcorão ou da sunnah."
"Isso não é uma ijma'ah?"
"Sim, essas decisões são as ijma'ah. Portanto, a fonte superior do islão é o Santo Alcorão. Quando o Livro Sagrado não tem resposta, vamos aos ahadith que contam episódios da vida do Profeta, que a paz esteja com ele, e extraímos uma sunnah, um exemplo apropriado ao problema. Quando os ahadith não têm resposta, os sábios emitem uma ijma'ah inspirada no Santo Alcorão ou na sunnah."
"Mas isso era no tempo em que ainda viviam pessoas que conheceram o Profeta. Como se fazem hoje as ijma'ah?"
"Da mesma maneira, com um conselho de sábios. Grande parte das ijma'ah é actualmente pronunciada pelo Conselho Islâmico para a Pesquisa, que se reúne aqui no Cairo, na Universidade Al-Azhar."
"Tenho uma dúvida, senhor professor: como podemos ter a certeza de que as decisões desses sábios são todas acertadas?"
"Pois, esse é um problema", reconheceu o professor Ayman, o olhar de repente toldado. "O Conselho Islâmico para a Pesquisa está sob influência do governo e as suas ijma'ah tendem a ser feitas para agradar ao governo, não a Alá." Abanou a cabeça. "Isso não pode ser. Eu acho que a umma não pode confiar nestes sábios que só dizem o que é conveniente, não o que é verdadeiro. Há outros sábios cujas ijma'ah são mais fiéis ao Santo Alcorão ou à sunnah."
"Quem?"
"O grande mufti da Arábia Saudita, por exemplo. Ou a Escola de Lei Islâmica do Qatar."
"Senhor professor, ainda não percebi bem. Permita-me que lhe faça uma pergunta! Não entendo o que tem isto a ver com o problema dos kafirun", disse, retomando a questão que ali o levara. "O mullah da minha mesquita diz que os cristãos são os mais próximos de nós e que devemos perdoar e contemporizar. Isso está de facto dito por Alá no Alcorão. Mas, ao mesmo tempo, Alá diz outras coisas no Livro Sagrado. Diz que não podemos ser amigos dos kafirun judeus e cristãos. Diz que devemos matar os kafirun até que a perseguição pare e eles se convertam e deixem de ser kafirun. Diz que devemos preparar todas as espécies de emboscadas aos idólatras e matá-los. Afinal onde está a verdade?"
"Está em tudo o que te disse." O aluno sacudiu a cabeça, inconformado.
"Desculpe, mas continuo a não entender. O que têm estas coisas de que o senhor professor falou a ver com o problema dos kafirun?"
"Têm tudo. Tudo. O Santo Alcorão e os ahadith contêm uma resposta clara para o problema dos kafirun."
"Qual resposta? "
"Já ouviste falar na nasikh?"
"Sim... "
"Bem... é a revelação progressiva do Alcorão."
"Sim, mas o que quer isso dizer?"
"Nasikh é a chave para as aparentes contradições do Alcorão. Na verdade não há contradições nenhumas. O Livro Sagrado é perfeito. Nasikh significa que Alá decidiu, na Sua imensa sabedoria, revelar progressivamente o Santo Alcorão. Podia ter revelado tudo de uma vez, mas Deus, que tudo sabe e tudo planeia, optou por fazê-lo por fases, através do sistema de revelação progressiva, ou nasikh. Isso quer dizer que as novas revelações cancelam as anteriores. Compreendeste?"
"Hmm... sim."
"Mas eu explico-te melhor. Antes de Meca, para que direcção o Santo Alcorão mandava os crentes rezarem?"
"Al-Quds."
"Exactamente! Primeiro foi mandado aos crentes que rezassem na direcção de Al-Quds e depois na direcção de Meca. Parece haver aqui uma contradição. Afinal, qual a ordem que é válida?" "Ora, a segunda." "Isso é nasikh, ou abrogação. Através do Santo Alcorão, Alá mandou primeiro rezar na direcção de Al-Quds e depois na de Meca. Quando há contradição aparente, aplica-se o princípio da revelação progressiva. As novas revelações cancelam as anteriores. A ordem de rezar na direcção de Meca cancelou a anterior. O mesmo acontece com o álcool, por exemplo. Primeiro o álcool era permitido em todas as circunstâncias, depois passou a ser proibido só durante a oração e mais tarde foi proibido em qualquer circunstância. Qual a ordem que é válida?"
"A última, claro."
"Nasikb! As revelações anteriores são canceladas pelas novas. É isso a abrogação. Podemos continuar a ler os versículos cancelados no Santo Alcorão, claro, mas já não são válidos.
"Agora é preciso que percebas mais outra coisa", disse. "A revelação progressiva divide-se em dois períodos fundamentais: o de Meca e o de Medina. O primeiro período é o de Meca, altura em que o Profeta, que a paz esteja com ele, nunca falou em guerras e defendeu a tolerância e o perdão para com os Adeptos do Livro. Neste primeiro período de treze anos, ele limitou-se a pregar e a rezar e a meditar. O único conflito que teve foi com a adoração dos ídolos. Mas depois o Profeta, que a paz esteja com ele, fugiu para Medina e tudo mudou. Neste segundo período ele quase só falou em guerras e passou a pregar o islão com a espada na mão. Comandou pessoalmente os crentes em vinte e seis batalhas, ordenou a morte de pessoas, regozijou-se quando lhe mostraram as cabeças decapitadas dos seus inimigos e combateu os Adeptos do Livro. Agora repara: quando começou a era islâmica?"
"Foi com a Hégira."
"Que foi justamente a fuga do Profeta, que a paz esteja com ele, para Medina. Isso quer dizer que a fase de Medina é que é a do verdadeiro islão, não a fase de Meca. Se fosse a de Meca, a era islâmica teria começado com a primeira revelação. Mas não. A era islâmica só começou quando Maomé, que a paz esteja com ele, foi para Medina; só se iniciou quando o Enviado de Deus, que a paz esteja com ele, começou a pregar a guerra e a intolerância para com os Adeptos do Livro. E eu pergunto-te agora: em que fase da revelação progressiva do islão está dito por Alá no Santo Alcorão que, em relação aos judeus e aos cristãos, devemos perdoar e contemporizar?"
"Na fase de Meca."
"E em que fase está dito que devemos emboscar e matar os idólatras?"
"Na de Medina, claro."
"À luz do princípio de nasikh, o que se deve concluir quanto a essa aparente contradição?"
"A fase de Medina é posterior à fase de Meca", constatou Ahmed. "Logo, a revelação que está na sura 9 cancelou a da sura 2. É essa a ordem de Alá que permanece válida. A que se encontra na sura 9, versículo 5."
Ayman abriu os braços, fechou os olhos, levantou o rosto e, com a expressão mística de um asceta em transe, entoou o versículo que a revelação progressiva autenticara."«Matai os idólatras onde os encontrardes. Apanhai-os! Preparai-lhes todas as espécies de emboscadas!».

"A verdade, é que a Al-Qaeda acredita que toda a terra que foi muçulmana tem de voltar a ser muçulmana. Bin Laden quer recuperar o Al-Andalus para o integrar no grande califado. O público está a ser mantido na ignorância, mas há políticos que sabem muito bem o que se passa. O antigo ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Joschka Fischer, afirmou em círculos restritos que, se Israel cair, o próximo país a ser atacado será, com toda a certeza, Espanha."(…)
"Não há dúvida de que está montado um grande problema para Espanha."
E para Portugal. Já se esqueceu do que era Portugal antes de se formar como país?"
"Você está a insinuar que a Al-Qaeda... a Al-Qaeda já tem os olhos postos em Portugal?"
"Oiça lá, que territórios integravam afinal o Al-Andalus?"
"Bem, Espanha e... e Portugal, claro."

(…) viam os monges cristãos fechados num mosteiro a dizer que estavam em meditação para comungar com Deus e para encontrar a paz e o amor. Toda essa conversa influenciou os crentes fracos, muitos dos quais se puseram então a falar no amor de Alá, não na força de Alá. Nasceu assim o sufismo, um movimento que prega o amor, a paz e a espiritualidade.
"Pois ficai a saber que o sufismo não é islão "
"O mero respeito de alguns preceitos do islão não faz de uma pessoa um crente. Para se ser muçulmano é preciso respeitar todos os preceitos, sem excepção. Todos. É isso o que Alá diz na sura 4, versículo 65 do Santo Alcorão e é isso o que está estabelecido na sunnab do Profeta, como é relatado num hadith apropriado. O mensageiro de Alá comandava homens no campo de batalha e os sufis vêm agora desvalorizar a importância da guerra? Os sufis renegam o exemplo do Profeta, que a paz esteja com ele, e ainda acham que são crentes? Acaso não está estabelecido por Alá na sura 33, versículo 21 do Santo Alcorão: «No Enviado tendes um formoso exemplo»? Se o Profeta, ele próprio, fazia a guerra e mandava degolar kafirun, não é isso um formoso exemplo? Se ele mandava matar em guerra, quem são os sufis para desvalorizar a guerra?"
"Onde está dito no Santo Alcorão que devemos evitar o uso da força?"
"Está ... está na... na sura 3, senhor professor."
"Recita o versículo."
«Esses que praticam a caridade, obedecendo a Deus nas alegrias e nas desgraças, que reprimem a cólera e apagam a ofensa dos homens - Deus ama os que fazem o bem!»"
"Só isso?"
"Há outras suras onde... onde Alá diz o mesmo, senhor professor."
"Claro que há. Por exemplo, na sura 42, versículo 37, Deus promete o melhor para aqueles «que se afastam dos grandes pecados e das torpezas e que, quando se irritam, perdoam»." Encolheu os ombros. "E depois? Alá quer que haja perdão entre os crentes e que se faça o bem. Perdoemos então e façamos o bem entre os crentes. É por isso que somos bons muçulmanos. Mas engrandecer o islão também é fazer o bem! Perdoar os kafirun que se convertam ao islão também é perdoar! Há, no entanto, limites ao perdão. Ou não há? O que diz Alá no Santo Alcorão para os que roubam? Diz para perdoar? Não! Diz para lhes cortarem as mãos! O que diz Alá através da sunnah para as adúlteras? Diz para perdoar? Não! Diz para as lapidarem até à morte! O que diz Alá no Santo Alcorão para os idólatras? Diz para perdoar? Não! Diz para os emboscar e para os matar! O Santo Alcorão é para ler no seu todo, a sharia é para ser respeitada no seu todo! Entenderam? "Os sufis enfraqueceram o islão."Quando os kafirun cruzados invadiram o islão e conquistaram Al-Quds, que Alá os amaldiçoe para sempre, alguns sufis opuseram-se ao uso da força, dizendo que a guerra pregada no Santo Alcorão não era física, mas espiritual. Esta conversa enfraqueceu o islão e foi por causa desses sufis malditos que os cruzados conseguiram humilhar a umma. E quando, mais tarde, os Mongóis atacaram e conquistaram a sede do califado, Bagdade, vários sufis repetiram a mesma heresia, afirmando que não se devia lutar com as armas, que pela força não se resolvia nada... essa conversa cristã. Qual foi o resultado disso? Enfraqueceram de novo o islão e deixaram mais uma vez humilhar a umma! E sabem quem se ergueu contra os sufis e os denunciou como hereges? Foi Ibn Taymiyyah! Sabem o que disse Ibn Taymiyyah?"."Ibn Taymiyyah declarou que o sufismo é um movimento cristão!" Ergueu o dedo, para sublinhar a afirmação. "Um movimento cristão! Dizem-se crentes, mas são cristãos! Tal como os kafirun cristãos, os sufis acham que, quando oram a Alá, eles estão com Alá e Alá está com eles. Onde se encontra isto escrito no Santo Alcorão? Em parte nenhuma! Esse tipo de oração é dos kafirun cristãos, não de um verdadeiro crente! E ainda por cima os sufis puseram-se a interpelar os santos, exactamente como os infiéis cristãos e xiitas, negando assim que só existe um Deus." Voltou a apontar para o aluno. "Eles não passam de kafirun a fingir-se crentes! Não se deixem, pois, enganar por esses apóstatas! O islão que os sufis pregam não é o islão que está no Santo Alcorão! Leiam o que se encontra de facto escrito no Livro Sagrado e conhecerão a palavra de Deus. Não deixem que os intermediários façam as interpretações que lhes convêm!

(…) o versículo 34 da sura 4: «Os homens têm responsabilidade sobre as mulheres, porque Deus favoreceu a uns em relação aos outros, e porque eles gastam parte das suas riquezas em favor das mulheres»"; "«As mulheres piedosas são submissas às disposições de Deus; são reservadas na ausência dos seus maridos no que Deus mandou ser reservado. Àquelas de quem temais desobediência, admoestai-as, confinai-as nos seus aposentos, castigai-as. Se vos obedecem, não procureis pretexto para as maltratar. Deus é altíssimo, grandioso»."

"«Meu Deus, como és bom com aquele que vai contra os Teus princípios»"? Mas o que é isto? Alá é bom com quem não O respeita? Onde estaria isso escrito?
Descobriu que se tratava de uma ordem ligada a Bahauddin Naqshband, o santo de Bucara que viveu no século xiv. A meio do texto, o livro referiu a corrente islâmica a que pertencia essa ordem. Era sufi.
Onde já se vira tal coisa? Muçulmanos a comungar com Deus? Muçulmanos a usar a meditação, a música e a dança para se unirem ao Misericordioso? Onde estava isso escrito no Alcorão? "Quem são estes homens?"
"Ascetas sufis."
O xeque era um sufi! E o que era um sufi senão um muçulmano submetido a influências cristãs? Um kafir, portanto. Isso queria dizer que ele, Ahmed, estava a ser ensinado por um kafir! Isso queria dizer que o verdadeiro islão não era aquele que o xeque lhe explicava nas suas lições. Pior ainda, o verdadeiro islão não era aquele que o mullah pregava todas as sextas-feiras na mesquita. Ele e a família estavam a ouvir uma doutrina cristã encapotada, não o verdadeiro islão! O verdadeiro islão era outro. O verdadeiro islão era o que se encontrava exposto por Alá no Alcorão e exemplificado pelo Profeta na sunnah. O verdadeiro islão era o da sura 9, versículo 5. "«Matai os idólatras onde os encontrardes. Apanhai-os! Preparai-lhes todas as espécies de emboscadas!»" Como poderiam os verdadeiros muçulmanos ignorar tão claras ordens de Alá?
Além disso, concluiu que o islão desviante era defeito geral no Egipto, o medo de desagradar ao governo parecia maior do que a fé desses clérigos cobardes.

"Os sufis é a corrente mais pacífica do islão, juntamente com a dos ismaelitas; vivem em paz e harmonia. Para eles a jihad é um conceito de luta do espírito para atingir a perfeição, não é necessariamente guerra nem matança."

"É isso mesmo o que diz Alá no Santo Alcorão! Para se ser muçulmano é preciso respeitar sempre todas as leis. Basta falhares em algumas delas e deixas de ser muçulmano. "

"«Não há nenhum Deus senão Alá.» Isso significa que todas as outras autoridades existentes na Terra, incluindo presidentes e governos, valem menos do que a vontade de Alá, expressa directamente no Santo Alcorão. Isto quer dizer que a vontade de Alá tem de ser obedecida, mesmo que isso implique desobedecer a um presidente ou a um polícia. Alá manda acima de todos. "

(…) " Somos totalmente livres! O islão liberta o homem das imperfeitas leis e tradições humanas e submete-o unicamente a Deus. O universo inteiro fica assim sob a autoridade de Alá, e o homem, sendo uma ínfima parte desse universo, passa a obedecer às leis universais. A Lei Divina regula todas as matérias e põe o homem em harmonia com o resto do universo. O ser humano liberta-se. No islão não interessa a raça, a língua, a nacionalidade, a classe social, somos todos gotas de água que se juntam num ribeiro e todos os ribeiros convergem para um grande rio que desagua no oceano imenso. Compara, por exemplo, o império de Deus com os impérios humanos do passado. "
(…)"Olha para os grandes impérios europeus, como o britânico, o espanhol, o português ou o francês! Todos eles eram fundados na ganância e no orgulho, na opressão e na exploração de povos. Olha para o império comunista! Em vez de mandarem os nobres, ali quem manda é o proletariado, ou, para ser mais verdadeiro, uma elite privilegiada que usurpou o poder em nome do proletariado. Todo o comunismo é fundado na luta de classes, não na harmonia. Compara tudo isso com o islão, que liberta o ser humano destes grilhões e o submete universalmente à Lei Divina. "
"Alá instituiu o islão justamente para pôr fim ao culto das imperfeitas leis humanas. Todas as pessoas da Terra devem obediência a Deus e a Deus apenas. Ninguém tem o direito de fazer leis. Aceitar a autoridade pessoal de um ser humano é aceitar que esse ser humano partilha a autoridade de Alá. Isso é heresia! Isso é a fonte de todos os males do universo!"
Numa democracia são as pessoas que decidem o que se pode ou não fazer, o que se pode ou não proibir. Isso é contra o islão! No islão as pessoas não têm o poder de decidir o que é legal ou ilegal. Esse poder é exclusivo de Alá!

" É preciso entender um conjunto de coisas sobre o islão", disse. "A primeira, e talvez a mais importante de todas, é que o islão não é o cristianismo. Nós temos esta fantasia de que os profetas promovem sempre a paz e de que para eles a vida é sagrada, seja em que circunstâncias for. Em momento algum os profetas aceitam que se faça guerra e se mate outras pessoas. E ou não é verdade?"
"Bem... sim, é verdade. Mas também é verdade que a maior parte das guerras são provocadas pelas religiões! Quantas matanças não se fizeram em nome de Cristo?"
"Ordenadas por Cristo?"
"Não, claro que não. Mas em nome dele..."
"Não confunda coisas. Quando um cristão faz a guerra, é importante que perceba que ele está a desobedecer a Cristo. Não foi Jesus que disse que, quando nos batem numa face, devemos dar a outra? Ao recusar-se a dar a outra face e ao optar pela guerra, o cristão está a desobedecer ao seu Profeta, ou não está?"
"Claro que sim."
"Pois essa é uma importante diferença entre o cristianismo e o islão. É que, no islão, quando um muçulmano faz a guerra e mata gente pode estar simplesmente a obedecer ao Profeta. Não se esqueça de que Maomé era um chefe militar! No islão pode acontecer que o muçulmano que se recuse a fazer a guerra seja precisamente aquele que desobedece ao seu Profeta!"
"Está a falar a sério?"
"Registe isto que eu lhe vou dizer. A maior parte do Alcorão é constituída por versículos relacionados com a guerra"
"Isso não pode ser!", exclamou. "Sempre ouvi dizer que o islão é totalmente pacífico e tolerante."
"E é, se formos todos muçulmanos. O islão impõe regras de paz e concórdia entre os crentes. O problema é se não formos muçulmanos. Está escrito no Alcorão, creio que no capítulo 48: «Muhammad é o Enviado de Deus. Os que estão com ele são duros com os incrédulos, compassivos entre si.» O compassivos entre si é lido como uma ordem de tolerância entre os crentes e o duros com os incrédulos de intolerância para com os infiéis. No nosso caso, os não muçulmanos, as ordens inscritas no Alcorão ou no exemplo de Maomé são que temos de pagar aos muçulmanos uma taxa humilhante. Se não o fizermos, seremos mortos. Ou seja, se levarmos à letra as regras do islão, a escolha é muito simples: ou nos convertemos em muçulmanos, ou nos humilhamos, ou somos assassinados."
"Mas eu nunca ouvi falar nisso..."
"Nunca ouviu porque no Ocidente estes factos são ocultados. A versão do islão que nos é apresentada é uma versão expurgada destes pormenores perturbadores. Dão-nos uma versão cristianizada do islão. É até frequente ouvir líderes islâmicos no Ocidente a citarem textos sufis para mostrar que o islão é só paz e amor. Acontece que o sufismo é um movimento místico islâmico muito minoritário e com forte influência cristã, coisa que não nos é explicada. A ideia que fica é que o islão é muito próximo do cristianismo, o que não é bem verdade. Maomé fazia coisas que, sendo naturais naquele tempo, são hoje inaceitáveis para uma mente ocidental. Essas coisas são-nos cuidadosamente escondidas."
"Dê-me exemplos de coisas que não nos são contadas."
"Olhe, a primeira grande batalha em que Maomé esteve envolvido foi a batalha de Badr, contra a sua própria tribo de Meca. Os muçulmanos venceram e os líderes inimigos foram mortos ou capturados. Um deles, chamado Uqba, implorou pela sua vida e perguntou a Maomé quem olharia pelos seus filhos no caso de ele ser executado. Sabe o que o Profeta lhe respondeu? «O Inferno», disse, e mandou matá-lo. Um outro líder inimigo, chamado Abu Jahl, foi morto e o muçulmano que o decapitou exibiu a cabeça decepada diante de Maomé.
Ao ver a cabeça, e depois de se certificar de que se tratava realmente de Abu Jahl, o Profeta deu graças a Deus pela morte do seu inimigo."
"Isso aconteceu mesmo?"
"Está amplamente documentado", assegurou Tomás. "Daí que o antigo líder da Al-Qaeda no Iraque, Al-Zarkawi, tenha invocado este incidente quando decapitou um refém americano em 2004. Se bem me lembro, Al-Zarkawi disse: «O Profeta, o mais misericordioso, ordenou que se cortassem os pescoços de alguns prisioneiros em Badr. Ele estabeleceu um bom exemplo para nós.»"
"Daí que estes fundamentalistas andem a decapitar reféns..."
"Estão simplesmente a seguir o exemplo do Profeta, coisa que o Alcorão lhes ordena que façam."
"E há mais situações dessas?"
"Quer mais?", admirou-se Tomás. "Então vou contar-lhe a história de uma tribo judaica que se recusou a converter-se ao islão. Eram os Qurayzah. Maomé cercou a tribo durante quase um mês e os Qurayzah acabaram por se render. Maomé pediu-lhes que escolhessem alguém que decidisse o seu destino. Os judeus escolheram um muçulmano chamado Mu'adh, que já conheciam e de quem esperavam clemência. Mas Mu'adh optou por executar os homens e escravizar as mulheres e as crianças. Ao tomar conhecimento desta decisão, Maomé disse: «Decidiste em conformidade com o julgamento de Alá lá em cima nos sete céus.» Maomé foi então ao mercado de Medina e ordenou a abertura de uma trincheira no chão. Depois mandou buscar os prisioneiros e, à medida que eles lhe eram apresentados, decapitava-os nas trincheiras. As mulheres e crianças cativas foram depois entregues aos muçulmanos, com excepção daquelas que se converteram ao islão."
"Que horror! Tem a certeza de que isso aconteceu?"
"Claro que sim. Aliás, há até um versículo do Alcorão que se refere a este episódio."
"Não fazia ideia nenhuma disso."
"É o que eu lhe estava a tentar explicar há pouco. No Ocidente é apenas apresentada uma versão cristianizada do islão, havendo sempre o cuidado de eliminar todos estes pormenores que nos poderão chocar e alienar. Está a ver Jesus a mandar cortar cabeças de pessoas e a dizer a condenados que quem vai tratar dos seus filhos será o Inferno e a vangloriar-se perante a cabeça decepada de um inimigo? Isto é chocante para nós e é por isso que estes pormenores não nos são revelados! Mas é importante que os conheçamos para percebermos melhor a Al-Qaeda, o Hamas e toda essa gente."
"Claro, tem razão."
"Lembre-se de que os fundamentalistas não estão a inventar nada. Limitam-se a executar à letra as ordens do Alcorão e a seguir o exemplo do Profeta. Eles citam profusamente os textos sagrados do islão e o grande problema é que, quando vamos às fontes verificar o que está lá de facto escrito, descobrimos que os fundamentalistas têm razão. Está lá mesmo escrito o que eles dizem que está escrito."

"Existem três categorias de jihad: a jihad da alma, a jihad contra Satanás e a jihad contra kafirun e hipócritas. "

(…) é um facto que Alá diz no Alcorão que não há compulsão na religião... É um facto. É essa a Sua vontade, ninguém pode ser obrigado a converter-se ao islão e a submeter-se a Alá. Claro, a recusa da conversão implica que a pessoa irá prestar contas no dia do juízo, mas esse problema é entre essa pessoa e Alá, não é um problema dos crentes. Alá mandou-nos deixá-los em paz, Ele tratará do assunto no momento próprio. Porém, lembra-te de que as últimas revelações de Deus, que abrogam as anteriores, determinam que os kafirun que não se convertem são obrigados a pagar jizyah e a tornar-se dhimmies. Se não o fizerem, serão mortos. "

"A jihad não é uma mera guerra! Não tenhamos medo das palavras: a jihad é o recurso à força para espalhar a Lei Divina entre os homens!"

Os seres humanos têm de obedecer à Lei Divina para estarem em harmonia com o universo e em paz consigo mesmos. Se, em vez de o fazerem, cederem às suas tentações e instintos e rejeitarem a sharia, então entrarão em confronto com o universo e aparece a corrupção e todos os problemas que estamos a ver no islão e no mundo.

(…)"quem usurpar o poder divino tem de ser afastado. Esse afastamento é feito através da pregação ou, quando se levantam obstáculos, através da força. Ou seja, com recurso à jihad."

"Os kafirun cristãos distorcem o conceito de jihad, insinuando que ela impõe a tirania. Bem pelo contrário, a jihad liberta os homens da tirania. E esses cobardes que se dizem crentes ficam tão embaraçados diante dos kafirun cristãos que se põem a argumentar que a jihad é meramente defensiva e exibem os versículos já ab-rogados como suposta prova. (…) A jihad só é defensiva no sentido em que defende o homem e o liberta dos grilhões de outros homens. Só nesse sentido é ela defensiva. De resto, a ordem de Deus é a de espalhar a Lei Divina por toda a humanidade! E como se faz isso? Só a pregar? Claro que não! Teríamos de ser muito ingénuos para pensar que as sociedades jahili aceitariam pôr as suas leis de acordo com a Lei Divina, de modo a viabilizar um clima de liberdade que permitisse que os kafirun escolhessem a religião que querem sem constrangimentos. E por isso que a jihad é necessária. A jihad não se destina a defender terras, destina-se a impor a Lei Divina!"

"O islão procura a paz, mas não uma paz superficial que se limite a garantir a segurança das suas terras e das suas fronteiras. O que o islão procura é a paz mais profunda de todas: a paz de Deus e de obediência a Deus apenas. Enquanto essa paz não existir, teremos de lutar por ela. A luta faz-se através da pregação e, quando necessário, da jihad. "

Deus diz no Livro Sagrado que o objectivo é limpar a corrupção da face da Terra! Se fosse a defesa das fronteiras, Ele tê-lo-ia dito. Mas não disse. A jihad não é pois uma mera fase temporária, mas uma etapa fundamental que existe enquanto existir jahiliyya entre os homens. É obrigação do islão lutar pela liberdade do homem até que todos se submetam à Lei Divina. O destinatário do islão é toda a humanidade e a sua esfera de acção é o planeta inteiro. Ou os kafirun se convertem ou pagam a jizyab. São essas as ordens de Alá e é para isso que existe a jihad." Se os kafirun não o fizerem, terão de ser mortos."

"Você precisa de perceber que Maomé era um homem do século VII", disse. "As coisas que ele fez têm de ser compreendidas no contexto daquele tempo. O facto é que Maomé uniu os Árabes e ergueu uma civilização. Promoveu o monoteísmo, encorajou a caridade, estabeleceu regras de convivência social... fez muita coisa. Foi sem dúvida um grande homem. Não podemos é avaliá-lo à luz da moral vigente hoje em dia no Ocidente. A nossa moral está impregnada de valores cristãos, embora nem sequer nos apercebamos disso, pelo que temos tendência a olhar para as coisas segundo esses valores."
"Está a insinuar que devemos aceitar o que os fundamentalistas fazem?"
"Não, de modo nenhum. Temos de ser tolerantes com os tolerantes e intolerantes com os intolerantes. A Inglaterra e a América foram tolerantes com o nazismo e veja no que isso ia dando! Não podemos ser ingénuos ao ponto de pensarmos que há espaço de diálogo com os intolerantes. Não há! A Al-Qaeda é intolerante. A Lashkar-e-Taiba é intolerante. O Hamas é intolerante. Eles seguem à risca o Alcorão e ambicionam impor o islão a todo o mundo. Às vezes vejo intelectuais ocidentais a defender que se deve dialogar com a Al-Qaeda ou com o Hamas e isso dá-me vontade de rir. Só pode dizer isso quem não tem a mínima noção do que..."
"O que está a dizer, é que temos de enfrentar os muçulmanos."
"Errado."
"Desculpe, foi o que depreendi das suas palavras."
"O que eu disse é que temos de enfrentar o que habitualmente se designa por fundamentalismo."
"Mas os fundamentalistas aplicam os preceitos contidos no Alcorão e no exemplo do Profeta, certo?"
"Sem dúvida."
"Isso não faz deles os verdadeiros muçulmanos?"
Tomás riu-se. "Você parece o Bin Laden a falar… Não sei se posso responder a essa pergunta, Isso é muito sensível. Quando estive no Cairo apercebi-me de que, bem lá no íntimo, muitos muçulmanos se interrogavam sobre se os fundamentalistas não teriam afinal razão. Tudo o que os fundamentalistas dizem é, no fim de contas, sustentado por versículos do Alcorão e por exemplos reais da vida de Maomé. Nada daquilo é inventado. Isso deixa muitos muçulmanos desconfortáveis, como deve calcular, sobretudo porque o Alcorão estabelece que, para se ser verdadeiramente um muçulmano, é preciso respeitar todos os preceitos do islão, não apenas alguns. Goste-se ou não, fazer a jihad contra os infiéis é um dos preceitos. Ponto final."
"Se assim é, por que razão os muçulmanos em geral não cumprem à letra esses preceitos?"
"Isso dá uma longa conversa. Oiça, uma parte importante dos muçulmanos são fundamentalistas no sentido em que acreditam no respeito e na aplicação dos fundamentos da lei islâmica. O que se passa é que uns acham que é preciso aplicar imediatamente a sharia na íntegra, e são esses que designamos habitualmente por fundamentalistas ou radicais. Estou a falar dos fanáticos que nos declararam uma guerra até à morte e andam a fazer matanças por toda a parte. Os outros fundamentalistas são os conservadores. Estes também querem exterminar o Ocidente, mas têm noção de que o inimigo é mais forte do que eles e preferem um entendimento temporário, enquanto esperam o momento mais propício para atacar. Os terceiros são os seculares, que percebem que os tempos mudaram e que certos preceitos estabelecidos por Maomé no século VII reflectem a realidade desse século e não podem ser transpostos para a actualidade. Estes são genuinamente pacíficos, mantêm-se muçulmanos mas querem viver em paz e aceitam o Ocidente."
"E os governos desses países? Que pensam eles?"
"Há de tudo, como sabe. Mas aqueles que não são fundamentalistas nem conservadores estão sob a mira de parte das suas próprias populações."
"Porquê?"
"Por estarem a violar a sharià", observou o historiador. "A lei islâmica requer, por exemplo, que se apedreje uma adúltera até à morte, na sequência do que já vem exigido no Antigo Testamento. Só que isso, como deve calcular, choca com a moral ocidental. Não foi Jesus que disse, em defesa de uma adúltera: «Atire a primeira pedra quem nunca pecou»? Acontece que há governos muçulmanos que estão $ob influência da cultura ocidental e estabeleceram penas mais leves para este tipo de crimes. Mas não foi Maomé que ordenou a lapidação até à morte das adúlteras? Se um governo é muçulmano, porque não executa essa ordem do Profeta? Estas duas perguntas são muito complicadas e põem estes governos em xeque."
"As populações muçulmanas acham que se deve lapidar uma adúltera até à morte?"
"Muita gente acha, sim."
"Está bem, mas isso é o povo ignorante a falar..."
"Está enganada! Muitos muçulmanos instruídos e esclarecidos são fundamentalistas. Repare que a principal característica de um fundamentalista islâmico é a sua vontade de respeitar integralmente, e com verdade, o islão. Se o Alcorão manda rezar cinco vezes voltado para Meca, ele reza. Se o Alcorão manda dar esmolas aos pobres, ele dá. Se o Alcorão manda cortar a mão aos ladrões, ele corta. Se o Alcorão manda matar os infiéis que não aceitam ser humilhados com o pagamento da taxa discriminatória, ele mata. É tão simples quanto isto. Para um fundamentalista não há zonas cinzentas. O que o Alcorão e o Profeta dizem para fazer é para ser feito e corresponde ao bem. Os que não obedecem ao Alcorão e ao Profeta são infiéis e estão ao serviço do mal. Mais nada. Os muçulmanos encontram-se no reino da luz e os infiéis mergulhados na treva."
"Mas como é possível que essa gente não evolua com o tempo? "
"Repare, desde o tempo de Maomé que os muçulmanos se habituaram a estar na ofensiva e a dominar os outros povos. Espalharam-se rapidamente pelo Médio Oriente e pelo Norte de Africa, usaram a força para ocupar a Índia, os Balcãs e a Península Ibérica e chegaram a atacar a França e a Áustria."
"Mas sempre ouvi dizer que as relações dos muçulmanos com as outras religiões eram pacíficas..."
"Quem lhe disse isso?"
"Li num artigo qualquer. Dizia lá que as cruzadas é que abriram as hostilidades entre cristãos e muçulmanos."
"Isso é conversa da treta! As cruzadas constituíram o primeiro esforço dos cristãos de abandonarem a defensiva, após quatro séculos consecutivos a serem atacados! Foi só com as cruzadas que os cristãos se ergueram contra os muçulmanos e passaram à ofensiva. As cruzadas marcaram a primeira resposta dos cristãos aos contínuos ataques dos muçulmanos. Para além da reconquista da Terra Santa, os cristãos recuperaram a Península Ibérica e, com os Descobrimentos portugueses, começaram de repente a espalhar-se pelo mundo. De um momento para o outro apareceram impérios europeus por todo o planeta. Até pequeníssimas potências como Portugal ocuparam áreas de poderio islâmico, como partes da índia e o estreito de Ormuz, chegando até a erguer fortes em plena Arábia, terra que o Profeta, antes de morrer, dissera que só podia ser ocupada por muçulmanos. Apesar da espantosa expansão europeia, o islão manteve o objectivo declarado de conquistar toda a Europa e fez uma derradeira tentativa de retomar a ofensiva atacando de novo o Sacro Império Romano no século XVII, mas o segundo cerco de Viena fracassou e os exércitos islâmicos bateram em retirada. Foi a consumação do descalabro. Seguiu-se derrota atrás de derrota, até que os europeus entraram em pleno coração do islão. Napoleão invadiu o Egipto em 1798. Como deve calcular, os muçulmanos ficaram em estado de choque. E o pior foi constatar que quem expulsou os infiéis franceses do Egipto não foram os exércitos islâmicos, como seria de esperar, mas uma pequena esquadra britânica. O islão percebeu nesse momento que as potências europeias podiam invadir a seu bel-prazer as suas terras e, para cúmulo, só outras potências europeias tinham capacidade de as desalojar!"
"Bem, de certa forma houve aí uma justiça poética, não acha? Os muçulmanos passaram séculos a comportar-se como imperialistas e a invadir país após país. Alguma vez tinham de provar o fruto que antes impunham aos outros..."
"Visto sob esse prisma, é verdade. Só que eles descobriram que esse fruto era até muito amargo, uma vez que a expansão europeia em território islâmico se acentuou no século xix, com os Britânicos a ocuparem Aden, o Egipto e o Golfo Pérsico e os Franceses a colonizarem a Argélia, a Tunísia e Marrocos. O auge deste processo ocorreu com a derrota do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial. A Grã- Bretanha e a França abocanharam todo o Médio Oriente, com os Britânicos a ficarem com o Iraque, a Palestina e a Transjordânia e os Franceses a dominarem a Síria e o Líbano. O símbolo desse domínio ocidental sobre o islão foi a abolição do califado otomano, em 1924."
"Está bem, mas isso é tudo história! Que eu saiba todos esses países já recuperaram a independência. Além do mais, quem aboliu o califado foram os próprios Turcos, não foi o Ocidente..."
"Acha que é tudo história? Olhe que os muçulmanos não vêem a coisa assim. Nós, os ocidentais, encaramos a história como uma coisa que já passou e que não deve condicionar-nos. É, mais uma vez, a cultura cristã que nos orienta, mesmo que não nos apercebamos disso. Mas os muçulmanos não são cristãos e olham para as coisas de maneira diferente. Encaram acontecimentos de há mil anos como tendo acontecido agora!"
"Lá está você a exagerar..."
"Quem me dera! Eu sei que para nós tudo isto parece estranho, mas o passado para os muçulmanos tem uma importância desmesurada, eles encontram aí orientação religiosa e legal. No fundo os muçulmanos acham que o passado reflecte os propósitos de Deus e por isso toda a história é muito actual. Daí que a colonização dos países islâmicos pelos europeus os choque acima de tudo."
"Mas já lhe disse que eles recuperaram a independência há muito tempo! Tanto quanto sei, a maior parte desses países libertou-se dos colonizadores entre 1950 e 1970..."
"É verdade, mas para eles é como se tudo tivesse ocorrido ontem. Repare que o islão foi a principal civilização do planeta na altura em que o cristianismo estava mergulhado na Idade Média. Os muçulmanos habituaram-se a encarar-se a si próprios como os guardiães da verdade divina e viam a sua supremacia como uma consequência natural e lógica disso mesmo. Mas eis que, de repente, se viram confrontados com a reconquista cristã, com as consequências dos Descobrimentos portugueses e com a idade das luzes- e, de um momento para o outro, aperceberam-se de que o Ocidente passou a mandar no mundo. Os infiéis ocidentais, até aí na defensiva, tornaram-se senhores do planeta e chegaram ao ponto de colonizar os países islâmicos! A capital do califado, Istambul, pôs fim ao próprio califado e, por decisão de Atatürk, passou a imitar a cultura e o sistema secular dos infiéis ocidentais, separando a religião do Estado. Como acha que os muçulmanos encararam esta transformação?"
"Imagino que não tenham gostado muito..."
"Claro que não gostaram! E, para agravar as coisas, o contraste entre a qualidade de vida das duas civilizações tornou-se gritante. Muitos muçulmanos começaram a comparar as suas vidas com as dos ocidentais e isso fê-los questionarem-se. Por que razão viviam os países islâmicos na pobreza e tinham governos tão corruptos? Por que motivo estavam tão atrasados em relação ao Ocidente? Por que diabo não conseguiam eles também fabricar belos automóveis e voar até à Lua? Incapazes de fazer frente ao domínio tecnológico e financeiro do Ocidente, esses muçulmanos concluíram que só conseguiriam responder na área cultural. E o que havia aqui? O islão! Não foi o islão que dominou o mundo, da índia até à Península Ibérica? Não tinha Maomé em poucos anos criado uma grande civilização? Como fizera ele isso? A resposta era: respeitando integralmente a lei islâmica. Logo, a resposta para os problemas de hoje também podia ser a mesma. Muitos começaram a achar que o problema é que haviam abandonado a verdadeira fé e passaram a acreditar que, se respeitassem de novo todos os preceitos do islão, o esplendor de outrora regressaria em força."
"E foi isso que os atirou para o fundamentalismo."
"Exactamente! Quando um muçulmano diz que se sente humilhado pelo Ocidente, não está a dizer que o Ocidente o maltrata. O que está a dizer é que é humilhante ver o Ocidente superiorizar-se ao islão nos planos económico, cultural, tecnológico, político e militar. O pecado do Ocidente é mostrar-se mais poderoso do que o islão. Daí ao raciocínio seguinte é um mero passo. Muitos muçulmanos acham que, se rejeitarem a modernidade e respeitarem à letra os preceitos do Alcorão e o exemplo do Profeta, a glória e o domínio do islão em todo o mundo voltarão."
"E foi isso que os fundamentalistas começaram a defender depois da queda do califado otomano..."
"Na verdade este retorno aos fundamentos do islão começou com um xeque medieval chamado Ibn Taymiyyah, que defendeu a interpretação literal do Alcorão e do exemplo de Maomé, e foi sobretudo relançado no século XVIII, no rescaldo do choque da invasão napoleónica do Egipto. Nessa altura apareceu na Arábia um teólogo chamado Al-Wahhab que, inspirado em Ibn Taymiyyah, rejeitou as inovações feitas ao longo do tempo e preconizou o regresso do islão às suas fontes mais originais, o Alcorão e a sunnah do Profeta, estabelecendo a jihad como um dever fundamental dos muçulmanos. Al-Wahhab declarou que todos os muçulmanos que não respeitavam o islão à letra eram infiéis e aliou-se a um emir tribal chamado ibn Saud. Juntos, os dois conquistaram o que é hoje a Arábia Saudita e criaram uma dinastia que ainda agora governa o país. Os Saud mantêm-se como chefes políticos e os descendentes de Wahhab como líderes religiosos. Mas o que é importante perceber é que é aos wahhabistas que está hoje entregue a gestão das madrassas e das universidades."
"O quê?!"
"A sério. A educação saudita assenta hoje no fundamentalismo mais primário que possa existir. Está a ver o problema que isso cria, não é verdade? O controlo pelos wahhabistas do sistema de ensino saudita significa que o islão que os sauditas aprendem desde pequenos na escola é o islão da jihad, da matança dos infiéis, da mutilação dos ladrões, dos apedrejamentos das adúlteras até à morte... e por aí fora. E como se isto não bastasse, no século XX apareceu o petróleo!"
"O que tem o petróleo a ver com isto?"
"O petróleo enriqueceu os Sauditas. De repente os wahhabistas ficaram cheios de dinheiro e imagine o que decidiram eles fazer?"
"Ergueram grandes mesquitas?"
"Também mas, sobretudo, puseram-se a financiar madrassas em,todo o mundo islâmico, assumindo o controlo da matéria pedagógica nelas ensinada."
"Meu Deus!"
"Pois é, pois é! De repente as escolas espalhadas pelo mundo islâmico e financiadas pelos wahhabistas sauditas puseram-se a ensinar por toda a parte o islão da jihad! Essas madrassas tornaram-se autênticos viveiros de fundamentalistas, com os novos currículos educativos a pregarem o regresso ao século VII, a defenderem a matança dos infiéis e a rejeitarem a modernidade, dizendo que o retorno ao islão original poria os muçulmanos de novo na vanguarda."
"Mas isso não faz muito sentido! Como é que rejeitar a modernidade os põe de novo na liderança?
"Oiça, tem de entender que esta mensagem de regresso às origens os apanhou num momento de vulnerabilidade, em que muitos muçulmanos se sentiam humilhados pelo colonialismo e cidadãos de segunda classe na sua própria terra..."
"Mas não era isso justamente o que eles faziam aos cristãos, aos judeus e aos hindus? Não andaram eles séculos a fazer dos outros cidadãos de segunda, obrigando-os até a pagarem taxas discriminatórias e humilhantes para poderem viver nas suas próprias terras?"
"Claro que sim, mas quando os cristãos lhes fizeram o mesmo eles não gostaram e, como é evidente, sentiram-se humilhados. Essa humilhação foi a parte negativa, embora talvez pedagógica, da colonização europeia. Mas repare que a moeda tem uma outra face. Os europeus construíram infra-estruturas que eles não tinham, instituíram sistemas escolares e serviços públicos que não existiam e aboliram a escravatura. Se for a ver bem, não há comparação do grau de desenvolvimento das terras islâmicas que tiveram colonização europeia com o das terras islâmicas que permaneceram sob domínio muçulmano. Só os pales-tinianos criaram sete universidades desde a ocupação israelita em 1967. Compare isso com as oito universidades da imensamente rica Arábia Saudita ou com o atraso do Afeganistão! E isto para não falar no obscurantismo. Só para que tenha uma ideia, a soma de todos os livros traduzidos em todo o islão desde o século ix é de cerca de cem mil, que é exactamente o número de livros que hoje em dia se traduzem em Espanha num único ano!"
"Então qual é a dúvida dos fundamentalistas? Eles não percebem as vantagens da modernização?"
"Os fundamentalistas e os conservadores vêem as coisas de maneira diferente, o que quer que lhe faça? Eles acham que o islão foi ultrapassado pelo Ocidente justamente, por se ter desviado das leis divinas e, influenciados pelos ensinamentos dos wahhabistas financiados pelo petróleo saudita, julgam que só o regresso às práticas do século VII os poderá pôr de novo na dianteira. Eles não têm uma visão humanitária do mundo, mas uma visão ortodoxa islâmica."
"Qual é a percentagem de muçulmanos que raciocinam dessa maneira?"
"E difícil de dizer. Eu diria que o muçulmano médio quer apenas viver a sua vida em paz e sossego, respeitar Deus e ser feliz. Penso que estes são a maioria. Têm um conhecimento superficial do islão, ignoram os fundamentos corânicos da jibad, mas sabem que não querem viver num país onde se aplique a sharia na íntegra."
"Portanto, a maioria é secular."
"Sim, acho que se pode dizer isso. É um facto, porém, que, em alguns casos, a maior parte de uma população muçulmana pode ser fundamentalista. Não foi a revolução islâmica que contou com amplo apoio popular no Irão? Não foi o Hamas que ganhou as eleições na Palestina? Não foi a Frente de Salvação Islâmica que venceu a primeira volta das eleições na Argélia - e só não ganhou a segunda volta porque o acto eleitoral foi cancelado? Os fundamentalistas argelinos andavam a cortar o pescoço a milhares de pessoas e, pelos vistos, a maior parte da população aprovava! Isso mostra que os fundamentalistas gozam de uma sustentação popular maior do que gostamos de pensar, embora em geral sejam de facto minoritários."
"Portanto, se bem entendi, temos os fundamentalistas, os conservadores e os seculares."
"Sendo que os seculares são tendencialmente maioritários. Mas não tenha ilusões: os dois outros grupos são muito perigosos e, pelo menos em alguns países islâmicos, constituem sem dúvida a maioria. Não podemos ser ingénuos ao ponto de acreditar que os muçulmanos são todos muito tolerantes e o conflito que existe se deve a meros problemas sociais e à existência de Israel. A questão é infelizmente muito mais vasta e perigosa do que isso. A maioria pode ser secular, mas, ao mesmo tempo, é também silenciosa. Já a minoria fundamentalista é muito activa e ruidosa."
"Estou a ver."
"O islão está, pois, a viver um grande despertar. Existe uma vontade muito forte por parte de alguns muçulmanos de passar à ofensiva e estender o islão a todo o planeta, impondo..."

(…) Nós investimos muito na educação e sabemos que a verdadeira riqueza é gerada pelo conhecimento. Se andares por este país ou por toda a Europa, verás que por aqui existem poucas riquezas naturais nas terras. Não há petróleo, não há ouro, não há diamantes." Colou o indicador às têmporas. "Mas possuímos conhecimentos. Aqui no Ocidente sabemos fazer carros, aviões, pontes, computadores... é essa a nossa riqueza."

"O que distingue um mudjahedin de um guerreiro kafir é a sua preparação moral e a sua pureza diante de Deus. Um mudjahedin é um soldado de Alá, pelo que, uma vez em combate, as regras que tem de respeitar são muito rigorosas. Deve evitar as matanças indiscriminadas, em particular de mulheres e crianças, e também a destruição de santuários religiosos, como igrejas ou sinagogas."
"E se as mulheres e crianças estiverem envolvidas no esforço de guerra dos kafiru? "
"Nesse caso devem ser mortas", sentenciou. "As leis da jihad são muito claras nisso. Um hadith conta que uma vez perguntaram ao Profeta se era errado matar as mulheres e crianças dos kafirun. Ele respondeu: «Considero-os como se fossem os seus pais.» Ou seja, se os pais forem kafirun, em certas circunstâncias é permitido matar-lhes os filhos. Por exemplo, quem de alguma forma apoiar o inimigo, mesmo fornecendo apenas água ou até somente apoio moral, é também um inimigo e pode ser morto."
"Imagina, meu irmão, que uma mulher kafir reza para que o marido mate um crente. Ou imagina que uma criança kafir reza para que o pai mate um mudjabedin.'"
"Devem ambos ser mortos. Basta um kafir desejar a morte de um crente para poder ser morto, mesmo que se trate de uma criança. De qualquer modo, é importante sublinhar que o recurso à força deve ser evitado enquanto possível. No entanto, no momento em que a jihad for necessária, ninguém deve fugir às suas responsabilidades. Disse o Profeta: «Aquele que se encontrar com Alá sem alguma vez se ter envolvido em jihad encontrará Alá com um defeito». A jihad ocupa muitas páginas do Santo Alcorão. São mais de cento e cinquenta versículos nos quais Alá Al-Hakam, o Juiz, enuncia as regras da guerra, tornando claro que a verdade tem de ter uma força física que a proteja e a propague. A maior parte das guerras decretadas por Maomé foram ofensivas, como toda a gente sabe. Ora como Alá nos manda no Alcorão seguir o exemplo do Seu mensageiro, também nós temos de lançar guerras ofensivas. Há até um hadith que cita assim o Profeta: «Fui educado com a espada nas mãos da Hora até que apenas Alá seja venerado. Ele ofereceu-nos sustento por baixo da sombra das lâminas e decretou a humilhação de todos os que se me opõem.» Por aqui se vê que o apóstolo de Deus valorizava a espada e a necessidade de a usar até que todos os seres humanos se submetam a Alá. Num outro hadith, o Profeta é assim citado: «Eu ordeno por Alá que se faça guerra a toda a gente até que todos digam que Alá é o único Deus e que eu sou o Seu Profeta». Ou seja, o objectivo do islão é governar todo o mundo e submeter toda a humanidade ao islão. Há pessoas que se dizem muçulmanas mas que preferem fingir que estas palavras do Profeta não foram proferidas. Mas, meus irmãos, as ordens de Maomé são claras: enquanto houver kafirun há jihad para os converter ou para os obrigar a pagar jizyah."
"Mas quem decreta a jihad ofensiva, meu irmão? Há quem diga que só o califa o pode fazer..."
"Esse é um ponto em discussão. Muitos dos nossos irmãos entendem que a jihad ofensiva está já decretada no Alcorão e na sunnah do Profeta, que a paz esteja com ele. Para perceber isso basta ver os hadith que acabei de citar ou ler a ordem de Alá na sura 2, versículo 216 do Alcorão: «Prescreve-se-vos o combate, ainda que vos seja odioso»." Ergueu o dedo e repetiu as palavras que considerava cruciais: "Ainda que vos seja odioso! Mas há outros irmãos que entendem que a jihad ofensiva, sendo de facto uma obrigação dos crentes, só pode ser decretada pelo califa. Existe, como sabem, tradição nesse sentido. O califa tem o dever de reunir um exército e atacar os kafirun uma ou duas vezes por ano, como fizeram no passado Abu Bakr e Omar ibn Al-Khattab e tantos outros. O califa que não o fizer estará a violar a vontade de Alá, expressa no Alcorão ou na sunnab. A jihad é obrigatória para os crentes e deve existir até que todos os seres humanos sejam crentes ou paguem a jizyab."
"Mas o último califado já foi abolido. Como se faz agora que não há califa?"
"Na minha opinião aplicam-se as ordens de Alá dadas no Alcorão ou através do exemplo do Profeta. Mas parece haver acordo no sentido de que, aconteça o que acontecer, é preciso reinstalar o califado para pôr fim a esse ponto de discórdia e, por consenso, podermos lançar guerras anuais contra os kafirun. Disse o Profeta num hadith: «Se receberes a ordem de marchar contra o inimigo, então marcha.» Foi justamente porque negligenciámos a ordem divina de atacar os kafirun que Alá nos abandonou. Ignorámos as Suas regras e Ele ignorou-nos a nós. Foi porque deixámos de fazer a jihad ofensiva, conforme ordenado por Alá no Alcorão ou através da sunnah do Profeta, que nos vemos agora na contingência de fazer a jihad defensiva. Urge, consequentemente, reinstalar o califado e pôr fim à humilhação da umma, espalhando o islão por todo o planeta."
"E como se faz isso? Como se pode reinstalar o califado?
"Com a guerra!"

"Sabe qual a quantidade de urânio enriquecido que a Rússia tem? Novecentas toneladas.
" "E bastam cinquenta quilos para fazer uma bomba atómica"

Os instruendos de Khaldan estavam nessa manhã a estudar a técnica e os princípios por detrás dos itisbadi, os atentados suicidas. Abu Omar, que dava a aula, começou por se centrar nos princípios teológicos que legitimavam as acções levadas a cabo pelos shabid, os mártires, uma vez que o suicídio era absolutamente proibido pelo Alcorão. "A excepção são justamente os itisbadi", sublinhou o instrutor, referindo-se aos suicidas em acções de combate. "O martírio em jibad é até a única forma de garantir o acesso ao Paraíso. Alguém sabe qual o versículo do Alcorão onde isso é esclarecido?"
"É na sura 3, versículo 169". "«Não tenhais por mortos aqueles que morreram pela causa de Deus. Não! Estão vivos juntos do seu Senhor, estão alimentados»."
"Esse versículo torna claro que a morte em jihad nos leva para junto de Alá, nos jardins eternos onde há muita água e comida. Existe até um hadith que esclarece que o shahid tem à sua espera setenta e duas virgens. Isso é... Realmente, como não desejar morrer se o shahid é o único dos crentes que tem assegurado um lugar no Paraíso?", "Com a paz do Senhor e as virgens à nossa espera, qual é a dúvida? O que são as agruras desta vida quando comparadas com as recompensas que nos esperam? Há outros versículos do Alcorão e outros ahadith que falam sobre o Paraíso à espera dos shahid. "
"Sabes o que fazem muitos irmãos no momento de se tornarem shahid? Como não conseguem deixar de pensar nas virgens, protegem o ventre com cartão para garantir que, depois de se fazerem explodir, os órgãos genitais chegam intactos ao Paraíso"

"Oiça, você sabe de que vos acusam os fundamentalistas? Eles culpam a América por ter exterminado os índios, por ter escravizado os negros, por ter cometido crimes de guerra em Hiroxima e Nagasáqui, e ainda na Coreia, no Vietname, no Iraque, no Afeganistão e por aí fora, por apoiar Israel, por apoiar os tiranos árabes, por explorar o petróleo dos países árabes, por imoralidade, por prática de usura, por autorizar o consumo de álcool, por permitir a liberdade sexual, por garantir a liberdade de expressão, por defender a democracia, por deixar que as mulheres sirvam passageiros nos aviões, por..."
"Algumas destas acusações são muito estranhas. Por exemplo, esta acusação de a América ter escravizado os negros. Vinda de quem vem, é hilariante! Não era Maomé que permitia a escravatura? Ele até tinha escravos! E a Arábia Saudita? Sabe quando foi que este país islâmico, o mais sagrado de todos, a pátria de Maomé, a terra onde se encontra Meca e Medina... sabe quando foi que a Arábia Saudita aboliu a escravatura? Em 1962! Como é possível que os fundamentalistas islâmicos estejam tão indignados com práticas na América que eram aprovadas e exercidas pelo próprio Profeta?"
"Onde quer chegar?"
"A uma ideia muito simples: a interminável lista de queixas dos fundamentalistas islâmicos contra a América não passa de um conjunto de pretextos usados para disfarçar a verdadeira motivação. Repare, quando o Ocidente vai de encontro a uma exigência islâmica e satisfaz uma reivindicação, o antagonismo nunca é verdadeiramente resolvido e logo outra queixa se levanta, e depois outra e outra ainda. Pior, quando os Americanos se põem ao lado de muçulmanos contra cristãos, como aconteceu na Bósnia e no Kosovo, isso é liminarmente ignorado. Os fundamentalistas e os conservadores islâmicos chegam ao cúmulo de esquecer o enorme contributo americano na guerra do Afeganistão contra a União Soviética, afirmando explicitamente que os mudjahedin venceram sozinhos os Soviéticos. Ora tudo isto mostra que existe um problema de fundo, não lhe parece?"
"Sim, mas qual é esse problema? O que têm eles especificamente contra a América? E isso que eu não percebo..."
"Quando o islão nasceu, o grande inimigo era a tribo que dominava Meca. No momento em que essa tribo foi vencida, os grandes inimigos passaram a ser todos os não muçulmanos que viviam na Arábia. Logo que eles foram convertidos, assimilados, mortos ou expulsos, o grande inimigo passou a ser a Pérsia. Este império foi vencido e o grande inimigo seguinte tornou-se Constantinopla, que liderava o mundo cristão. Com a queda do Império Romano do Oriente, o grande inimigo transferiu-se para Viena, capital do Sacro Império Romano. Mas quando a liderança do mundo cristão se deslocou para a Grã-Bretanha e a França, estes dois países passaram a ser o Grande Satã. E agora? Quem é o líder do mundo ocidental?"
"A América."
"Então é a América o grande inimigo. A América é atacada, não necessariamente porque esteja a maltratar os muçulmanos, mas simplesmente porque é o líder do Ocidente, a principal potência mundial, e consequentemente o maior obstáculo à expansão do islão a todo o planeta. O mais grave é que, pelo simples facto de se revelarem económica, cultural, política e militarmente mais poderosos do que todos os países muçulmanos juntos, os Estados Unidos estão a humilhar o islão porque mostram que um país que funciona segundo leis dos homens é mais forte do que muitos países que se regem pelas leis de Deus. Isso é insuportável para muitos muçulmanos em geral e para os fundamentalistas em particular. Daí que todos os pretextos sejam bons para demonizar o Ocidente e sobretudo o seu líder, a América. Eles constatam que os cristãos do Ocidente são a única força capaz de fazer frente ao islão e acreditam que, se fizerem cair o líder, o inimigo se desmoronará, abrindo as portas ao nascimento do grande califado que levará o islão a todo o planeta."
"Portanto, o verdadeiro crime da América é ser poderosa".

Haveria porventura algum mudjabedin que ignorasse que Alá lhe prometia o Paraíso em caso de se tornar sbahid? Na verdade, em ponto algum do Alcorão ou da sunnah do Profeta dava Deus garantias de que o crente iria para os jardins eternos. Por mais que se esforçassem e tentassem respeitar com extremo rigor a sbaria, os crentes acabavam sempre por cometer pecados e não havia garantias nenhumas de que Alá lhes perdoasse. A única circunstância em que essas garantias existiam ocorria justamente nos casos de martírio. Quem morresse em martírio iria com toda a certeza para o Paraíso, mesmo que tivesse cometido muitos pecados em vida. Assim sendo, como era possível um verdadeiro crente não desejar o martírio? Ser sbahid era ver abrir-se uma entrada directa e segura no Paraíso, pelo que qualquer mudjabedin só podia ansiar ardentemente pela morte em jibad.

"A Al-Qaeda acusa a ONU de crimes contra o islão, incluindo o reconhecimento da existência de Israel. Mas o principal problema é teológico. A Carta da ONU estabelece a igualdade de todas as religiões e os muçulmanos não aceitam isso, uma vez que Maomé declarou a superioridade do islão. A declaração da igualdade das religiões desmente Maomé e isso é, consequentemente, algo que eles consideram que faz da ONU uma organização anti-islâmica."
"Aliás, o mundo islâmico levantou grandes objecções à Declaração Universal dos Direitos Humanos, por exemplo, e essas objecções não se limitam aos fundamentalistas. Se for a ver bem, muitos países muçulmanos nem sequer aceitam essa declaração porque ela estabelece o direito de as pessoas mudarem de religião conforme a sua livre vontade. Ora isso colide frontalmente com o crime de apostasia estabelecido pelo Alcorão e pelo Profeta e que prevê a pena de morte para quem renegar o islão. Além do mais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece a total igualdade de direitos entre homens e mulheres e entre pessoas de qualquer religião, o que também vai contra as leis do islão. Daí que muitos muçulmanos, e não só os fundamentalistas, achem que essa declaração é anti-islâmica."

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quarta-feira, fevereiro 27, 2013 - 19:33

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