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Monólogo - O fiel

Monólogo - O fiel
-E tu pensas amigo que eu não sei? É claro que sei. Vejo nos seus olhos e nos seus gestos. A sua boca diz uma coisa mas o corpo diz outra.
 
-Sabes está muito frio hoje e vai começar a nevar, ouvi na rádio. Se me perguntares como é que  me sinto em relação ao que tu sabes, muito sinceramente há dias que não sei quem sou, não sinto nada e estou-me a borrifar para tudo e para todos. Acredita que se não tivesse este corpo para alimentar e esta alma para descansar  mandava tudo para o raio da avó dela.

-No outro dia ela ao contar-me apenas algumas coisas corriqueiras eu entendi logo tudo. Achei piada como ás vezes o ser humano é tão idiota, quer  tanto omitir as coisas que nem se apercebe que basta utilizarmos um pouco de lábia  ou habilidade com a argumentação usada numa frase que o imbecil ou  a imbecil confessa tudo.

-Está muito frio e hoje ouvi na rádio que ia nevar. Mas amigo quero dizer-te que fiel companheiro como tu não existe. Não tenho  ninguém. Imagina que sou cornudo , são as tais coisas que pensamos que só acontecem aos outros mas isto hoje é banal. Caso sim caso sim.

O meu amigo Francisco contou-me que foi para a cama com a Flor. Bela mulher aquela. Um corpo pequenino mas cheio de curvas, um olhar felino, uns cabelos pretos, uma boca pequena e sensual.  Raios me partam, sonhei com ela tantas vezes deitada ao meu lado enrolada nos meus lençóis devorando aquela boca pequenina e doce e devido á tal, ao mafarrico nunca o fiz.

Lutei contra os meus sentimentos mais animalescos e não o fiz. E porquê ? Porquê? Para não a perder. Burro, burro. Achas normal? Todos o fazem. Conheces o Pedrão ? Esse filho da policia foi com a Alberta, a Luísa, a Petra…imagina e tantas mais. E sabes a melhor a mulher dele nem sonha. Tem-lhe uma devoção, uma paixão como nunca vi.

-Mas queres saber amigo que um dia destes o João disse-me que eu estava enganado. Completamente enganado em relação á mulher do Pedrão.Ele  viu-a junto ao mar da Torre muito agarradinha com o Simão. Amigo não acredito em ninguém. Esta espécie humana está num patamar abaixo dos animais. Converso contigo porque tu só te enrolas com a areia. Com essa não tenho eu problemas. Hoje mesmo vou enrolar-me nela .

-Está muito frio e vai nevar. A tia Joaquina avisou-me para  agasalhar-me bem. Coitada da velhota, é boa senhora e muito religiosa. Disse-me que no tempo dela as coisas eram bem diferentes. Os homens andavam com outras e as mulheres sabiam-no e mesmo assim elas eram muito devotas ao seu homem. Outros tempos. Puras donzelas. As coisas hoje são bem diferentes.

- Mas sabes companheiro vou contar-te uma coisa. Há muito tempo no inicio do meu casamento uma loirita apareceu na caverna do Tinoco. Tinha caído do  céu e não tirava os olhos de mim. Confesso que dessa vez não resisti e fomos até á praia da Tininha e…foram momentos maravilhosos.

-A tarde passou em segundos. Aquilo foi …não sei ainda hoje explicar que raio foi tudo aquilo. --Tu viste amigo e assististe. Mas muito sinceramente depois de tantos anos nunca pensei que o destino se vingaria.

Eu Frederico Mendes de Sousa Coelho, de boas famílias  sou agora cornudo! Não acredito. Não mereço. Esta história com a loirita não foi nada, nunca mais pensei nisso, não significou nada, só me lembrei agora porque aquela cabra me traiu. Eu não merecia. Um homem trabalhador , fiel, responsável, dedicado não merece este emblema na testa. ---Maldita seja, maldita.

-Vai nevar amigo, ouvi na rádio. Estás-me a ouvir filho da mãe pois molhaste-me. Ri-te, ri-te. Amanhã não te venho visitar.     

-Esqueci-me de dizer-te que acerca de três anos tinha o meu filho uns cinco anos quando a ama dele foi buscá-lo á minha empresa. Linda de morrer. Ruiva com um olhar traiçoeiro mas de fazer perder a cabeça e um peito que parecia convidar-me para um longo passeio, entrou no meu gabinete e sentou-se numa cadeira toda insinuante. Um homem inofensivo como eu… não tive alternativa nem nenhum santo que me salvasse.

Tu queres saber amigo o que ela me fez?
Levantou-se e inclinou –se sobre mim e mostrou-me aquele peito fenomenal e murmurou com uma voz de anjo:
-A que horas trago o seu filho Sr. Coelho?

-O que achas amigo? Aquela ordinária percebes atirou-se a mim. O que fazias no meu lugar?   -Diz-me seu ordinário. Ri-te, ri-te.
-Sabes o que eu fiz?
-Agarrei-a pela cintura e devorei-a. Momentos inesquecíveis aqueles. Foi maravilhoso. Aquela ruiva, aquele olhar, aquele corpo.

-Vai nevar amigo ouvi na rádio.
-Digo-te colega o destino é tramado. Eu não merecia uma traição. Um homem como eu dedicado á família. Naquela casa nunca faltou nada. Acredita absolutamente nada.
Esta ruiva foi uma coisa insignificante apenas me lembrei dela porque o meu filho faz hoje anos e a atual ama é uma miúda. Deus me livre não quero problemas não passa de uma miúda.

-Sabes companheiro um dia destes vi-a a passar perto da minha empresa agarrada a um miúdo. É moreninha e muito bonita, Deus me livre podia ser minha filha.

-Desgraçado ri-te, ri-te da minha desgraça. Aquela cabra vai deixar-me. Mas o que é que eu lhe fiz?

-Vou-te contar uma coisa muito engraçada. Conto-te apenas a ti porque sei que és o único que me é fiel
-No dia que fiz quarenta anos fui com o Pedrão, o Chico, o Zé Maria e o Tiago até uma cervejaria na cidade. Aquilo sim, foram  momentos inesquecíveis.

Apareceram por lá três garotas, umas mulheraças. Altas, bem feitas. Todas morenas. Tu queres saber o que uma delas  me fez? Devorou-me completamente. Fiquei esquelético apenas com aquele olhar. Um homem como eu, pai de filhos, sério, trabalhador e vem uma escanzelada brincar com os meus sentimentos?
-Sabes o que lhe fiz? Estás a rir-te? Seu filho de um raio. Amanhã não venho visitar-te.

-Eu vou  contar-te o que fiz àquela escanzelada. Deixei-os a todos na cervejaria, agarrei-a pelos braços até ao meu carro e…
-Foram instantes inimagináveis…porque te ris imbecil?
-Aquela morena levou-me á perdição…

-Está a chover e a cair granizo mas na Serra já neva há três dias. Eles disseram na rádio.
-Maldita, repara amigo eu não merecia esta traição. Este emblema.

-O meu filho? Esse não me quer ver. Um pai dedicado como eu, um homem de família, fiel, responsável e trabalhador .
-É como te disse amigo. Os olhos dela mentem e  o corpo, esse não o vejo há séculos.

O vento soprava forte e começava a cair granizo. O mar estava crispado e as ondas batiam forte nos rochedos. O silêncio da noite era quebrado por várias vozes.
-oh Coelho, Coelho, Coelho
-Estou a vê-lo.
Perto do mar avistava-se   um corpo de um homem  junto a uns rochedos. As roupas estavam rasgadas e ensanguentadas e todos corriam naquela direcção...pois podia ser o Coelho.

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domingo, outubro 28, 2012 - 15:33

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