O rosto do amor

I

O rosto do amor:

Saí para apanhar o frio da meia-noite, encontrar no vento voraz um resquício de ternura, anestesiar a saudade.
Vivo-te, mais do que te imagino.

II

De olhos fechados, retribuis-me o beijo. Afastas - me dos olhos a madeixa. Como eu, caindo-te sobre os ombros. Como eu, abandonando-se ao acaso de um rumo só seu.
Um espaço nosso, insisto, enquanto te olho com aquela súplica que me embarga a voz e me mareja o rosto de lágrimas e o teu olhar imenso fito no horizonte desceu às pedras da calçada e regressou ao meu.
Quero abrir o peito às palavras que ele encerra mas ainda não fui capaz.
Acariciei-te como se criança fosse, brincando com os teus dedos, medindo a sua força e o efeito dessas mãos no meu percurso de vida e inventei mil e uma carícias para o meu novo corpo exáusto de si, de ternura.
No auge do amor aninhei-me um pouco mais no teu abraço.
Vi na escuridão uma luz incerta nos teus grandes olhos nublados e duas grandes lágrimas brilhando imóveis, cristalizadas.
Contemplei o rosto do amor.
Então, numa voz que mal se ouviu, de tão meiga, disseste-me de encontro ao peito:
-Agora vai, amor.
E eu trouxe-te comigo, enquanto caminhava só rumo a casa.