Vem

Vem:

Vem,
antes que outro venha
e derrame poeira
sobre a tua face dourada.

Vem,
peço-te.
Perdeste o dom de me olhar.
É a ti que eu espero.

Nao há amor na tua voz.
Estou vazia.
Reflexo de um rosto devastado,
olhos de vidro.
E este silêncio brutal.
Iminente.

Vem.
Tenho medo desses gritos de alma.
Dessas palavras àsperas armando teias a minha volta.
O olhar fixo no zénite como uma estatua de sal.
Com lagrimas.

As minhas mãos,
Nao as reconheces mais.
Cortei-as em roseiras bravas,
em noites brancas e dementes,
no gume afiado e certeiro,
da solidão dos dias inteiros.

No meu caminho,
Há pedras escuras,
Vielas sujas,
tortuosas,
sombras cautelosas,

Asas abertas,
desfraldadas,
Gente sem rosto,
sem sentir,
sem nada.

Vem,
ainda que por um momento,
remover a cercadura,
devolver-me a liberdade.

Por um instante que seja
eterno,
de ternura.

Vem.

Morgana Ray