CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Sophia de Mello Breyner Andressen- A Menina do Mar

www.topeneda.blogspot.pt

Certa noite, as ondas gritaram tanto, uivaram tanto, bateram e quebraram-se com tanta força na praia, que, no seu quarto caiado da casa branca, o rapazinho esteve até altas horas sem dormir. As portadas das janelas batiam. As madeiras do chão estalavam como madeiras de mastros. Parecia que as ondas iam cercar a casa e que o mar ia devorar o Mundo. E o rapazito pensava que, lá fora, na escuridão da noite, se travava uma imensa batalha em que o mar, o céu e o vento se combatiam. Mas por fim, cansado de escutar, adormeceu embalado pelo temporal.

As coisas da terra são esquisitas. São diferentes das coisas do mar. No mar há monstros e perigos, mas as coisas bonitas são alegres. Na terra há tristeza dentro das coisas bonitas.
- Isso é por causa da saudade - disse o rapaz.
- Mas o que é a saudade? - perguntou a Menina do Mar.
- A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora.

(…) - É um sol pequenino - disse a Menina do Mar.
- Sim - disse o rapaz - mas não se lhe pode tocar.
E o rapaz soprou o fósforo e o fogo apagou-se.

Enquanto o fogo é pequeno e tem juízo é o maior amigo do homem: aquece-o no Inverno, cozinha-lhe a comida, alumia-o durante a noite. Mas quando o fogo cresce de mais, zanga-se, enlouquece e fica mais ávido, mais cruel e mais perigoso do que todos os animais ferozes.

- Que pena que eu tenho de não te poder mostrar a terra! – disse o rapaz.
- E eu que pena tenho de não te poder levar comigo ao fundo do mar para te mostrar as florestas de algas, as grutas de corais e os jardins de anémonas!

- Hoje trago-te uma coisa da terra que é bonita e tem lá dentro alegria. Chama-se vinho. Quem bebe fica cheio de alegria. (…)A Menina do Mar segurou o copo com as duas mãos e olhou o vinho cheia de curiosidade, respirando o seu perfume.
- É muito encarnado e muito perfumado - disse ela. - Conta-me o que é o vinho.
- Na terra - respondeu o rapaz - há uma planta que se chama videira. No Inverno parece morta e seca. Mas na Primavera enche-se de folhas e no Verão enche-se de frutos que se chamam uvas e que crescem em cachos. E no Outono os homens colhem os cachos de uvas e põem-nos em grandes tanques de pedra onde os pisam até que o seu sumo escorra. E a esse sumo dos frutos da videira que chamamos o vinho. Esta é a história do vinho, mas o seu sabor não o sei contar. Bebe se queres saber como é.
E a Menina bebeu o vinho, riu-se e disse:
- É bom e é alegre. Agora já sei o que é a terra. Agora já sei o que é o sabor da Primavera, do Verão e do Outono. Já sei o que é o sabor dos frutos. Já sei o que é a frescura das árvores. Já sei como é o calor duma montanha ao sol. Leva-me a ver a terra. Eu quero ir ver a terra. Há tantas coisas que eu não sei. O mar é uma prisão transparente e gelada. No mar não há Primavera nem Outono. No mar o tempo não morre. As anémonas estão sempre em flor e a espuma é sempre branca. Leva-me a ver a terra.

Submited by

domingo, março 24, 2013 - 14:21

Poesia :

No votes yet

topeneda

imagem de topeneda
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 6 anos 36 semanas
Membro desde: 08/12/2011
Conteúdos:
Pontos: 4308

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of topeneda

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia/Pensamentos Goethe - Werther 0 1.843 01/12/2013 - 15:17 Português
Poesia/Pensamentos Dostoiévski- Crime e Castigo 0 2.545 01/10/2013 - 10:41 Português
Poesia/Pensamentos José Rodrigues dos Santos- A Fórmula de Deus 0 3.242 12/31/2012 - 12:50 Português
Poesia/Pensamentos Franz Kafka - O Processo 0 2.795 12/22/2012 - 12:58 Português
Poesia/Dedicado Jorge Amado - CAPITÃES DA AREIA 1 2.665 12/21/2012 - 15:26 Português
Poesia/Pensamentos Shakespeare- Hamlet 0 1.676 12/16/2012 - 21:02 Português
Poesia/Pensamentos Voltaire - Cândido 0 1.697 12/13/2012 - 12:00 Português
Poesia/Pensamentos Jonathan Swifft- As viagens de Gulliver 0 1.781 12/09/2012 - 19:00 Português
Poesia/Pensamentos Jorge Luis Borges - Ficções 0 2.935 12/06/2012 - 12:52 Português
Poesia/Pensamentos Mário Vargas Llosa - Lituma nos Andes 0 2.465 12/04/2012 - 14:08 Português
Poesia/Pensamentos Isabel Allende - A Casa Dos Espíritos 0 1.752 12/01/2012 - 13:23 Português
Poesia/Pensamentos Gabiel Garcia Marquez - Memória das minhas putas tristes 0 3.075 11/28/2012 - 20:48 Português
Poesia/Pensamentos Machado de Assis - As Memórias Póstumas De Brás Cubas 2 2.262 11/26/2012 - 23:14 Português
Poesia/Pensamentos A Selva 1 1.547 11/22/2012 - 12:28 Português
Poesia/Pensamentos Levantado do Chão 0 1.793 11/16/2012 - 22:09 Português
Poesia/Pensamentos Descoberta do BRASIL 0 3.437 11/15/2012 - 13:00 Português
Poesia/Pensamentos O Canudo da Vergonha 0 2.081 11/14/2012 - 11:43 Português
Poesia/Pensamentos Sermão de Santo António aos Peixes 2 2.186 11/14/2012 - 11:41 Português
Poesia/Pensamentos Eurico O Presbítero 0 3.563 11/11/2012 - 11:42 Português
Poesia/Pensamentos Eurico O Presbítero 0 1.621 11/11/2012 - 11:42 Português
Poesia/Pensamentos As Pupilas Do Senhor Reitor 0 1.496 11/09/2012 - 14:01 Português
Poesia/Pensamentos Fernando Pessoa- Livro do desassossego (VII-Fim) 2 2.692 11/07/2012 - 19:08 Português
Poesia/Pensamentos Fernando Pessoa- Livro do desassossego ( VI ) 0 1.932 11/05/2012 - 18:43 Português
Poesia/Pensamentos Fernando Pessoa- O livro do desassossego ( V ) 1 1.637 11/03/2012 - 20:12 Português
Poesia/Pensamentos Fernando Pessoa- O livro do desassossego ( IV ) 0 2.486 11/01/2012 - 14:02 Português