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COM O PÉ NA PORTA

Roman andava cansado dos babacas da redação. Lembrava da garotinha que deixou em casa de manhã e da mulher que o havia deixado há algumas semanas. Tudo aquilo soava como 1° grau do estado de espírito do sujeito que se sente um tapete velho. Logo passaria pela prateleira de lâminas de barbear e não se daria conta da utilidade da coisa e um pouco mais adiante passaria a encher a cara antes da sexta-feira.

Foi buscar um cafezinho expresso e a máquina estafa pifada. Era tanto infortúnio figurando nas mais míseras coisas que se deu o direito de deixar toda aquela joça de lado, ao menos naquele dia. Sem pedir a ninguém, sem explicar nada, sem cumprimentos ou andar ligeiro pelos corredores. Dane-se o projeto que ficou sobre a mesa. De certo algum colega inconveniente passaria pela sua baia e pararia para olhar do que se tratava aquele rascunho de título impetuoso e fonte garrafal.

Não pensou naquele instante em reclamar da conduta do babaca bisbilhoteiro no dia seguinte. Que provavelmente daria a desculpa de estar preocupado com a tela do computador dele que ficaria estática por mais de vinte horas, ressaltando sua inquietação supérflua com o desperdício de energia nesse mundo tão veloz e descompromissado. O fato é que no dia seguinte ele provavelmente iria querer brigar, e esta premissa era bem coerente. Onde está o espaço individual?, seria um começo para uma confusão que terminaria com um soco na roda de fim de expediente no bar.

Ora, vendo por esse lado é natural pensar de fato. Onde está o espaço individual? Não se pode guardar em segurança os próprios extratos de cartão de crédito e contas diárias de restaurantes de 2° categoria e alguns lazeres? Era simples pensar que o que é dito é o que cabe ao interlocutor saber. E no caso a interlocutora era temperamental e criativa além do ponto que já bastaria para defini-la como uma mulher inteligente. Era excitante vê-la propagar seus devaneios, fantasias e acompanhá-lo em suas viagens mórbidas e revoltadas sobre as concepções do mundo obscuro e sedutor. Mas para uma convivência de trabalho e descanso como chamam casamento ou ajuntamento, era demais.

Quando um sujeito tem certeza de algo ele não recua. Ele sabe onde vai dar sua insistência, a resistência as pancadas na cara e se sente compensado. Ele nunca teria saído, e honestamente ela nunca devia ter dado o primeiro passo no início e no fim. Isso foi o verme da coisa e aos poucos tudo foi se deteriorando. Ela caminhava altiva demais sobre as costelas dele. como se fosse o objeto adorado e insubstituível do masoquista enfeitiçado. Para ele o fato de se conter em violência e revolta no que dizia respeito a realidade de seu espaço era o ponto que mantinha tudo em equilíbrio. Daí compensava com o mundo exterior podre do qual tinha prazer em espezinhar.

Roman chegou em casa por volta das 23:00, depois de tomar rumo ignorado após o abandono do expediente. Não sabia ao certo que porcaria andou fazendo naquele período. Bateu na única porta branca da casa. Carol estava com o rosto mergulhado num livro aberto.

- Estou em casa.

- Oi pai.

Ele se aproximou da cama e deu-lhe um beijo na testa. Sua menina tinha 13 anos e era esperta. Ele pensou por um momento que a presença da mulher não era mais tão necessária, mas sabia que logo mudaria de idéia e iria querê-la sob as cobertas de manhã. Algo naquela noite o fez sentir diferente daquela fossa em que estava submergindo há semanas. A presença da menina podia ser reconfortante mas não era tudo. Ele sabia que era bom, ela o amava. Ele sabia conversar com ela, acompanhar seu raciocínio infanto-adulto e suas viagens pré-rebeldes. Era bom ver o quanto ela poderia se destacar dali para frente, e isso independendo da imagem esquizofrênica que os pais enlouquecidos num mundo padronizado, obsceno e obsoleto poderiam conceber. A verdade é que ela era filha de dois malucos espirituosos e revoltados e era uma menina adorável e engraçada que teria algum caráter.

E essa leitura, querida? - ele perguntou tomando o livro nas mãos.

Pesada. Mas estava aqui na minha cabeceira e fiquei com preguiça de pegar outra coisa.

É. E em que página você parou?

Página 33. Está marcado aí pai.

É, está. Pensei que fosse marcação de outra pessoa.

Pai, está querendo puxar assunto sobre minha mãe?

Não, querida.

Eu acho que quer sim.

Acho que é você quem está querendo falar nela. - ele retrucou

Eu tenho saudade. - declarou Carol com semblante estático.

Eu sei que tem. - concordou ele.

Você também tem.

É, eu tenho um pouco. Não dá para mentir para você não é?

Não. Nem para ela. E uma vez eu vi você chorando no seu quarto. Eu só não cheguei perto porque você ia ficar envergonhado.

Ele riu diante da contundência de Carol. E era curioso tentar penetrar em sua cabeça e chegar na lógica que a fazia enxergar o fato de vê-lo chorando como algo pior que vê-lo chapado como já havia acontecido. Ela sabia mensurar as coisas, e ele sabia que ela ia se virar muito bem dali para frente. Aquela vadia se foi, mas isso não faria arrebentar a cabeça dela. Contudo, aquele apartamento ainda mantinha a mescla de aromas de três. Um em particular impregnava o quarto, o armário, as camisas de trabalho. E isto já estava enojando.

Ela já estava de saco cheio disso aqui. - disse a menina - Eu só não consegui entender direito o que era.

Todo mundo é complicado querida, você vai ver. E enquanto ainda não é hora aproveite para ver o lado bacana das pessoas. - ele retrucou passando a mão na cabeça dela.

Pai, vocês estão sempre falando enquanto não sou isso ou aquilo. Mas eu vejo como você são.

Isso soa bem coerente. - observou irônico.

Eu fico cansada de tentar entender vocês.

Eu sei. Eu também. Mas você está bem? Fora isso?

Estou.

Hum. Então está bom. Se está tudo bem por aqui, está tudo bem em todo lugar para mim.

Mentira.

Eu sou mentiroso? - encarou-a.

Nada estava bem. Ele achava que tinha se acostumado muito rápido a andar na linha no início de tudo. Mas a linha certa era questão de concepção. As vezes é difícil para os outros tentarem analisar as razões alheias. Na verdade sempre é, e todos preguiçosos e egoístas, jamais vão se dispor a reconhecer os esforços dos outros ou de agradecer por algo bem feito. Ela era do tipo. A vida passa para todos batendo a cabeça em cada esquina, e é presunção demais passar a se considerar fruto produtivo da passagem do tempo enquanto os outros não passam de projéteis estáticos. "Eu era uma jovem louca que se endireitou", ela devia pensar.

Porém essa idéia estava se tornando cada vez mais estranha. Ele não costumava pensar desta forma, mas o que mais poderia fazer já que viu-se incapaz de narrar os próprios infortúnios àquela altura de tudo? Presunção, ele havia pensado. Não importa o quanto ela já tivesse lhe dito essa palavra babaca. De quem era a razão agora? Não importa... a cada esquina tinha uma perna tentando lhe passar uma rasteira e o que o deixava com a cabeça afogada em idéias-produto de um ciclo de digestão e vômito era a própria idéia de que ela tinha ferrado com ele, e que tudo tenha passado tranqüilo por ela... Idéias e idéias. Ele estava faminto e preguiçoso e elas se multiplicavam feito vermes.

Pegaram meu texto no colégio. - ela anunciou como algo corriqueiro e desinteressante.- Vai ter um concurso.

E você vai participar e ganhar igual aquele concurso de poemas. Grande bosta não é?

Pai, para de adivinhar as coisas. Mas eu vou ganhar sim, se eu quiser, ou não. Acho que eu vou sumir com isso, não gostei muito.

O que você escreveu?

Sobre coisas que eu vejo hoje, mas como se eu visse amanhã.

Eu vi. Está ótimo, parece até que foi você quem escreveu. - sorriu.

Você mexeu nas minhas coisas? - perguntou a menina encarando o pai.

Mexi, mas só o que estava em cima, não vi nenhuma coisa de menina. - gesticulou como se estivesse jurando - E eu estava pensando... Você quer ir embora daqui? Desse apartamento? Ou dessa cidade? Acho que eu consigo um trabalho fora daqui, quem sabe até coisa melhor.

Eu gosto daqui. Mas as vezes fico entediada.

Eu também. As pessoas aqui são um pouco insossas. Sabe... - a menina o interrompeu com voz firme.

Sei, quer dizer gente sem graça. - Roman riu - Sabe de uma coisa pai?

Não? Quase nada.

Eu nem me importo se ela voltar.

Pensei que estivesse com saudades dela.

Nós dois estamos, mas acho que ela não está.

Verdade.

O pai da Karen saiu de casa. Depois ela teve que sair do colégio e ir para uma escola pública e a mãe dela começou a trabalhar numa loja de sapatos. Ontem foi aniversário dela e hoje ficou chorando perto de mim, porque o pai não apareceu.

E você tem medo que a sua mãe não apareça no seu.

Eu não sou criança, pai. Não quero festa esse ano. Mas não sei...

Sua mãe precisa pôr a cabeça no lugar. Acho que eu também preciso.

Mas não vai me deixar sozinha aqui, eu sei. - olhou para ele.

Não.

Não deixava de ser gratificante ver aquela demonstração de confiança. Mesmo que ao sair de um prostíbulo e não ter uma mulher no carona o fizesse se sentir por vezes um fracassado, ele sabia que havia alguém esperando por ele. "Até um filho da puta como eu tem alguém esperando", pensava enquanto sua veia poética fervilhava.

Porque não arruma uma namorada ,pai? Assim você não fica triste nem chora.

Não estou triste querida. E pare de falar que eu choro. - a repreendeu com humor desgostoso.

Não, agora já não fico sem graça de falar e eu gosto de mexer com você - sorriram os dois em cumplicidade. - E está sim, porque está sozinho.

Eu tenho você comigo.

Mas não sou sua namorada, sou sua filha e vou querer namorar também. Acho que você sonha que ela volta todo dia...

Não se aproveite da situação esperta. - ele interrompeu bem humorado.

Mas eu acho que devia procurar uma nova namorada mesmo se eu virar freira e for morar na igreja. - riu comedida - Você não tem aquela barriga de cerveja nojenta e é legal, vai ser fácil.

Você acha?

Acho. Só briga com todo mundo, mas é legal.

Eu não brigo. Eu só...

Tenho opiniões diferentes. - ela completou.

É isso ai.

Eu também. E também não gosto muito daqui mesmo. Boa idéia se agente for embora.

Então nós vamos.

Graças a Deus.

É - Ele confirmou com um certo espanto denunciado nos olhos.

As vezes parece que ele dá mais atenção do que as pessoas.

Você acha que eu dou pouca atenção a você? - perguntou olhando firme nos olhos dela.

Não, está tentando adivinhar. Você sempre conversa comigo e não sou uma criancinha que precisa ir com o papai para a escola.

Eu sei.

Mas você precisa de alguém para entender essas suas coisas meio loucas. Tipo a mamãe.Ia ser engraçado ouvir suas piadas de bêbado de novo.

Bêbado?

É pai, por isso acho que eu nem vou querer beber quando puder - riu comedidamente. E também odiei espuma de cerveja.

Deus queira. E depois falamos sobre a espuma de cerveja. - ficaram em silêncio por um instante - ... Querida, vou fazer um sanduíche lá na cozinha. Quer um?

Não precisa comer isso. Tem lasanha no forno.

Você fez? Tenho uma cozinheira cuidando de mim.

Eu sei cozinhar.

Ele a abraçou e notou que talvez fosse o motivo claro que o tivesse feito sentir reconfortado ao pisar em casa. Não podia mesmo ser apenas o fato de se acostumar com a idéia de que ela tinha ido embora, mesmo que isso fosse uma mentira breve. Ele sentiu que dali para frente poderia encontrar uma esposa virtuosa, ou sair com uma vadia por noite, que enquanto não se torna-se bestial ou nojento ao extremo haveria alguém para amá-lo a despeito de todas as razões que poderiam torná-lo detestável, ao menos enquanto ela só visse o lado bacana das pessoas. Mas naquela altura de tudo ele receava que ela já tivesse passado desse estágio e estivesse se esforçando além do que devia.

Mas o tempo é capcioso e ela poderia se considerar fruto produtivo da passagem dele um dia, e ser presunçosa. Então já não o amaria tanto e não abriria sua cerveja ou lhe faria uma massa para o jantar. E então ele ia se lembrar daquela vadia de novo. sendo que na respectiva altura ele não se referiria a ela como uma vadia de fato. Isso seria ruim, e não teria nada a ver com ninguém tentando ferrar com ele. Era uma grande bosta...

Amanhã vou querer ver quem foi o filho-da-puta que mexeu naquela porcaria na mesa, Roman pensou nervoso. Estava faminto, e havia lasanha no forno. Deu boa noite para Carol e se virou em direção a porta aberta.

Pai!

Sim.

Só me promete uma coisa.

Qualquer coisa.

Só vamos nós dois, ok?

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quarta-feira, dezembro 2, 2009 - 23:26

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