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Lobos

Sentia-se em casa onde quer que houvesse cheiro a terra molhada e crepitar de carvalho numa qualquer fogueira. Naquele lugar, não havia nem uma coisa nem outra. Locais onde viver poderia conhecer muitos, mas raízes não existiam em nenhum deles. Nunca soubera ao certo onde pertencer, se é que poderia pertencer onde quer que fosse. Amnésia emocional. O sentimento de querer regressar a casa estava latente, ainda assim, só fazia com que a dúvida aumentasse. Sentir falta de algo que nunca se teve, que nunca sequer presenciou, de que não há memória…
É dilacerante para o dia-a-dia de qualquer homem ou mulher que, na época presente, se atrevam a pensar em mais do que no evento organizado para dali a oito dias, na roupa da montra daquela loja que vende peles de animais a preços que alimentariam uma criança por dois meses, no vestido novo que ficou com uma nódoa de mousse de manga ou no carro que vai comprar para impressionar mulheres tão vazias quanto a postura com que se apresentam. Felizes os ignorantes, os que não pensam em nada estrutural, dentro ou fora da si mesmos. 
Nos locais em que lhe vagueavam os pensamentos, onde lhe levavam os sonhos, não havia nada disto. Era um outro mundo. Um número de quatro dígitos onde jamais poderia pertencer por uma altercação entre o tempo e o dia em que chegara. Ali era possível lutar por tudo em que se acreditasse, sem receio de qualquer má interpretação. Era honrado bater-se e debater-se por aquilo em que a fé pousasse. Seria visto como bravura, em vez de agressividade. Naquele lugar nenhum olhar lhe mostraria choque ou desaprovação, por não virar a face a que perigo fosse. Tinha dezanove cicatrizes em todo o corpo. Nenhuma fora desferida a fugir. Muitas mais ganharia de bom grado, matando monstros e derrubando opositores, na terra que lhe povoava o peito.  É que lá, ao que consta, o coração era mais importante que a erudição. E era este a maior arma de qualquer guerreiro, independentemente das ferramentas materiais, lâminas ou escudos que carregasse no dorso. As manhãs seriam de nevoeiro, pela incerteza do que lhe traria o dia que principiara. Por não saber que bestas surgiriam pelas beiras do caminho, que inimigos o espreitavam, que olhares o deixariam sem chão e que causas pediriam o seu braço. Caminharia de peito aberto frente ao desconhecido, sem medo, orgulhoso dos seus vivos e dos seus mortos. Assumiria sentimentos com a mesma bravura com que poderia irromper batalha dentro. Morreria de bom grado por aquilo que acreditasse ser justo e viveria com maior ânimo ainda superando as adversidades. Vencendo e sendo derrotado. É que lá, naquele sítio de que vos falo, mesmo o que não podia ser vencido, merecia ser combatido. Um dia, caso sobrevivesse a toda aquela incerteza e o corpo já não pudesse responder aos impulsos do peito, guardaria as armas em local seguro e procuraria um local de repouso, num sítio bem alto, onde pudesse antever as mudanças de clima e respirar a neblina matinal. Quem sabe não encontraria uma mulher misteriosa, daquelas de quem nada sabemos, mas cujo olhar faz misteriosamente mais sentido que qualquer outra que se pavoneie em redor, e pudesse fazer dela a derradeira e última causa do seu tempo de vida. Seria sempre a última que veria ao deitar e a primeira ao acordar. Aquela que, se não pudesse impedir de cair, acompanharia sem pensar demasiado. Cairiam juntos! O olhar manteria vigilante, mas os ímpetos por batalhas seriam apaziguados pelo peito que sentiria bater junto do seu nas noites em que o vento se mostrasse furioso. Viveria uma vida de batalhas e de honra, de consciência limpa e livre. Uma vida preenchida por algo diferente, que não encontrava no local onde presentemente estava preso:

Algo… Puro!

Poderia enfim repousar e ouvir o canto dos lobos.

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sexta-feira, agosto 10, 2012 - 18:45

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OJorge

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