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Olhos no tecto.

O dia raiou e conseguiu finalmente escapar-se para casa. O quarto estava cheio de sombras. Espectros de rapazotes que viviam em bolhas e mulheres ressabiadas. Eles torciam-se pela provocação que lhes fazia por existir e conseguir sem querer aquilo por que matariam. Elas, retorciam-se, porque queriam mais do que lhes podia dar. Disse-lhe um sábio uma vez que não há sexo grátis. E não há mesmo! Mesmo sem sexo, nunca é grátis. Os sorrisos e a amizade vertem por todas as fissuras de relações desta índole. As pessoas tornam-se desesperadas, mesquinhas até, quando não conseguem o que almejam. Aí conseguiu finalmente distinguir a amizade por quem ele era, e a “amizade” pelo que podia dar. O que ele não estava disposto a fazer eram promessas. E como todos sabemos não há santas que façam milagres sem promessas. Há que ajoelhar, prometer exclusividade e nunca sequer ponderar sair e ser apenas um simpatizante. Um amigo. Que é isso da amizade? Essa agora! Não bastava que o apoio fosse incondicional e permanente em qualquer hora. Nem a confiança cega. Não! Era preciso andar de braço dado, mostrar perante todos uma relação que não existe e mandar sorrisos nas redes sociais. Pensava ele, enquanto cruzava os braços atrás do pescoço, fitando o tecto do quarto, o quanto desprezíveis se transformavam aos seus olhos essas pessoas. O nojo era inevitável. Tão inevitável quanto a indiferença com que os tratava. Sentia-se sugado. Tudo girava em torno do amor, mas não tinha amor para dar. Como poderia prometer algo que não tem? Amara uma vez, partira uma vez, repetira muitas vezes. Só que nunca fez promessas. Antes pelo contrário. Era peremptório na certeza de estar incerto. De não estar preparado. Não era um galã nem um conquistador. Não entendia o que podiam aquelas criaturas, por mais cobras que agora fossem, ver nele. Fosse o que fosse não sabia. Enquanto assim sucedesse não haviam entregas por completo. Sabia porém isto: Nenhuma, absolutamente nenhuma daquelas mulheres com quem conversava, bebia ou beijava era suficiente para aplacar a sede de verdade que é a busca pela certeza de ser capaz de amar novamente. Para que o queriam elas se sabiam que não lhes daria o todo? Para que as queria ele se eram incapazes de lhe merecer mais do que um meio? Queriam o namorado, o marido… Mas nem a amizade lhe mereciam. Não depois de as ver em conluio umas com as outras, destilando pragas e piadas, frustradas com tudo o que não receberam. Seria bom agora dormir. Não era comum recordar-se dos sonhos mas ficava sereno com o simples facto de pensar nela antes de ceder a Morfeu. Sim, havia outra mulher. Não há sempre? Beijara-a com o olhar certa vez. Os lábios da íris nunca mais ficaram satisfeitos com outra. O verdadeiro beijo começa nos olhos. Os lábios são um mero instrumento concretizador. A antecipação, o envolvimento, a magia e a esperança começam no olhar. A não ser que sejamos ceguinhos. Aí apalpamos. Quer dizer, a rapariga também pode ser estrábica e isso é chato porque os olhares não se cruzam. Os dela cruzam claro, mas um com o outro. Se ela for mais alta também não dá, porque as dores do pescoço perturbam a intensidade do momento. Se for mais baixa está bem logo que não use decote. É que distrai. Não foi o caso. A visão que teve naquela noite foi incomparável a todas as outras nos últimos dez anos. O sorriso era generoso mas os olhos não. Olhos tristes tornam-se opacos. Não permitem ver muito além. Porém foi suficiente para o privar do instinto de fugir, porque estava calor ou porque tinha algo a fazer. As desculpas do costume. Estava a ser desafiado sem instintos de sobreposição cáustica. Não se importava porque em boa verdade estava mais preocupado em perder aqueles minutos, do que perder o orgulho. O seu tão estimado orgulho. Era com ele que entrava e saía de peito feito, sem adversários, onde quer que fosse. Queria lá saber de guerras ou de cobras, de “bolheiros” ou de anedotas dançantes. Tudo o que importava era ler os olhos daquela mulher enquanto a boca contava histórias que sendo dela, não eram ela. Havia muito mais a descobrir e muito pouco com que perceber. Então foi desaparecendo de cinco em cinco minutos, na tentativa de dialogar consigo mesmo.
- Que é que estás a fazer?
- Sei lá. Sou obrigado a fugir sempre?
- Obrigado não és. Mas para bem de ambos pede mais um copo e vai perder os sentidos noutro lado.
- Para teu bem, queres tu dizer. Eu é que estou constantemente a ser preso por ti. És sempre tu a tomar a iniciativa, seja da investida, seja da fuga. Quem lida depois com a angústia não és tu.
- As causas são comigo. As consequências contigo. Sempre foi assim, o acordo foi esse.
- Acordo? Como se eu tivesse escolha possível.
- Está bem, se queres pôr as coisas nesses termos, não tens escolha.
- Vou ter hoje!
Não pediu outro copo e voltou para onde a tinha deixado. Já não estava. Mais uma vez desperdiçou tempo precioso. Nem por isso perdeu o ânimo. Seguiu rumo a casa enquanto o sol começava a despontar. Tinha o gosto pelo risco restabelecido. Um fio de esperança na algibeira e uma verdade imensa no peito. Por agora adormeceu. Dentro de horas começaria a trabalhar. 

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sexta-feira, agosto 10, 2012 - 18:52

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