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No tempo em que ainda se escrevia à máquina...


A explicanda chegava todos os dias, impreterivelmente, à mesma hora. Metódica, introvertida, detentora de um mundo que não desaba nunca, por força do ar impenetrável e certinho, lavado e engomado e de uma imensa vontade de aprender, aquelas coisas da filosofia…
A professora recebia-a com um enorme e jovial sorriso, próprio de quem iniciara o mundo do ensino e ainda se deslumbrava pelo simples facto de leccionar e poder transmitir um pouco de conhecimento.
A aluna admirava a explicadora pela sua beleza e pela forma como parecia saber viver com ela, bem como pelo trato fino. A matéria era revista, uma e outra vez, até ter sido completamente absorvida pela explicanda, que, neste caso, rima com Vanda.
A jovem estava particularmente atenta e contestava as definições que era obrigada a decorar, já que não estando de acordo com aquilo que lhe era imposto como verdadeiro, não lhe seria possível reconstituí-lo por palavras suas. Restava-lhe o “marranço” puro e simples. Decorar aquela matéria, estava na ordem de trabalhos.
A professora sentiu-lhe alguma agitação e resolveu perguntar-lhe se lhe queria dizer alguma coisa.
- É que… eu ganhei uma máquina de escrever!
- Por instantes pensei que fosse outra coisa qualquer, mas sim, é importante, depois vamos falar sobre isso.
Só para situar a história no tempo, estávamos no ano de 1978. Uma máquina de escrever fazia as delícias de Vanda que a recebera de prenda de anos, da sua madrinha de baptizo. Hoje este instrumento de trabalho passou a peça de museu e arrumado a um canto deu lugar aos computadores que ganham vida, mais do que certos humanos, especialmente, se conectados à internet.
Posta a matéria em dia, que estas coisas da filosofia não são fáceis, a explicadora, tal como prometera, puxou o assunto: “máquina de escrever”:
- Quero pedir-te um favor!
- Diga, professora!
- Talvez tu… quem sabe? Só por uma questão de praticares, me pudesses passar à máquina os testes do 12ºB.
- Claro que sim! Respondeu Vanda.
Vanda despediu-se levando consigo o rascunho do teste de filosofia do 12ºB, já o estabelecimento de ensino não vem agora ao caso, isso são meros pormenores e o narrador, considera-os, para já, irrelevantes e dispensáveis.
Com os exames à porta, a jovem estudava sem interregno, mas ainda assim lá arranjou tempo para dactilografar o teste do 12ºB e entregá-lo à Drª Raquel, nos timings por ela solicitados.
Como em tudo na vida, há histórias paralelas. Outros aproveitariam, agora, para dizer que: “nada é por acaso”, mas porque lugares comuns não são o forte do narrador e aqui também não servem para encher chouriços, passa-se a explicar a coincidência das coincidências:
Paula, aluna do 12ºB, prima do namorado de Vanda, sem poder antever o desfecho desta história, dias antes, em conversa com a sua professora de filosofia e na esperança de lhe ser mais próxima e de a cativar, havendo já concluído, em conversas próprias de raparigas daquela idade, que a sua professora era a explicadora da prima Vanda, resolveu meter conversa com Raquel:
- A “Stora” sabia que eu sou prima da Vanda que anda na sua explicação?
- Vê lá tu, “como o mundo é pequeno!”, retorquiu Raquel, algo curiosa. Por acaso vocês até têm a mesma postura, embora, fisicamente, não sejam parecidas.
Paula apressou-se a colocar os parentescos no seu devido lugar:
- Pois a Vanda é caladinha como eu, mas não somos primas de sangue, ela namora com o meu primo Pedro.
Raquel esboçou um sorriso de condescendência. O que Paula desconhecia é que ela, Stora, licenciada, professora de filosofia, não era muito entendida naquela coisa dos parentescos e afins, enfim, todos temos um “calcanhar de Aquiles”. Ups, afinal, o narrador sempre faz uso de lugares comuns. Também, “ninguém é perfeito”! (e vão… quatro!).
De primas direitas, Raquel ainda entendia, mas de cunhados /as e outras coisas como comadres e compadres, sentia-se bloqueada com uma espécie de dislexia intelectual, no concernente a questões de plaquetas sanguíneas.
Dali em diante, Raquel sempre que encontrava Paula, cumprimentava-a e não deixava de lhe perguntar se a prima estava boa, mesmo que tivesse estado com ela também.
Ter um assunto em comum dá sempre jeito para tema de conversa e às vezes até aos professores de filosofia lhes falta o assunto.
Vanda era, agora, detentora, de uma bomba prestes a explodir nas suas mãos. Estava num “beco sem saída” (mania do narrador). Paula era boa aluna, mas era a prima do seu namorado Pedro (o narrador também sabe que o nome não vem ao caso) e o facto de poder ser ela a dar-lhe a cópia do teste que a prima ia fazer, contava pontos a seu favor. Por outro lado, a Drª Raquel confiara nela e sentia-se importante por isso e não queria decepcioná-la. Há momentos, em todas as vidas, em que estamos suspensos por um dilema. Este era o momento.
Pedro, se para mais nada serve no enredo desta história, pelo menos, é o personagem que serviu de portador do teste andarilho.
Vanda chegou à explicação com o produto do seu orgulho dentro de uma mica (perdoem-me se por acaso, por um erro cronológico as micas ainda não existiam). Tratou de entregar a Raquel o teste do 12ºB.
Raquel agradeceu e tratou de se dirigir à livraria mais perto para mandar tirar as fotocópias necessárias. A funcionária reconheceu o teste e, não se contendo, teceu um comentário do tipo:
- Curioso, ia jurar que este mesmo teste foi copiado, aqui, por mim, há sensivelmente uma hora atrás…
Raquel limitou-se a perguntar se fora homem ou mulher quem o viera copiar. A balconista respondeu que tinha sido uma jovem, muito branquinha, com um certo ar angelical.
A professora sorriu e pediu 28 cópias, tantas quantos os alunos do 12ºB, noves fora Paula.
Raquel entrou na sala de aula com os testes e começou a distribuí-los e Paula muito aflita pediu licença e pôs-se de pé, com o sangue a querer saltar-lhe das bochechas para fora e com o palato engasgado, meio afónica da força dos nervos, lá conseguiu vociferar:
- Stora, falto eu!
Raquel retorquiu:
- Ia jurar que tu já o tinhas contigo! Mas toma lá o original!
Paula sentiu a saliva queimar-lhe as entranhas, mas lá se recompões e conseguiu simular-se desentendida, articulando um simples:
- Obrigada, Stora! Paula baixou a cabeça sobre o teste e Raquel não tirou os olhos de cima dela, como se quisesse estudar a sua reacção face à ansiedade de saber se o teste era o mesmo que Vanda lhe havia facultado, mas a jovem mostrou-se impenetrável, denunciando, apenas, um ar, dir-se-ia quase inocente.
Saiu vitoriosa do teste, ela sabia-se uma boa aluna, do tipo marrona e intelectual, mas nunca havia saboreado uma tal sensação de certeza absoluta. Vá-se lá saber porquê… Afinal, até o narrador é capaz de adivinhar.
As aulas em casa da Drª Raquel iam de vento em popa, dir-se-ia, até, mesmo imperturbáveis, Vanda preparava-se para o exame de filosofia e sabia que depois deixava de conviver com a professora, mas restava-lhe o conforto de esta ser sua vizinha, assim, pelo menos, dava para a ir vendo e cumprimentando.
Vanda evitava olhar a explicadora de frente, constrangimento que não passava despercebida a Raquel.
O dia do exame de Vanda chegou e embora não lhe tenha corrido mal em nada se comparava ao teste que Paula fizera no 12ºB. O resultado de Paula foi brilhante e a professora Raquel entregou-lho, com a seguinte observação:
- Há alunos brilhantes, primas brilhantes e Pedros cooperantes…
Paula corou e mal dando conta já estava no quadro para responder a questões similares às do teste e outras cuja matéria não saíra mas estava indicada para estudo.
Raquel deu-se por satisfeita e classificou a prestação oral de Paula com um excelente. A aluna limpou o suor em volta do rosto ao mesmo tempo que as cores lhe desapareciam como que por magia negra.
João que era o cábula número um da turma não se contendo aproveitou para dar o ar da sua pretensa gracinha:
- Oh Stora, Então a intelectualzinha também copiou?
Raquel respondeu-lhe mordiscando o lábio superior:
- Tens máquina de escrever?
- Não, Stora!
- Tens algum primo chamado Pedro?
- Também não, Stora!
- Então, no teu caso, não vale a pena vires ao quadro. Diz à tua mãe que quando lavar a camisola que trazias vestida no dia do teste, para tirar primeiro das mangas as cábulas que tu lá escondeste, não vá a tinta manchar a camisola. Olha que eu reparei que era de marca!
Para Raquel, enquanto professora de filosofia, a vida é um ensaio permanente. Cada personagem real tem o seu papel no seu aprofundamento do conhecimento humano e se por vezes as pessoas se mostram previsíveis, outras tantas são um universo cerrado e inacessível. Como o narrador é prolixo em imaginação e faz recorrentemente uso de frases feitas, cá vai mais uma que encaixa na perfeição:
“Cada pessoa é um mundo” e com um empurrãozinho lá conseguiu completar o pensamento com palavras de sua autoria, fracas, mas que lhe fazem sentido, a ele, é claro:
Uns são previsíveis…outros um quebra cabeças…
Voltando aos personagens:
Vanda fez o que qualquer outra pessoa que tivesse um namorado chamado Pedro com uma prima de nome Paula faria;
Paula aproveitou a chance que a vida lhe deu. Afinal, a vida insistiu com ela.
Pedro tinha acabado de tirar a carta e aproveitando a rodagem do carro novo disponibilizou-se para transportar o rascunho do teste. Nem ele sabia bem de que era portador…
Raquel passou a acreditar em coincidências, mas foi só por causa da convicção da balconista da papelaria das fotocópias;
A balconista nunca mais lhe coube a língua na boca;
João era o amigo com que qualquer colega gostaria de partilhar a carteira;
O estabelecimento de ensino era um entre muitos onde este caso insólito podia ter acontecido;
Esqueceram-se da madrinha, que foi, afinal, a causadora de todo este processo de boas intenções;
Para “fechar com chave de ouro” (já cá faltava o narrador sempre a fazer das suas…) até se “dão alvíssaras” a quem discernir quem é o protagonista…
“Nada mais, nada menos” do que a máquina de escrever.
Engana-se quem julga que a história acabou. 30 anos mais tarde, no lançamento de um livro de um dilecto escritor Setubalense, Raquel encontra Vanda e pergunta-lhe:
- Já agora, diz-me uma coisa… Ainda tens a máquina de escrever?

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quinta-feira, setembro 2, 2010 - 13:38

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Nanda

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Re: No tempo em que ainda se escrevia à máquina...

Quando eu fiz 15 anos o meu pai ofereceu-me uma maquina de escrever, q ainda tenho!
Foi nessa maquina q escrevi os meus primeiros poemas e tenho-lhe ainda um imenso carinho, embora já não escreva nela!
Isto agora foi só um aparte! :))))

Gosto sempre muito de ler as tuas narrativas querida Nanda ( q tb rima com formanda!)
porque são historias reias de pessoas reais q se sentem e q reconhecemos como palpáveis. Não precisamos inventar para contar uma bela historia, basta estarmos atentos ao mundo próximo de nós, se não mesmo ao nosso.
Tu tens essa astucia de ser uma excelente contadora de historias, sempre com uma beleza, ou uma moral intrínseca, mas historias simples, sem rocambolescos, nem floreados, nem cornucopias, simples, tangíveis, historias de pessoas, pessoas como nós!
E eu minha querida Nanda, rendo-me! Porque adoro ler-te e sentar-me no chão a olhar pra ti à espera q comeces!
Beijinho grande em ti!
Inês

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