O Porto é assim

Gosto da cidade, quando ela se faz campo aberto de flores silvestres, sublimadas ao vento forte, soprado do mar azul junto à falésia inóspita, em raios de Sol muito intensos que se espalham, inundando-nos de esperança, numa luz seca que vai bebendo a humidade da rebentação brava.
Essa paisagem está lá, na cidade, e é só preciso procurar. O fim da tarde é generoso. As ruas e as frontarias trazem em si vestidas, as últimas cores do dia, em densos tons fúlgidos de vermelhos tímidos, que se despedem em viagem, misturadas com o céu cansado, para os tons frios, violáceos e índigos, que irão receber o espaço a preto e branco.
São as pessoas caminhando junto ao passeio, nos imensos vazios que se formam, que dão a vida final a essa paisagem. Encolhem a cabeça dentro do guarda-chuva, com o olhar distante, caído sobre calçada gasta e suja, em silêncio. Nesses intervalos, de passadas arrastadas sem pressa, algo de estranho parece emergir, e eu deixo de me sentir só. Todos sentimos, naquele momento breve, uma união de espírito sobre o quotidiano, numa melancolia que nos liberta e nos deixa tocar-lhe em pequenas precisões simples, junto ao pórtico. Aí, não há a necessidade de um princípio ou de um fim, nem de uma razão de todas as coisas, apenas há gente que passou pela básica existência do amor.
O Porto é assim.