O Retrato - Capítulo II

( Aqui fica um pouco do segundo capítulo do meu livro O Retrato, que será lançado dentro em breve, pela Corpos Editora. Espero que gostem. )

“- Maria? És tu? - João ouvira passos apressados na calçada. Tinha a certeza que alguém vinha na sua direcção. Varria a paisagem à sua volta com o olhar, mas tudo o que conseguia escutar eram as águas cristalinas, que brotavam do luxuriante chafariz, mesmo na sua frente. Um murmurar surdo, relembrando os velhos segredos perdidos nas noites glaciais daquela cidade.
O som de passos mantinha-se. Um picar na pedra, contínuo e irritante. O seu coração batia mais forte a cada novo passo.
Mais uma vez João chamou, enquanto a sua respiração soltava pequenas nuvens brancas no ar:
- Maria, és tu? - ninguém respondeu.
Subitamente, instaurou-se o silêncio. Já não se ouviam passos e até mesmo as águas do chafariz pareciam murmurar mais baixinho, como que segredando entre si. O tempo parecera parar, talvez tivesse congelado!
O rapaz sentou-se, então, na beirada de pedra do velho chafariz, vislumbrando o seu reflexo na luz trémula dos candeeiros.
Era meia-noite e meia, do dia 2 de Janeiro de 1990. O frio típico duma noite Transmontana congelava-lhe os dedos e já nem sentia a ponta do nariz. Tremia ligeiramente, mas não só de frio. Tinha que confessar que os sons nocturnos da cidade vazia arrepiavam-no.
“Mas porque é que ela demora tanto?” - inquiria.
João combinara com Maria encontrarem-se ali à meia-noite em ponto. Dissera-lhe ter uma surpresa para ela. Esta, apesar de receosa, lá acabou por aceitar aquele estranho encontro.
No entanto, já passavam trinta minutos da hora marcada e nada de Maria. Teria acontecido alguma coisa? Nunca se perdoaria se algo de mal lhe sucedesse. Tinha sido ele a convencê-la a sair de casa a meio da noite. Mas que fizera ele?
Começava-se a arrepender. Só de imaginar que alguém pudesse tocar num fio de cabelo daquela rapariga, até o ar parecia mais frio e mais dilacerante nos seus brônquios.”