Tio ( para sempre)

27/10/2009
Os dias passam, mas a dor continua cá! Ainda não acredito que o dia 6/6/96 aconteceu mesmo. Aquele dia marcará o meu corpo até á minha morte.
Durante largos anos, acreditei que tinha sido um pesadelo de uma noite de fim de primavera, aliás acho que preferia acreditar que o meu tio não tinha morrido. Talvez fosse a minha maneira de mostrar que era forte e que nem mesmo aquele trágico dia me tinha mandado abaixo.
Hoje sei que não foi um pesadelo, sei que foi um dia real, onde perdi uma das pessoas mais importantes da minha vida. Queria vingar-me de quem me destruiu a minha infância.
Eram umas 15 horas, entrava no portão, de mão dada com a minha tia mais velha, o ar era irrespirável, sentia-se qualquer coisa de diferente, habitualmente ouvia os meus avós falarem, desta vez não, estava tudo silencioso. Vi a minha mãe sentada na mesa do telefone, a falar inglês, do outro lado ouvia-se alguém a falar alto. Mal ela pousa o telefone, a minha tia pergunta:
- O que aconteceu Esmeralda?
As lágrimas corriam-lhe pelo rosto abaixo, nunca tinha visto a minha mãe assim, e ainda hoje, passados 12 anos, aquele dia é o mesmo. Mal conseguia ouvi-la:
- O Carlos morreu!
Na altura não tinha noção do que tinha acabado de ouvir, afinal eu era apenas uma miúda de 4 anos. Senti a minha tia me apertar a mão, como se não estivesse a acreditar no que ouvia. Acho que naquele momento o chão tinha fugido debaixo dos pés dela.
Dias mais tarde vi a minha mãe e os meus avós partirem numa viagem. Foi nessa altura que senti que tinha perdido por instantes as pessoas que ainda seguravam a minha presença no mundo. Vi meio mundo ficar de rastos com aquela notícia, toda a gente chorava, e ninguém conseguia explicar-me o que se passava.
“ Cantor português, residente na África do Sul, assassinado!”; “ Ajuste de contas mata cantor português.”
Alguém imagina o que é ver e ouvir isto quase todos os dias? Na altura passava-me ao lado, via a minha irmã fraca e revoltada com aquelas notícias sem sentido nenhum, puras mentiras que vendiam, só porque o meu tio era alguém minimamente conhecido.
Sabem o que me choca mais hoje em dia? É olhar para trás e ver que ninguém soube respeitar a morte do meu tio e muito menos as pessoas mais próximas dele. Toda a gente criticou, lançou boatos, mas ninguém percebeu que ele tinha sido a vítima de um crime encomendado.
Terá sido justo uma pessoa cheia de sonhos por realizar morrer assim?
Hoje tenho a certeza que esteja ele onde estiver, tem orgulho na pessoa que sou, tenho a certeza que me guia e guarda, e que me ajuda nos momentos mais difíceis.
Ainda hoje me lembro da célebre frase dele: “ o titio vai estar sempre aqui”, mas não esteve, alguém lhe roubou a vida, deixando-o estendido no chão, morto. Queria entender tudo isto, mas não consigo, o tempo vai passando e o vazio continua cá, e as perguntas continuam sem resposta.
Ele era um exemplo como ser humano. Quando se estava perto dele, era impossível alguém estar triste, ele contagiava toda a gente com o sorriso. É impossível não sentir saudades dele, aliás acho que nunca ninguém ocupará aquele lugar.
Sei que este texto não o trás de volta, mas sinto que é a melhor homenagem que posso fazer-lhe.
Sei que este pesadelo vai sempre perseguir-me, as imagens daquele dia, ninguém apaga da minha memória.
“ Tio sinto tanto a falta, sei que já é tarde demais, mas foste, és e sempre serás a pessoa em quem tenho mais orgulho no mundo. Estejas onde estiveres, espero que vejas este texto.Sei que sabes que sou a pessoa mais frágil, e que aquele ar de durona, não existe, é apenas uma mascara para me defender de tudo o que me destrói.”
Obrigada “titio” por tudo!
Um beijo da tua sempre sobrinha:
Claudia