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A TRINTONA E O CINQUENTÃO
Rute e rui
Capítulo I
UM HOMEM E UMA MULHER ( O fascínio)
Rute acabou de entrar no colégio com a pequena Catarina pela mão. Não tem aquilo que se pode chamar uma cara bonita, nem é também uma mulher escultural, mas é no entanto uma mulher interessante, a transpirar sensualidade em cada gesto, em cada olhar, em cada sorriso e em cada palavra que pronuncia. Pode dizer-se que é uma mulher fascinante. Gosta de se sentir admirada e desejada, mas não admite familiaridades. Sente um prazer em provocar os homens que se cruzam com ela, o que consegue com impressonante facilidade, mas faz questão em mantendo sempre uma considerável distância. Provoca-os mas não os incentiva, é como que uma fonte a deitar água muito fresca numa tarde de calor, mas com a bica tão distante que é impossível chegar-lhe. Ela diverte-se com esta situação, como se diverte ao sentir o ar babado e imbecil da maior parte dos homens com que se cruza, completamente babados a percorrê-la de alto baixo com os olhos. Sente que está a ser despida mentalmente mas isso não a incomoda absolutamente nada, antes pelo contrário, diverte-se com o olhar guloso com que a despem, mas segue em frente, divertida, como que ignorando a presença deles e dos seus olhares, mas no íntimo compraz-se a imaginar todas as fantasias que povoam aquelas cabeças levianas, pensando maliciosamente, com um sorriso irreverente a bailar-lhe nos lábios, que muitos deles não conseguiriam concretizar com competência mínima tudo aquilo que eles gostariam de lhe fazer e que alguns cometem mesmo a ordinarice de lhe dizer.
Bastante alta, elegante, com um peito bem desenhado e firme, e umas pernas, compridas e bem torneadas, vestindo sempre com bom gosto e um atrevimento bem estudado, é impossível a qualquer homem sensível à beleza feminina olhá-la sem que a sua cabeças seja invadida por pensamentos pecaminosos. Ela sabe e compraz-se com isso e nada faz para o evitar. Gostava de se sentir desejada, mas não dava um passo, nem fazia um gesto para encorajar que alguém se atrevesse a ir mais além do que um silencioso desejo. È verdade que muitas vezes ouvia o mais diverso tipo de piropos, uns engraçados, outros de muito bom gosto e muitos a roçar a boçalidade. Todos eles batiam na carapaça da sua indiferença e seguia em frente, ígnorando o piropo e o seu autor. É simpática, comunicativa e cordial mas não dá oportunidade a homem nenhum que se atreva a avançar para além dos cumprimentos de circunstância, mas fazia-o com um sorriso tão atrevido e um olhar tão meigo que instalava a confusão na cabeça de cada um deles. Eles bem gostariam de dar um passo em frente mas temem a sua reacção porque a distância que ela faz questão de manter não augura grande sucesso à tentativa.
Rui tem uma obsessão muito especial por Rute. Sempre que se cruza com ela no colégio, o que acontece diáriamente, ele fica fascinado com a elegância daquela mulher que tem algo que o seduz e perturba. É o sorriso franco e o olhar ligeiramente provocador, são também os gestos graciosos, o discurso inteligente e um apurado sentido de humor que ela deixa transparecer nos contactos diários, mas curtos, que tem vindo a manter com ela quase diariamente. Homem experiente e racional, Rui sabe que existe uma barreira intransponível entre eles, a idade. Já ultrapassada a casa dos cinquenta ele sabe perfeitamente que 20 anos de diferença são praticamente impeditivos de pensar em algo mais que não seja admirar a sua beleza e graciosidade e imaginar como devem ser deliciosas as noites passadas em tão sedutora companhia. É verdade que sua figura elegante, o cabelo farto e grisalho e os modos cavalheirescos que o caracterizam têm-lhe aberto algumas portas que ele havia julgado completamente inacessíveis, mas não tinha a menor esperança em que isso viesse um dia a acontecer com Rute. Ele desejáva-a, gostaria de a apertar nos seus braços mas a razão aconselháva-o a deixar-se de fantasias e aceitar a realidade; aquela mulher esplêndida jamais lhe cairia nos braços, até porque segundo pensa ela é uma mulher casada e nada o autoriza a pensar que alguma vez pensasse em trair o marido. Resta-lhe por isso admirá-la quando se cruza com ela, trocar algumas palavras de circunstância e não deixar que, por um momento que seja, ela se apercebesse das suas fantasias. O que Rui não imagina é que Rute, inteligente e esperta como é, já há muito deu conta que por detrás da galanteria e cavalheirismo com que ele a trata está escondido um desejo intenso de a possuir, desejo esse que ele sempre pensou ser capaz de esconder mas que estava estampado no seu olhar que longe de a ofender ou incomodar a diverte e lisonjea.
A mãe da pequena Catarina é uma mulher honesta e segura de si, mas gosta de agradar e de se sentir admirada e desejada pelos homens. Não os encoraja, não lhes dá o menor sinal de que lhes adivinha os pensamentos, e na maioria das vezes, até deixava entender que nem sequer dá pela sua presença, mas muito intimamente sente-se lisonjeada. Aprecia um bom “flirt”, mas só muito raramente cede a essa sua fraqueza quando sabe de antemão que tem a situação controlada e que será capaz de parar quando achar que é o momento certo para o fazer. Ela conhece o perigo que um “flirt” pode trazer consigo quando se perde o domínio sa situação, por isso raramente arrisca, embora muitas vezes estivesse tentada a fazê-lo, como é agora o caso de Rui. Já notara o fraco que ele tiem por ela, gosta da sua figura e dos seus modos de cavalheiro, e aprecia a atenção que lhe dispensa, sempre galanteador sem se tornar vulgar nem importuno. Rui, por seu lado é também ele um homem seguro de si, cauteloso, daqueles que esperam pacientemente por uma distracção ou uma fraqueza momentânea para atacar a sua “presa”. Não arrisca uma atitude precipitada que possa deitar por terra as sua pretensões e tal como ela tem todas as características de um jogador prudente e experimentado.
………
- Quando sair daqui vou ao “Preto” tomar o pequeno almoço, disse Rute, em voz alta, para uma amiga, mãe de uma colega de turma da filha.
Rui ouviu esta frase e ficou com a sensação nítida que ela foi proferida intencionalmente e dirigida mais para ele do que para a amiga. Ficou alvoroçado, não pelo facto de ela ir ao “Preto”tomar o pequeno almoço mas porque se era verdade que quis que ele tomasse conhecimento desse facto, o que pretenderia ela com isso? Não sabia ainda, mas havia uma coisa de que ele tinha a certeza: daí a 5 minutos estaria, também ele no “Preto” a tomar o pequeno almoço. Depois se veria.
CAPÍTULO II
O PEQUENO ALMOÇO NO PRETO – (A ABORDAGEM)
Ao entrar no Casa do Preto, Rui olha em redor e descobre Rute, sózinha, sentada numa mesa ao fundo da sala. É com alguma satisfação que costata que as mesas se encontram todas ocupadas, o que lhe oferece a justificação para pedir permissão para se sentar junto dela.
- Olha quem está aqui ! Que agradável coincidência encontrarmo-nos duas vezes em tão curto espaço de tempo. - atirou ele com uma naturalidade estudada, e sem dar tempo a que ela lhe respondesse continuou: – Permite-me que me sente à sua mesa? O café está cheio e eu não gosto nada de comer em pé…como os cavalos – justificou-se tentando ser engraçado.
Ela esboça um sorriso trocista e responde num tom ligeiramente sarcástico:
- É verdade, é mesmo uma grande coincidência não é verdade? – disse ela sem responder ao pedido feito pelo seu interlocutor e deixando bem claro que conhecia o motivo que o levara ali.
Rui sentiu-se desconfortável com esta reacção que não esperava, e vacilou. Bastou um sorriso e uma frase curta carregada de ironia para que Rute fizesse desmoronar toda a confiança e descontracção que ele estava a tentar aparentar. Ficara desarmado logo ao primeiro embate, mas aos poucos foi recuperando a confiança perdida ao pensar melhor no que dignificaria aquela reacção. Agora não lhe restavam dúvidas, ela acabara de confirmar que não fora inocentemente que anunciara no colégio, em voz alta, que iria ali tomar o pequeno almoço. Ela pretendera mesmo que ele a ouvisse. Porquê? Com que intenção? Rui não tinha ainda a certeza de nada mas agora já mais afoito decidira que não sairia dali sem saber a resposta. Ali mesmo, à mesa daquele café.
Recuperado ânimo retorquiu:
- Acho que sim. Mas.. há alguma coisa que a possa levar a pensar que não seja?
- Claro que não. Aliás é quase um ritual obrigatório sair do colégio e vir ao Preto. Praticamente todas nós o fazemos, mas a si não me recordo de o ter visto por aqui alguma vez.
- Tenho por hábito tomar o pequeno almoço em casa. Mas ainda não me respondeu, permite-me que me sente à sua mesa?
- Que distracção a minha, desculpe. Claro que sim. Esteja à vontade.
Rui disfarçou, atrás de um sorriso de satisfação, um suspiro de alívio. O primeiro “round” estava ganho mas o mais difícil estava ainda para vir.
- Disse que costuma tomar o pequeno almoço em casa, hoje foi uma excepção claro. Adormeceu, atrasou-se e por isso está aqui, não é verdade ? – disse ela retomando o ar trocista.
- É verdade. Hoje atrasei-me um pouco e… bem vou ser franco consigo. Promete que não se zanga se eu lhe fizer uma confissão?
- Porque me haveria de zangar? A não ser que seja grave o que tem para confessar? Tenha cuidado porque eu costumo aplicar penitências pesadas. – respondeu ela visívelmente divertida.
- Eu corro o risco, e prometo cumprir à risca o castigo que me impuser, aguento bem com qualquer peso – retorquiu tentando ser atrevido e fazer graça, de novo sem sucesso. Ficou zangado consigo próprio e pensou que estava a comportar-se como um verdadeiro idiota.
- Então confesse-se lá. Estou curiosa – respondeu ela ignorando o dichote.
- O nosso encontro aqui não se deve a coincidência nenhuma – disse Rui algo receoso.
- Não? Porque será que não fiquei surpreendida com essa revelação? – respondeu ela de novo com ar de troça.
- Provavelmente porque ao dizer em voz alta que vinha para aqui, pretendeu que eu a ouvisse – disse Rui imprudentemente, arrependendo-se de imediato por ter sido tão insensato.
A expressão de Rute alterou-se radicalmente ao ouvir a afirmação de Rui. O sorriso gaiato e matreiro deu lugar a um ar mais carregado e foi possível vislumbrar um rasto de ira no seus olhos.
- Está a insinuar que eu me estava a atirar a si, ou melhor, está mesmo a afirmar que eu pretendi que viesse atrás de mim para o café? – respondeu parecendo irritada elevando propositadamente a voz – Espero que tenha noção de quanto está a ser insolente, convencido e ridículo- esta última frase foi perfeitamente audível nas mesas mais próximas..
Rui olhou em volta para se aperceber se do efeito da reprimenda junto das pessoas que os rodeavam e reparou, envergonhado, que alguns olhares se tinham voltado para eles. Se houvesse ali um buraco ter-se-ia enfiado por ele abaixo.
- Desculpe Rute, não foi isso que eu quis dizer…peço desculpa, não me fiz entender – gagejou com voz sumida e vermelho que nem um tomate.
- Fez-se entender muito bem e disse-me claramente que eu pretendi incentivá-lo a seguir-me até ao café. Não tente desculpar-se com argumentos idiotas, seja home e assuma o seu atrevimento – continuou ela a desancar no pobre homem que perdera totalmente o controlo da situação. Fora um cretino e portara-se como um adolescente burro, ele que pensava que estava senhor da situação.
- Rute desculpe, fui um idiota, mas há uma explicação para o meu comportamento.
- Claro que há. É um convencido e um sedutor de meia tigela que pensa que todas as mulheres anseiam por lhe cair nos braços.
- Está enganada Rute, eu não sou assim. Já sou um homem maduro…
- Maduro e prestes a cair de podre – continuou ela implacável.
Completamente desorientado e desiludido, Rui decidiu que a melhor atitude a tomar seria retirar-se para evitar que a humilhação fosse ainda maior.
- Rute, peço-lhe desculpa e se me permite, vou deixá-la descansada a tomar o seu pequeno almoço. Lamento tê-la incomodado e perdoe-me se a insultei, mas acredite que não foi essa a minha intenção.
Com um ar abatido pela humilhação sofrida, Rui levantou-se da mesa, curvou ligeiramente a cabeça e despediu-se.
- Mais uma vez, desculpe.
- Espere. Vai-se embora sem tomar o pequeno almoço? – atirou-lhe Rute de chofre deixando-o completamente atónito.
O jogo tinha começado e ela marcara os primeiros pontos, deixando bem claro que dali para a frente seria quem ditaria as regras.
- Perdi a fome, acredite. Bom dia. – Voltou a despedir-se.
- Va lá, não seja tonto. Sente-se e coma. Entretanto faça lá a sua confissão.
Rute retomara o ar gaiato e zombeteiro que tanto o seduzia. Tinha-o completamente na mão, e ambos sabiam disso. Rui ainda meio envergonhado sentou-se de novo junto dela, não sem antes ter lançado um olhar furtivo para as mesas vizinhas.
- Olhe menina, este senhor quer fazer o pedido – disse Rute para a empregada que passava nesse instante junto à mesa onde se encontravam.
- Sim? E o que vai querer? – perguntou, solícita, a empregada.
- Um galão bem escuro e uma bola saloia com queijo e manteiga. - Pediu Rui.
Olhou para a companheira de mesa e foi brindado com um sorriso jovial que lhe aqueceu a alma e o deixou mais tranquilo. No entanto na sua cabeça bailava uma questão: que iria fazer a seguir? Estava perdido, desorientado e cheio de dúvidas sobre a forma como iria conduzir a conversa daí para a frente. Por instantes questionou-se se teria sido prudente ter entrado naquele café atrás de Rute. Sentiu-se como aqueles navegantes que segundo as lendas marítimas corriam atrás do canto das sereias acabando por naufragar e ver as suas embarcações estilhaçadas contra os rochedos. A sereia estava ali à sua frente e ele nesse momento sentia-se a naufragar. A sereia estender-lhe-ia a mão para o salvar do naufrágio. E se estendesse, assustado como estava, ele teria força e coragem para a agarrar? Não sabia responder, naquele momento a sua cabeça era um autêntico turbilhão onde fervilhavam pensamentos, ideias e sentimentos contraditórios. O naufrágio estava iminente.
CAPÍTULO III
O CONVITE
Durante pouco mais de meia-hora Rute e Rui falararam de si, dos seus gostos e interesses, das suas actividades profissionais e um pouco da sua vida pessoal. Ficaram a saber que eram ambos juristas, ela como consultora num banco e ele fazendo parte de uma florescente sociedade de advogados, e que também eram os dois divorciados, ele há cerca de vinte anos, ela há pouco mais de quatro. Descobriram que tinham interesses comuns mas também algumas divergências e delicadamente procuraram falar apenas daquilo que os unia evitando abordar temas em que as suas opiniões pudessem ser divergentes e causar algum mau-estar entre eles. Rui foi sempre muito cauteloso em tudo aquilo que dizia para evitar situações embaraçosas como aquela que acontecera no início da conversa, enquanto Rute fazendo jus à sua conhecida irreverência se ia divertindo a confundir o seu companheiro de refeição numa espécie de toca e foge, ora estimulando-lhe a imaginação, ora colocando-o a uma certa distância e arrefecendo-lhe o ânimo, assim como quem ateia o fogo para de seguida lhe atirar para cima com um balde de água.
Rui a pouco e pouco foi-se adaptando ao jogo da sua companheira de mesa e não se deixou confundir com a forma imprevisível como ela conduzia a conversa. Tentou não se entusiasmar demasiado com o descaramento subtil com que ela tentava incutir-lhe alguma esperança, nem abater com a aparente frieza com que repentinamente o passava a tratar. Foi, como costuma dizer-se, navegando ao sabor da corrente sem se deixar afundar. Rute não demorou muito a perceber que dificilmente conseguiria voltar a confundir-lo como fizera quando da abordagem inicial, e começara até a admirar a fleuma com que ele enfrentava as maldades que ela lhe ia fazendo. Apreciou a inteligência com que ele estava a jogar, porque estava agora bem claro que era de um jogo que se tratava. Um jogo de xadrez em que os lances eram todos ele muito pensados até ao xeque-mate final, que na perspectiva de Rui seria conquistá-la e levá-la para a cama, e na de Rute, deixar que ele pensasse que tinha o jogo controlado para no final ser a ela a fazer o xeque ao rei e deixá-lo a chuchar no dedo. Ela não admitia sequer que o resultado pudesse ser outro que não aquele que já tinha planeado.
…
- Menina, traga-me a conta desta mesa se faz favor – pediu Rui à empregada que acorreu prontamento ao sinal que lhe fez.
- Nem pense que vou deixar que pague a minha despesa – protestou Rute.
- Faço questão. É o mínimo que posso fazer para a compensar da seca que lhe preguei.
- Se é para pagar a maçada de ter que levar consigo durante meia-hora acho que está a ser um grande forreta. – disse Rute tentando parecer que falava a sério, mas rindo-se interiormente.
Rui que não esperava esta resposta ficou confuso sem saber se seria este o seu pensamento ou se não passaria de mais umas das suas brincadeiras e não foi capaz de dissimular a sua dúvida deixando que uma expressão de espanto se estampasse no seu rosto. Provocando em Rute uma grande e sonora gargalhada. Divertida tranquilizou-o de seguida:
- Não faça essa cara, eu estava a brincar. Não me diga que acreditou no que eu lhe disse.
Rui afivelou um sorriso meio amarelo e disse pouco convicentemente:
- Não, claro que não acreditei. Sabia perfeitamente que estava a brincar.
Ela riu-se com gosto fingindo ter ficado convencida e para acabar com qualquer dúvida que ele ainda tivesse, perguntou-lhe:
- E agora o que vai fazer? Já sei o que vai dizer: trabalhar, não é verdade?
- Não, não é verdade, hoje não vou ao escritório, deçpois deste pequeno almoço maravilhoso decidi ir até à Pena e mergulhar naquele mundo de beleza, encantamento, calma e romantismo.
- Talvez não acredite mas moro em Sintra há quáse 10 anos e nunca visitei a serra. Não conheço a Pena, nem o castelo.
- É imperdoável, Rute. Nem sabe o que tem perdido porque se trata de um local maravilhoso que nos enche a alma de paz, de leveza e de liberdade como só a natureza no seu estado mais genuíno nos pode proporcionar.
- Pois é, mas infelizmente nunca se proporcionou ir até lá, mas em face do seu entusiasmo vou pensar seriamente em ir até lá um destes dias.
- E porque não agora? Quer ir comigo? Garanto-lhe que não arranjaria melhor cicerone.
Rui corou, não acreditando que acabara de cometer a imprudencia de a convidar a acompanhá-lo nos caminhos escondidos da serra. Por breves momentos receou uma reacção demolidora por parte da rapariga e apressou-se a esclarecer:
- Desculpe a ousadia, mas não é nada do que poderá estar a pensar.
- E quepoderei eu estar a pensar?
- Provavelmente que eu sou um descarado, um atrevido que não a respeita e que tem em mente intenções menos sérias. Em suma, como você disse, um velho a cair de podre com pretensões a sedutor.
Rute sorriu e replicou:
- Confesso que pensei nisso e achei graça ao ouvir um velho caduco, a cair de podre, a falar de romantismo.
E continuou implacável:
- E pensei também que há muito atrevimento nesse seu convite, que não acredito minimamente nas intenções que, decerto me irá garantir a seguir, serem as mais honestas deste mundo, e que este convite é um exemplo de inocência. Tenha dó, por quem me toma?
Rute estava divertida a ver a atrapalhação do homem que apenas conseguiu balbuciar:
- Mas é a verdade Rute – mentiu com quantos dentes tinha na boca.
- Pois é, e o Pai Natal também vem todos os anos para descer pela chaminé, não é assim?
Rui não respondeu e pensou para consigo que fizera asneira uma vez mais. Mas onde andava ele com a cabeça, ele sempre tão racional e sensato naquela manhã ainda não fizera outra coisa senão asneirar.
A rapariga olhou para ele com ar trocista que foi capaz de encher de doçura para lhe dizer:
- Aceito o seu convite. Eu vou consigo.
Rute olhou divertida para o ar de incredulidade com que o seu interlocutor a ouviu aceitar o seu convite e não conseguiu reter uma boa gargalhada que ecou, mais uma vez, pela sala atraindo o olhar de todos os presentes. Travessa voltou à carga:
- Mas não pense que me apanhou. Vou apenas para conhecer a Pena na companhia de alguém que a conhece muito bem como disse. Desengane-se se tem em mente algo mais do que isso.
- Pelo amor de Deus, Rute, não pense por um minuto sequer, que alimento qualquer outra intenção que não seja mostrar-lhe toda a beleza do palácio e o encanto do parque envolvente.
- Penso, mas vou na mesma. Sou suficientemente segura e esclarecida para ser eu a escolher o meu próprio caminho. Só faço aquilo que quero fazer, com quem quero fazer e onde quando quero fazer, e não quero fazer consigo. Fica bem claro?
- Esclarecidíssimo, mas parece-me que o esclarecimento foi desnecessário porque não há nada para esclarecer. Convidei-a a visitar a Pena comigo porque disse que não conhecia e que gostaria de lá ir. Apenas isso.
- Está bem. Finjo que acredito. Agora uma pergunta: no seu carro ou no meu?
- Vamos no meu. A Rute deixa o seu carro ali no largo da feira ou no adro da igreja, e depois vamos serra acima.
- Para ver o palácio e o parque. Apenas isso.
- Apenas isso, juro – prometeu Rui fazendo figas atrás das costas. – Então vamos?
- Vamos então.
CAPÍTULO IV
O PASSEIO NA SERRA
Rute e Rui subiram a serra com estados de espirito bem diferentes. Enquanto ele se sentia alvoroçado, como se fosse ainda um adolescente, a rapariga ia um pouco mais apreensiva pensando se não teria sido precipitada e imprudente a sua decisão de aceitar o convite que ele lhe fizera para o acompanhar neste passeio à serra, convite esse que ela tinha a certeza não ter sido de todo inocente. Por outro lado ela confiava cegamente na sua determinação e sabia que ninguém a conseguiria obrigar a fazer nada que não quisesse fazer, e essa certaza tranquilizou-a um pouco mais. Era uma mulher descomprometida, livre de fazer o que muito bem entendesse sem receio de ser alvo de recriminações. Não devia satisfações a ninguém e não se importava de ser vista na companhia de Rui, por quem e onde quer que fosse. Quanto a isso estava absolutamente tranquila, a sua inquietação tinha mais a ver com a simpatia que, inexplicavelmente para ela, começava a sentir por aquele homem que até àquela manhã conhecia muito superficialmente e que depois de algum tempo de convívio começara conquistar a sua admiração. Porquê? Nem ela sabia ainda explicar, mas a serenidade com ele soube conviver com a sua imprevisibilidade e irreverência, que outra pessoa classificaria de falta de educação, foi conquistando a sua simpatia e admiração. Rui revelara-se um homem educado, inteligente e sensato e ela começava a gostar dele, por isso estava inquieta, embora tivesse a certeza de uma coisa: que se era verdade que não faria nada que não quisesse, ela já não sabia se queria ou não, e tinha um pressentimento inquietante: aquele dia na serra com aquele homem poderia vir a ter consequências futuras muito sérias. Que tipo de consequências? Não fazia a menor ideia, e era precisamente isso que a pertubava. E foi assim, quase em silêncio, pensativos e expectantes, que ambos subiram os caminhos sinuosos da serra até chegarem aos portões do parque da Pena.
- Chegámos – disse Rui quebrando o silêncio - Vamos finalmente mergulhar num mundo de silêncio e de tranquilidade, diria mesmo que um mundo de magia e deslumbramento. Aqui encontrará o ambiente mais romantico que possa imaginar.
- Mas eu deixei bem claro que…
- Sossegue minha amiga, o romantismo do local não obriga ao romance, e só existe romance quando duas pessoas estão predispostas a vivê-lo, o que não é definitivamente o seu caso. Não é assim?
- É isso mesmo, mas você disse,”o seu caso”, referindo-se a mim, e o seu caso qual será? Terá vindo você predisposto a viver um romance num local tão romântico como este?
- Claro que eu sou sensível ao romantismo desta serra, e ainda mais sensível à companhia de uma mulher bonita e inteligente como a Rute, mas não sou eu que importa. Aqui o que conta é o que você não quer e isso basta-me porque para mim, a sua vontade é uma ordem. Não haverá romance, ponto final. Está mais tranquila?
- Sempre estive tranquila – mentiu ela, querendo parecer segura de si.
- Então entremos e deixemo-nos inebriar pelo clima de beleza e de paz que aqui se vive. Vai ver que sairá daqui encantada e com vontade de voltar muitas mais vezes. Este local reconforta a alma.
Os dois entraram no parque e iniciaram vagarosamente a subida até ao palácio, por um caminho íngreme, à sombra do arvoredo frondoso e centenário e ao som alegre do chilreio da passarada. Foram conversando descontraidamente até chegarem ao palácio da Pena, um antigo convento mandado edificar por D. Manuel I que o entregou aos frades Jerónimos. No século XIX, o rei D. Fernando de Saxe Coburgo-Gotha, segundo de Portugal e marido da rainha D. Maria II transformou-o neste palácio de conto de fadas, fazendo dele um dos mais importantes monumentos do romantismo em todo o mundo.
A imponência do palácio construido sobre as fragas era esmagadora. Rute estava maravilhada, pois só o conhecia de o contemplar de longe e não imaginava que tivesse tal grandiosidade. Rui ia sendo um cicerone paciente e conhecedor que lhe ia transmitindo tudo o o que sabia sobre o monumento, sobre o parque e sobre o criador de toda aquela beleza que ia deixando extasiada a sua bonita acompanhante. A calma e a tranquilidade que os envolvia, à medida que se embrenhavam na mata iam fazendo com que apenas eles e o cenário onde se movimentavam fossem importantes, tudo o resto deixara de existir e aquilo que ficara lá em baixo, deixava ali de fazer sentido. As suas vidas, as suas profissões e os seus problemas, tudo ficara para trás e não perturbava a paz que ambos sentiam naquele momento. Estavam no paraíso.
Depois da visita ao palácio embrenharam-se floresta adentro mergulhando num mundo de sonho onde tudo era possível e onde as pessoas se transfiguravam e deixavam fluir sentimentos insuspeitados, sem fingimentos, sem defesas e sem preconceitos. À medida que iam avançando para o interior do bosque sentiam que um clima de magia os envolvia e que uma certa lascívia se ia apoderando deles. Rute sentiu o perigo mas não se preocupou, até ali o acompanhante nada fizera para se aproveitar do seu amolecimento que, de certeza, não lhe estava a passar despercebido. Quantas vezes e quantas mulheres já ele ali levara e quanto momentos românticos não vivera já naqueles cantinhos recônditos e escondidos, contando com a cumplicidade do denso arvoredo que os escondia dos olhares curiosos de quem por ali pudesse passar, pensava Rute naquele momento. Rui estava a cumprir o prometido e comportava-se como um autêntico cavalheiro.
Os dois, iam percorrendo devagar os caminhos do parque, parando para conferir o nome das muitas espécies exóticas que ali se encontram e que por inciativa de D. Fernando vieram dos quatro cantos do mundo para ali serem plantadas. Passaram a Fonte dos Passarinhos, onde se dessedentaram com a água fresca e cristalinha que ali jorra permanentemente, desceram aos lagos onde contemplaram a beleza e elegância dos cisnes e extasiaram-se com a policromidade do bosque, pintado em vários tons de verde, agora também salpicado, aqui e além, por algumas manchas de amarelo e castanho a recordar que o Outono se estava a aproximar. Sentaram-se num banco de pedra junto à água corrente e descansaram um pouco, embalados pela música suave da água a escorrer na encosta. Enquanto isso trocavam olhares carregados de ternura só possíveis encontrar quando há almas em festa. Rui pegou na mão da companheira sem que esta reagisse de imediato, para alguns minutos depois a retirar discreta e delicadamente sem dizer palavra. O silêncio deles naquele momento dizia muito mais do que todas as palavras do mundo. Era evidente que gostavam de estar ali um com o outro, sentiam-se bem e as suas mentes começavam a ser invadidas por pensamentos e desejos que eles não conseguiam controlar, tendo sido, no entanto foram capazes de se conter sem que nada acontecesse para além do prazer que sentiam em estar ali juntos, os dois. Ainda não era o momento oportuno, pensou Rui. Quando será que ele vai tentar, interrogou-se Rute.
Iniciada a subida até ao ponto mais alto da serra de Sintra, num local denominado por Cruz Alta, Rui decidiu levá-la por uns trilhos fora da rota normal dos visitantes do parque e que tinham tanto de belos como de difíceis. O caminho acidentado, por meio de rochas que tornavam o piso irregular dificultando a marcha, tornou penosa a caminhada para Rute que com os seus sapatos de salto alto estava constantemente a desiquilibrar-se. Rui deu-lhe a mão para a ajudar na subida e assim se mantiveram ao longo de todo o caminho. Passaram pela Feteira da Rainha, um sítio encantador e luxuriante onde se ouve o murmúrio das águas a correr no regato e dirigiram-se até ao Chalet da Condessa onde, segundo se diz, D. Fernando mantivera um caso amoroso com a bela condessa de Elba, com quem viria a casar mais tarde, depois de ter enviuvado. Rui contou à amiga a história dessa relação amorosa do rei, sem se esquecer de sublinhar que a beleza ímpar daquele local teria certamente influenciado o germinar do amor entre dois seres sensíveis, com as almas cheias de poesia. Rute ficou sensibilizada com o relato daquele amor secreto, que nada teria de invulgar, não fora o fascínio do local onde ele foi vivido, e compreendeu como era fácil a alguém ceder ali aos impulsos do coração e aos desejos que, começando na cabeça, rápidamente se espalhavam por todo o corpo. Rute começava a sentir a sua determinação a vacilar e teve receio do que poderia acontecer dali para a frente, mas o desejo começava a ser mais forte do que o medo, e ela, em vez de se assustar, começou mesmo a sorrir á hipótese da rendição. No seu subconsciente crescia a ideia de que aquela manhã se poderia vir a transformar em algo mais do que um simples passeio para conhecer o parque.
Continuaram a escalada com o caminho, em direcção à Gruta do Monge, a tornar-se cada vez mais duro. Ao subir uma rocha mais saliente Rute tropeçou, desiquilibrou-se e para evitar a queda agarrou-se institivamente ao amigo que já tinha os braços abertos para a acolher. Ao senti-la colada ao seu peito, Rui apertou-a contra si e ficou a olhá-la com um ar tão doce que fez com que as pernas de Rute começassem a tremer. As bocas aproximaram-se e acabaram por se tocar, primeiro num contacto breve, para instantes depois se unirem num beijo intenso e demorado que fez disparar os corações dos dois amigos. Sem serem capazes de determinar o tempo que demorou esse beijo, Rute acabou por colocar mão no peito do companheiro e afastá-lo suavemente dizendo-lhe:
- Não Rui, não pode ser. Isto não devia ter acontecido e não pode voltar a acontecer.
- Porquê minha querida? Diz-me porquê?
- Não sei, estou muito confusa, só sei que está errado. Não faz sentido e não era nada disto que eu tinha em mente quando aceitei o teu convite.
- Eu sei Rute. Aliás fizeste questão de mo dizer várias vezes.
- Por isso mesmo. Mas como é que isto foi acontecer? Não podia, meu amigo, não podia.
- Mas aconteceu, e não foi programado, foi tudo tão espontâneo. Não fomos nós que quisemos, foram os nossos corações que obrigaram. Pensa nisso Rute.
- Não sei. Estou muito confusa.
- Mas diz-me com franqueza, não gostaste? Estás arrependida?
- Pois é isso que me confunde. Gostei e não me arrependo nada, mas também sei que não podia ter acontecido, e não sei porque foi mesmo acontecer.
- Porquê ? Muito simplesmente porque há muito que sentimos atracção um pelo outro, uma atracção que não é de agora mas que o romantismo da serra fez que se manifestasse neste beijo. Não há volta a dar Rute, nós desejamo-nos, e estamos a aproximarmo-nos um do outro. Estou enganado?
Rute não respondeu e ofereceu de novo a boca a Rui unindo-se de novo num beijo ainda mais ardente e prolongado. Todas as suas defesas cairam por terra e sentia que não era já capaz de dizer que não. Apesar disso ainda conseguiu protestar.
- Outra vez não, Rui. Vamos embora , não quero continuar aqui mais tempo.
- Embora? Mas ainda nos falta ir ao ponto mais alto da serra …
- Não, não quero ir. Quero ir-me embora. Por favor leva-me daqui.
- Mas já falta pouco, estamos quase lá. É uma pena chegarmos aqui e não atingirmos o cume. Vais ver que não te vais arrepender.
Rute acabou por aceder. Ela por um lado receava o que poderia ainda vir a acontecer, mas por outro tinha uma vontade enorme de continuar ao lado de Rui. Caminharam vagarosamente até ao alto. Uma vez lá chegados subiram o penhasco e a peanha onde em tempos estivera a cruz de ferro. Era soberbo o panorama que tinham pela frente. Num plano inferior tinham o palácio da Pena, estranho e majestoso; em frente a montanha coberta pela floresta em declive até ao litoral e do outrolado a vastidão da planície a estender-se ante os seus olhos, arregalados perante a beleza e a vastidão da paisagem. Uma planície que outrora fora uma seara imensa com as espigas de trigo dourado a ondularem ao sabor do vento, e hoje, infelizmente inundada pelo betão.
- Um crime – disse Rui em voz baixa falando consigo próprio.
Mais adiante o Tejo termina o seu longo percurso abandonando-se nos braços do oceano, e ainda mais ao longe, a serra da Arrábida, também ela de uma beleza invulgar. Rute e Rui permaneceram longos minutos silenciosos a contemplar a paisagem delumbrante que tinham à sua frente, enquanto enchiam os pulmões com aquele ar leve e fresco característico dos locais mais elevados. Ao fim de algum tempo olharam-se abriram os braços como se quisessem abraçar tanta beleza e em uníssono soltaram com quanto força tinham, um grito que ecoou pelos ares e assustou a passarada que de imediato levantou voo das ramadas onde tinha procurado abrigo. Depois trocaram um olhar travesso e desataram a rir como dois loucos só acabando quando as suas bocas se uniram de novo num beijo cheio de paixão, trocado bem lá no alto da serra com o mundo estendido a seus pés.
CAPÍTULO V
O REGRESSO
Sem terem bem a noção do tempo que estiveram na Cruz Alta e ainda embriagados pela beleza da paisagem e da magia dos momentos que ali passaram, Rute e Rui iniciaram, abraçados, a descida do monte em direcção ao portão de saída do parque, não sem antes pararem em frente de um enorme penhasco granítico que serve de suporte à estátua do Gigante e passarem pelo antigo picadeiro do palácio que nos tempos da monarquia serviu de palco a algumas touradas reais. Sentaram-se na esplanada para descansarem um pouco enquanto iam saboreando um aromático café à sombra do arvororedo frondoso, acompanhados pelo canto melodioso e alegre da passarada que evoluia no ar em graciosos voos em redor das árvores. Sentiam-se ali bem e desejaram poder permanecer ali para sempre, mas as horas voavam e impunha-se regressar. Foi assim, com enlevo e sempre de mão dada, que retomaram o caminho da saída.
Cansados mas felizes, esquecidos de tudo o que haviam deixado lá em baixo algumas horas antes e a viver aqueles momentos como se não existisse mais ninguém no mundo para além deles, entraram no carro e recostaram-se displicentemente nos bancos, a saborear em silêncio aqueles momentos de felicidade e encanto.
- E agora onde vamos?- Perguntou Rui.
- Para casa. Quero ir para casa pensar em tudo o que aconteceu esta manhã e pôr as minhas ideias em ordem. A minha cabeça está uma confusão.
- Mas há ainda tanta coisa linda para ver nesta serra…
- Rui, o mundo não acaba hoje. Outro dia voltaremos aqui para visitar o castelo.
- E o Convento dos Capuchos, o Palácio de Monserrate e a Quinta da Regaleira. Pode ser?
- Fica prometido.
- E quando queres ir conhecer a minha casa? É nas Azenhas do Mar, uma moradia rústica bem ao estilo saloio, junto às arribas, frente ao mar e com um permanente cheiro a maresia e o ar puro a invadir-nos os pulmões. Vais gostar, tenho a certeza.
- Vou gostar? Falas como se tivesses a certeza que vou.
- E não vais?
- Não sei. Como te disse a minha cabeça parece um vulcão, preciso de pensar muito, com calma e muita ponderação.
- Mas será possível que admitas sequer a possibilidade de que tudo o que vivemos aqui esta manhã se perca e se venha a esfumar no tempo como se nada tivesse acontecido?
- Não, claro que não. Esta manhã existiu e existirá sempre na minha memória, quanto mais não seja como uma recordação agradável de de uma horas mágicas vividas num cenário de sonho numa companhia encantadora. Ficará para sempre a ternura dos nossos beijos e a certeza de que gostamos de estar um com o outro.
-E nada mais? Que posso fazer para que estas horas se transformem em algo mais do que uma agradável recordação?
- Muito mais, meu querido, foi bonito mas é preciso muito mais.
Rui debruçou-se sobre ela e voltou a beijá-la ternamente. Rute correspondeu rendida ao beijo que se ia tornando mais intenso à medida que o desejo se ia apoderamndo deles mais intensamente. A mão de Rui deslizou sobre o peito da sua parceira sem que ela esboçasse qualquer resistência. Animado pela passividade de Rute ele introduziu a mão por debaixo da tishirt até lhe tocar os seios que, firmes e em liberdade, se lhe ofereciam como uma dádiva a que era impossível resistir. Começou a acariciá-los suave e delicamente para de seguida intensificar as carícias à medida que sentia os mamilos da rapariga endurecerem rápidamente. Rute reclinara-se no banco e fechara os olhos num inequívico sinal do prazer que a estava a invadir nesse momento. Não tardou muito a sentir a outra mão pousar sobre as coxas que ela deixara generosamente destapadas pela saia curta e pela forma descuidada como se sentara. Continuou a não reagir até a sentir já debaixo da saia reduzida e a aproximar-se rápidamente de locais que ela não estava disposta a deixar invadir. Abriu os olhos, e num gesto brusco retirou a mão de Rui das suas pernas e dizendo-lha numa voz que petendia parecer zangada:
- Não, isso não, já to tinha pedido. Tu prometeste.
- Mas porquê minha querida? – Perguntou ele surpreendido com a reacção da rapariga.
- Porque não quero Rui, ou melhor, porque não devo. Temos que parar por aqui, imediatamente – Disse ela enquanto se tentava libertar dos braços de Rui que a apertavam contra ele.
- Não compreendo. Desculpa mas não te compreendo. Parecia que estavas a gostar e te estavas a sentir bem. Não estiveste a brincar comigo, uma vez mais, pois não?
- Lamento essa pergunta que demonstra que não percebeste nada do que se passou aqui esta manhã e que também não percebes que tudo tem um tempo certo na vida de uma pessoa, e que este não é ainda o tempo para irmos mais além do que já fomos hoje. Pensaste que eu estava a gostar, e estava, mesmo muito para que saibas. Brincar? Pensarás porventura que brinco a beijar o primeiro homem com que me cruzo. Desculpa mas ofendeste-me profundamente. Que pensas tu de mim?
- Desculpa, não queria ofender-te, mas fiquei confuso. Parecia estar tudo a correr tão bem!
- E estava, mas tu apressaste-te, não foste suficientemente paciente. Como te disse tudo tem um tempo certo para acontecer. Quando as árvores florescem na Primavera ficas fascinados com a sua beleza, mas elas não te oferecem logo os frutos para saboreares. Tens que esperar mais algum tempo até que isso venha a acontecer. É a lei da natureza, que é perfeita e com a qual temos muito que aprender.
- E quando chegará esse tempo?
- Não sei, nem sei sequer se chegará. Como sabes o fruto só amadurece se encontrar as condições climatéricas adequadas ao seu crescimento. Se chover demasiado ou gear, o fruto apodrece ou queima, cai da árvore antes da apanha e nunca será saboreado.
- E tu és o fruto…
- Que tu queres saborear, não é? Então espera e trata bem da árvore, enquanto isso extasia-te a contemplar a flôr e vai deixando que o fruto se desenvolva até te cair nas mãos, grande, maduro e doce…muito doce.
- Então esta manhã…
- Esta manhã foi perfeita, fantástica, inesquecível. Esta manhã fez nascer a flôr, deixemos agora que ela se abra e desenvolva e gozemos o encanto que nos proporciona. Gosto de ti Rui, conquistaste-me em pouco mais de 3 horas, mas daí a ir para a cama contigo ainda vai uma grande distância. Contempla a flôr, cheira-a, acaricia-a mas não a destruas. Se a tratares com delicadeza e amor, poderás vir a ter o fruto que tanto desejas.
- E como achas que devo tratar a flôr para que ela dê bom fruto?
- Com respeito. Essencialmente com respeito.
- Pensas que eu alguma vez eu poderia desrespeitar-te?
- Por enquanto não acho nada. Conhecemo-nos mal. O que se passou aqui hoje pode não passar de uma ilusão que a magia deste local ajudou a criar. Quando descermos à terra tudo poderá ser diferente. O que eu quero dizer, meu querido, é que é na rotina normal do dia a dia que nós teremos de avaliar os nossos sentimentos, os nossos comportamentos e tentar adivinhar as intenções alheias. É no convívio diário que nós poderemos avaliar a seriedade, o carácter e as intenções de outra pessoa. O que vivemos aqui hoje pode ter sido apenas ilusão, sonho, magia, encantamento. Será que tudo isto irá subsistir quando mergulharmos de novo na rotina do nosso dia a dia e no frenesim das nossas tarefas e obrigações profissionais e familiares? É isso que falta avaliar. Aqui é tudo lindo, tudo fácil, tudo deslumbrante, e lá em baixo, como será?
- Parece que te entendo. Já te apercebeste de quanto eu desejo saborear o fruto que nascerá desta flôr lindíssima que nasceu hoje no alto desta serra lindíssima, mas depois desta manhã penso que já quero mais do que isso, e comecei já a imaginar como deverá ser agradável ter-te a meu lado todos os dias, não apenas na minha cama mas também na minha vida.
Rute ficou estupefacta ao ouvir as últimas palavras do companheiro que lhe soaram quase a uma declaração de amor, embora ainda um pouco tímida. Ficou pensativa e não respondeu de imediato.
- Não dizes nada Rute? – pergunto ele ansioso por ouvir a resposta dela.
- Não acredito no amor à primeira vista, penso que já te disse isso. Por norma aquilo que julgamos ser amor não passa de um mero entusiasmo passageiro.
- Mas quem te disse que se trata de amor à primeira vista e não um amor que tem vindo a crescer secreta e silenciosamente sem que nós nos tenhamos apercebido e que agora se manifesta em toda a sua força, estimulado pelo romantismo que nos envolveu nestas últimas horas?
- Pode ser – concordou ela – mas temos que ter a certeza disso. Porém soube-me bem ouvir-te dizer que te começava a agradar a ideia me teres a teu lado na tua vida daqui para a frente. Talvez seja um promissor ponto de partida mas temos que ter a certeza de que é mesmo esse o futuro que desejamos para nós, para que não nos magoemos mais tarde, não concordas?
- Talvez tenhas razão.
- Rui, quero que percebas uma coisa. Já me magoei uma vez, não quero que isso volte a acontecer. Tudo farei para não voltar a viver os maus momentos que já vivi, e não sei se teria força interior para superar um novo fracasso. Se isso vier algum dia a repetir-se, não será certamente por ter sido imprudente ou por negligência mas apenas porque fui suficientemente inteligente para avaliar correctamente o futuro da relação.
- Queres contar-me?
- Hoje não. Estou demasiado feliz para recordar os maus momentos que me fizeram sofrer. Um dia contar-te-ei tudo. Vamos embora?
- Vamos, mas só depois de me dares mais um beijo.
Desta vez foi ela a aproximar os seus lábios dos dele e dez minutos mais tarde partiram finalmente.
- E se fossemos almoçar? Já passa das duas. Podemos ir à Azoia há lá um restaurante, que tem uns robalos da costa verdadeiramente divinais. Que achas.
- Como posso recusar uma refeição de deuses? Os beijos abriram-me o apetite, vamos embora. – disse ela com aquele sorriso irresistível que lhe é tão característico enquanto Rui punha o carro em andamento em direcção à Azoia, bem perto do ponto mais ocidental da Europa.
CAPÍTULO VI
…
Terminada a refeição e de novo sentados no automóvel, Rui perguntou:
- E agora queres ir conhecer a minha casa?
- Não, já disse que ainda é cedo.
- Mas sem passagem pelo quarto, prometo.
- Não. Ainda não. Como te disse preciso de estar sózinha e arrumar as minhas ideias que neste momento estão completamente baralhadas. E tu que vais fazer?
- Pôr as ideias em ordem também, e acrescentar mais algumas, poucas, páginas ao romance que há muito ando a tentar escrever.
- Romance? Explica lá isso melhor.
- Não te disse? Para além de jurista tenho também pretensões a romancista. Ando há mais de um ano a tentar escrever um. Já escrevi cerca de cinquenta paginas, como vês o romance avança a passo de caracol.
- E não estarás por acaso,a procurar uma nova personagem para o teu romance, assim do tipo mulher que se leva para a cama depois de uma breve passagem pela Pena – perguntou ela desconfiada.
Rui ficou atrapalhado. A última coisa que queria era fomentar a desconfiança na cabeça da amiga, que a acontecer poderia deitar a perder todo o trabalho feito até aqui. Apressou-se a sossegá-la:
- Pelo amor de Deus Rute, como podes pensar uma coisa dessas?
Ela não respondeu, mas a cara ensombrou-se-lhe e ficou pensativa e inquieta.
- Leva-me ao carro. Já estou atrasada – disse com alguma frieza na voz, após alguns minutos de silêncio.
Agora foi a vez de Rui permanecer calado. Também ele estava preocupado. Fizera mal em falar da sua veleidade literária. Se não a conseguisse convencer que ela era para ele mais do que uma possível personagem futura do seu livro, perde-la-ia para sempre. Tinha a certeza disso. Rute não era mulher para lhe perdoar essa traição.
O resto da viagem de regresso foi feito em silêncio total. Quando chegaram ao seu destino, Rui parou o carro e disse:
- Chegámos.
Rute abriu a porta e saíu despedindo-se friamente:
-Adeus, e obrigado pelo passeio.
- Nem um beijo de despedida?
- Já houve hoje beijos demais. Adeus.
Adeus! Rui, desanimado, viu Rute afastar-se, entrar no carro e partir disparada. Ia furiosa. Quando ela desapareceu, debruçou-se e deixou cair a cabeça sobre as mãos apoiadas no volante. Estava tudo perdido pensou ele não conseguindo evitar que uma lágrima mais rebelde se soltasse e rolasse pela face.
…
CAPÍTULO VII
AS DÚVIDAS DE RUTE
Ia a noite adiantada quando Rute, vencida pelo cansaço, resolveu ir para a cama embora soubesse que o mais provável seria não conseguir pregar olho até o dia nascer. Desde que saira do carro de Rui que a sua cabeça se assemelhava a um vulcão prestes a explodir, tal era a confusão em que ela se transformara. Invadida por um turbilhão de sentimentos contraditórios que lhe perturbavam a lucidez sentia-se completamente perdida e confusa, sem capacidade de raciocínio, sem saber bem o que pretendia e mais grave ainda, sem ter percebido o verdadeiro significado dos acontecimentos daquela manhã na serra e sem fazer a menor ideia das implicações que eles forçosamente iriam ter no futuro. Desorientada e com uma tremenda dor de cabeça Rute mergulhou na escuridão do quarto sem acender a luz, abriu as janelas de par em par, deixou-se envolver pela brisa quente e suave que vinha da rua e contemplou extasiada a beleza do luar que pintava de prata o céu estrelado. Estava uma esplêndida noite de Verão, cálida e serena, como poucas vezes se via em Sintra. Vestiu uma vaporosa camisa de noite, saíu para a varanda, sentou-se na cadeira de verga que ali estava e ficou a contemplar aquele céu deslumbrante deixando que o luar fizesse refulgir, no meio da noite, um par de pernas magnífico que a camisa de noite, curta e transparente, deixava esplendorosamente nuas.
Banhada pela resplandecência do luar que iluminava a noite, e sentindo a aragem morna e mansa a acariciar-lhe o corpo, Rute foi-se sentindo a pouco progressivamente mais serena e tranquil. A pouco e pouco a paz e a tranquilidade que se foi apoderando dela contribuiam para apaziguar os conflitos e as emoções descontroladas que há algumas horas atrás tinham tomado posse da sua cabeça. Mais calma fixou o olhar no brilho suave daquela enorme bola de prata que tinha à sua frente, e desejou ardentemente encontrar nela, uma tradicional aliada dos amantes, as respostas às suas dúvidas e hesitações. Esperava que a serenidade daquela noite prateada a ajudasse a arrumar as ideias e a compreender, finalmente, tudo aquilo que acontecera na véspera, porque agira da forma como o fez e quais os seus verdadeiros sentimentos para com aquele homem a quem, horas antes, estivera quase a entregar-se, um homem que ela mal conhecia e que, com a atitude de cavalheiro e alguns beijos carregados de ternura, fizera ruir toda a sua fortaleza. Sentia que agira como uma mulher fácil e oferecida, e procurava descobrir que diferença poderia haver entre o seu comportamento naquela manhã e o comportamento de uma vulgar prostituta. Apenas lhe ocorrera um argumento: não fizera nada a troco de dinheiro. Fizera-o então porquê? Era essa a resposta que ela tinha que encontrar urgentemente, era essa a chave de todo enigma em que, desde o dia anterior, se tornara a sua vida, e ela sabia que era imperioso encontr´-la rapidamente.
Onde estava a mulher decidida, segura, com uma personalidade forte mas também manipuladora e irreverente que ela pensava ser? Essa mulher segura e decidida derretera-se facilmente nos braços de um homem praticamente desconhecido, com o calor de alguns beijos trocados num local romântico ao som dos gorgeios da passarada que esvoaçava à sua volta, e sem esboçar sequer a mais pequena reacção. Apenas recusara o último passo que estivera, no entanto, muito perto de dar. Valeu-lhe Rui não se ter aproveitado da sua vulnerabilidade momentânea, porque se tivesse insistido teria decerto conseguido os seus intentos. Foi o cavalheirismo dele que a salvou. Ao pensar nisso Rute sentiu admiração e ternura pelo companheiro dessa manhã, e pela primeira vez nessa noite deixou que um leve sorriso lhe aflorasse aos lábios.
Na confusão de todos estes pensamentos e emoções e sempre com os olhos postos na Lua, Rute procurou na suavidade da sua luz a clarividência para compreender o que se estava a passar com ela e descobrir o caminho seguro que a levasse até à felicidade porque tanto ansiava. De repente pareceu-lhe vislumbrar na Lua um sorriso que ela interpretou como sendo de encorajamento. Aquele sorriso, imaginário, que julgara ter visto abrir-se na face da lua, saira afinal de dentro do seu coração e não era outra coisa senão a satisfação e o prazer que sentia ao pensar na perspectiva de poder vir a ser feliz ao lado do homem que a fizera sentir-se de novo mulher. Tinha acabado de se fazer luz na sua mente e de chegar à conclusão que fora uma perfeita idiota ao terminar o seu passeio com Rui da forma injusta e intempestiva como o fizera. Afinal toda a indecisão e sofrimento que acabara de viver nas últimas horas foram completamente injustificados. O homem que ela agora sabia que amava e que queria perto de si para sempre, tinha-a respeitado, sentira isso na foma como a beijara e acariciara e teria sido, talvez, esse o motivo que a levou a corresponder aos beijos sem esboçar qualquer reacção. Rui, percebera agora, tinha-lhe dado a maior prova de amor que ela podia pedir, parara quando ela que pediu que o fizesse e fê-lo sabendo perfeitamente que se insistisse um pouco mais conseguiria dela tudo aquilo que desejava.
Eufórica, Rute levantou-se, beijou a palma da mão e soprou o beijo em direcção à enorme bola de prata que lhe sorrira, lhe banhara o corpo com a sua luz suave e lhe sossegara a alma com a sua serenidade. Alijada dos medos e dúvidas recentes, sentiu-se tão leve que lhe apeteceu voar. Despiu a camisa de noite que lançou ao ar, levantou os braços, rodopiou sobre si própria e completamente nua ensaiou uns graciosos passos de dança. Nunca fizera isso em toda a sua vida, mas tinha acabado de nascer ali uma nova Rute. Sentiu um prazer imenso ao sentir o corpo ser envolvido pela aragem morna da noite enquanto o luar esplendoroso banhava a nudez do corpo soberbo que ansiava entregar-se à volupia dos beijos e abraços de Rui e deixá-lo descobrir todos os segredos que encerra em si.
Aquela que prometia ser uma noite de pesadelo transformara-se por obra e graça de um sorriso adivinhado numa bola de luz, numa noite de magia e felicidade. Rute, completamente transfigurada, entrou no quarto deixou-se cair sobre a cama e adormeceu tranquilamente com um sorriso nos lábios completamente nua e iluminada pela luz mansa que a Lua fazia incidir sobre a ela. .
EPÍLOGO
- Boa tarde Joana. – Disse Rui ao entrar em casa saudando a empregada que há muitos anos o aturava com complacência.
- Boa tarde senhor doutor. Hoje chegou mais cedo. – Respondeu sorridente a mulher.
- É verdade, tenho trabalho para fazer e vou fechar-me no escritório. Se quiser pode ir para casa que eu cá arranjo qualquer coisa para comer. Não tenho muita fome hoje.
- Não diga isso. O jantarinho está preparado, é só aquecer. Fiz-lhe um petisco que o senhor doutor aprecia muito: galinha de cabidela, que me diz?
- Digo-te que provavelmente hoje não vou jantar, mas obrigado na mesma, tu estragas-me com mimos. Mas deixa lá que a cabidela não se estraga, se não fôr hoje como-a amanhã. Mas vai, Joana, hoje não preciso mais de ti. Dá lá um abraço ao teu marido. A propósito, como está ele? Há dias que não vejo.
- Cada vez mais resingão. Só eu é que tenho paciência para o aturar. Mas foi aquilo que me saíu na rifa, que hei-de eu fazer?
- Deixa-te disso mulher. Vocês não podem passar um sem o outro, e tu ao que sei também não és nenhuma santa.
- Ah! Ah! – riu Joana com gosto – Quer dizer que o safado já andou a fazer-lhe queixinhas.
- Vai, vai lá ter com ele. Até amanhã, Joana.
- Até amanhã sr. doutor. Não trabalhe até muito tarde. Tenha cuidado com a saúde, a vida não é só trabalho e o descanso é muito importante para o bem estar do corpo e do espírito também.
- Não te preocupes, eu sei cuidar-me. Mas obrigado pelo cuidado, és uma boa amiga. Que seria de mim sem ti, Joana?
- Ora! Ora! O que o senhor doutor precisa é de arranjar uma mulher. Quer dizer mulheres o senhor doutor arranja, mas eu estou a falar de uma companheira, uma mulher que esteja sempre ao seu lado.
- Que sabes tu das mulheres que dizes que eu arranjo, mulher?
- Senhor doutor…eu sou saloia mas não sou parva. Eu bem noto o perfume que por vezes paira nesta casa de manhã quando chego. Há sinais delas por todo o lado, mas faz bem senhor doutor, goze a vida enquanto pode, porque isso não se gasta com o uso, desaparece é com os anos.
Rui não conseguiu conter umasonoras gargalhada e replicou:
- Só tu, Joana, para me fazeres rir hoje. Mas diz-me, que sabes tu disso, mulher?
- Experiência própria, senhor doutor, experiência própria. Então até amanhã, e durma bem.
- Duvido muito. Até amanhã, Joana.
Quando Joana saíu Rui sentou-se no sofá e ficou imóvel durante muito tempo, preocupado e confuso. A recordação daquela manhã passada com Rute na serra e o almoço na Azoia pusera-o nas nuvens, mas a despedida intempestiva da rapariga sem descortinar o motivo que justificasse aquela atitude estava a confundi-lo. Afinal que mulher era ela? Aquela rapariga meiga e carente que estivera nos seus braços e que percorrera o Parque da Pena de mão dada com ele, ou aquela mulher mal humurada e imprevisível que se saira furiosa do seu carro. Que mulher seria ela afinal?
Rui lamentou não lhe ter ficado com o contacto dela, não sabia o número de telefone, a morada e nem sequer o nome completo. Sentia uma necessidade premente de falar com ela para tentar compreender os motivos que a levaram a enfurecer-se e esclarecer qualquer mal-entendido que a possa ter levado a reagir daquela forma, mas não tinha qualuer possibilidade de o fazer e esse facto deixava-o desesperado. Gostava demasiado daquela mulher para pensar sequer em dormir sabendo que havia algo que estava a separá-los. O fim-de-semana iria ser um tormento para ele, porque só na segunda-feira iria ter possibilidade de falar com ela no colégio e então tentar esclarecer todas as dúvidas que pudessem ter surgido na sua cabeça. Na certeza que de momento nada mais poderia fazer, encerrou-se no escritório e tentou acrescentar mais algumas páginas ao seu romance. A cabeça fervia-lhe e inesperadamente as ideias começaram a surgir-lhe em catadupa, o que fez que em pouco tempo tivesse já escrito uma série de páginas. Embalado pela inspiração, e talvez pelo desespero, continuou noite fora até que o cansaço acabou por ser mais forte do que ele. Arrasado física e emocionalmente decidiu deitar-se acabando por adormecer rápidamente tal o estado de exaustão a que chegara. Já passava das 5 horas da manhã.
…
Com o toque insistente da campainha da porta Rui acordou sobressaltado, olhou para o relógio e foi com surpresa que constactou que pouco faltava já para o meio-dia. O sol, radioso, inundava o quarto com os raios que entravam pela janela que ficara aberta todava noite. Entretanto a campainha da porta continuava a tocar. Contrariado, levantou-se e foi, cambaçeante e ainda a esfregar os olhos que se dispôs a ir ver quem tivera a ousadia de o acordar àquela hora da “madrugada”. Aquela ideia de chamar madrugada ao meio-dia fê-lo sorrir e foi com um leve sorriso nos lábios que abriu a porta e nem queria acreditar naquilo que os seus olhos estvam a vêr. Rute estava ali na sua frente, sorridente e linda como sempre. Uma mini-saia bem curta deixava à mostar aquelas pernas de sonho que ele acaricara na véspera. Ainda estupefacto voltou a esfregar os olhos para se certificar que estava bem acordado. Não havia dúvidas era mesmo ela, a sua Rute que estava ali, radiosa à sua frente. Sem dizer palavra e sem dar tempo a que a rapariga falasse apertou-a nos braços e beijou-a apaixonadamente. Rute correspondeu com prazer ao beijo, tão intempestivo como inesperado. Ficaram ali longos minutos com as bocas coladas e os corações em alvoroço.
- Desculpa Rui – acabou ela por dizer quando conseguiu que as bocas se afastassem um pouco – desculpa o meu comportamente de ontem. Fui uma idiota.
- Chiu. Não digas nada. Estás aqui, é quanto basta.
- Não sei explicar o que me passou pela cabeça, de repente fiquei com medo.
- Medo? De quê, minha querida?
- De que me estivesses a usar e eu acabasse por me magoar de novo.
- Não te hei-de magoar nunca. Nunca faria sofrer a mulher que amo, e eu amo-te Rute. Pode parecer-te estranho, ou podes mesmo desconfiar, dum amor assim tão rápido. Poderás mesmo dizer que não acreditas em amores à primeira vista, mas a verdade é que te amo, e muito. Não é uma amor nascido ontem, mas um sentimento que tem vindo a germinar desde que me cruzo contigo diáriamente no colégio, como uma semente que se vai desenvolvendo no interior da terra sem que ninguém se aperceba disso. O nosso encontro de ontem apena o fez romper a terra e aparecer à luz do dia.
- Não duvido, meu amor, não duvido um só instante, porque também eu me apercebi na noite passada que há muito eu sentia alguma coisa por ti. Hoje sei que é amor. Eu amo-te Rui.
As duas bocas uniram-se de novo e foi assim, abraçados, que Rui a puxou para dentro de casa fechando a porta de seguida.
- Mas diz, meu amor, como me descobriste? Como descobriste a minha casa? Não sabias a morada, julgo eu.
- Não, não sabia, mas disseste-me ontem que moravas nas Azenhas do Mar. Não é uma terra grande e pensei que não fosse difícil encontrar-te perguntando nos cafés se te conheciam. Com o nome e a profissão não foi difícil. Tive ocasião de constactar que és muito conhecido nas Azenhas.
- Moro cá há muitos anos e gosto de conviver com as pessoas.
- Passei umas horas horríveis depois de te ter deixado no adro da igreja. Era noite alta quando consegui adormecer. Meditei muito e com a ajuda da lua e de um luar de sonho consegui decifrar o que sentia por ti. Como não tinha o teu número de telefone e porque tinha urgência em esclarecer tudo contigo, resolvi vir hoje mesmo procurar-te, e aqui estou.
- E nem sabes quanto isso me faz feliz. Estava ansioso que chegasse a próxima segunda-feira para te encontrar no colégio e falar contigo. Se soubesse a tua morada já tinha ido bater-te à porta.
- O que importa é que agora temos oportunidade de eslarecer todas as nossas dúvidas.
- Mas eu não tenho dúvidas Rute. Pode parecer prematuro mas tenho a certeza que te amo e que te quero a meu lado em todos os momentos da minha vida.
-Teremos tempo para falarmos sobre isso. O que pensas fazer hoje? Está um dia lindo.
-Que tal almoçarmos. Tenho ali um arroz de cabidela que deve estar divino. A Joana fá-lo como ninguém. Cozinhou-o para o meu jantar de ontem, mas estava sem fome e nem lhe toquei.
- A Joana?
-Ah! A Joana é a senhora que trata da minha casa há já muitos anos. É uma excelente pessoa e muito dedicada.
- Então vamos lá atirar-nos à cabidela da senhora Joana.
- E depois um passeio pela falésia e ao entardecer podemos contemplar o pôr-do-sol enquanto damos uns mergulhos aqui na piscina. Que achas?
- Acho perfeito.
- Dormes cá?
- Durmo, mas num quarto separado se não te importas.
- Num quarto separado? Porquê Rute?
- Não nos apressemos. Vamos dar os passos lentamente e mas com segurança. Gostaria que tudo acontecesse no tempo certo e com a certeza de que é isso mesmo que queremos. Se o fizermos teremos mais possibilidades de sermos felizes e de não nos magoarmos. Assim gostaria de passar o fim de semana contigo aqui na tua casa, mas sem partilharmos a mesma cama. Por enquanto.
- Como queiras. Farei tudo o que quiseres.
O fim-de-semana foi fantástico para os dois. Outros fins de semana se sucederam, umas vezes na companhia da filha de Rute, outras sózinhos, quando ela ia para junto do pai. A cumplicidade entre eles foi crescendo e já não podiam passar um sem o outro. Chegou a altura de decidirem o que queriam para o seu futuro e finalmente Rute acabou por se deitar na mesma cama que o namorado. No dia em que resolveram passar a viver juntos nacasa das Azenhas do Mar, bem junto ao mar, com cheiro da maresia a invadir a casa e o som das ondas em fúria a atiraram-se contra os rochedos lá bem no fundo da falésia.
FIM
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Ministério da Poesia/Aforismo | UMA NOITE NA CIDADE | 0 | 1.596 | 11/19/2010 - 18:10 | Português | |
Ministério da Poesia/Geral | NAS ASAS DO SONHO | 0 | 1.650 | 11/19/2010 - 18:10 | Português | |
Ministério da Poesia/Aforismo | A OBRA-PRIMA | 0 | 1.640 | 11/19/2010 - 18:09 | Português | |
Ministério da Poesia/Aforismo | ESTOU TRISTE | 0 | 1.511 | 11/19/2010 - 18:09 | Português | |
Ministério da Poesia/Aforismo | O BANCO, A MUSA, O BALOIÇO E A NUVEM. | 0 | 1.899 | 11/19/2010 - 18:09 | Português | |
Ministério da Poesia/Paixão | SENTI-TE | 0 | 1.595 | 11/19/2010 - 18:08 | Português | |
Ministério da Poesia/Fantasia | UM SONHO, UM MANTO, UM FIO DE PRATA E UM COLAR DE MISSANGAS | 0 | 1.589 | 11/19/2010 - 18:08 | Português | |
Ministério da Poesia/Aforismo | ÉDOMINGO | 0 | 1.572 | 11/19/2010 - 18:08 | Português | |
Ministério da Poesia/Amor | A CIDADE, O POEMA E AS NUVENS BRANCAS | 0 | 1.558 | 11/19/2010 - 18:08 | Português | |
Ministério da Poesia/Aforismo | A MULHER E A FLOR | 0 | 1.519 | 11/19/2010 - 18:08 | Português | |
Ministério da Poesia/Aforismo | DEUSA NUA | 0 | 2.228 | 11/19/2010 - 18:08 | Português | |
Ministério da Poesia/Aforismo | LÁGRIMAS | 0 | 1.820 | 11/19/2010 - 18:08 | Português | |
Ministério da Poesia/Aforismo | A AUSÊNCIA OU A DISTÂNCIA | 0 | 1.774 | 11/19/2010 - 18:08 | Português | |
Ministério da Poesia/Aforismo | DEVANEIO | 0 | 1.767 | 11/19/2010 - 18:08 | Português | |
Ministério da Poesia/Fantasia | A VIDA É UM SONHO | 0 | 1.427 | 11/19/2010 - 18:06 | Português | |
Ministério da Poesia/Amor | CINQUENTA ANOS MAIS TARDE | 0 | 1.652 | 11/19/2010 - 18:06 | Português | |
Ministério da Poesia/Tristeza | QUANDO O FAROL SE APAGOU | 0 | 1.670 | 11/19/2010 - 18:06 | Português | |
Ministério da Poesia/Amor | CINQUENTA ANOS MAIS TARDE | 0 | 1.694 | 11/19/2010 - 18:06 | Português | |
Ministério da Poesia/Aforismo | OS POETAS NUNCA MORREM | 0 | 1.656 | 11/19/2010 - 18:06 | Português | |
Ministério da Poesia/Aforismo | SER POETA | 0 | 1.334 | 11/19/2010 - 18:06 | Português | |
Ministério da Poesia/Aforismo | SINTRA | 0 | 1.803 | 11/19/2010 - 18:06 | Português |
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