Saltos inquietos

Saltos inquietos andam pela casa em passo ritmado de quem finge estar ocupado.
A mão vagueia pelas pedras que ornamentam o pescoço, distraída em pensamentos que afloram a pele... De minutos a minutos percorre o pescoço desnudo e compõe os cabelos que caem como cascata na nuca.
O calor é imenso, ainda que em horas tardias. Um sol nocturno eclode e extravasa a camisa de cetim negro que me cobre o corpo, preencho de luz todos os espaços físicos e mal iluminados.
Impaciência...
Desejo...
Espera...
Desassossego...
Suspiro em chaise longue, sapatos cruzados que não querem repousar e teimam em ficar. Na verdade, há muito estariam largados no chão, isto é, se fossem retirados por outras mãos. Resistem, mas rapidamente se entregariam ao domínio de quem os consiga domar. Temperamentais ora dificultam o acesso ora instigam a proximidade. O desejo tem uma fórmula secreta e nem todos brilhámos nas aulas de química.
A cabeça encostada articula ideias que transpiram, escorrem como gotas arrepiando a pele, obrigam ao movimento. Inquietude em horas que calam os gemidos que se querem gritados.
É verdade! Tantas vezes amordaçamos os nossos saltos, diminuímos a amplitude dos seus desejos, guardamo-los em caixas, colocamo-los em armários de coleccionador.
Armários de coleccionador... Ver, mas não tocar. Tocar, mas não sentir.
Inquietude...
Apetite...
Prazo marcado...
Perturbação...
Num salto descontente, com a demência a encharcar o corpo, caminham ferozes rumo à saída. Querem pisar a terra, correr no relvado regado... Sim, querem sujar-se.
As mãos passeiam ociosas nos ramos das árvores, perdem-se nos troncos... De minutos a minutos acariciam as folhas, levam-nas ao rosto, roçam-nas no pescoço.
A dor cresce no centro obscuro, faz arquear o corpo e abre-o na procura de uma resposta que não chega. Silêncio no lugar do suspiro arfante. O ar ocupa o espaço, mas não faz sentir a sua presença.
Frenesi...
Vontade...
Concessão de tempo...
Agitação...
Sem descalçar os sapatos enlameados, sem despir o cetim, ofendido pelos espinhos da roseira, numa escuridão ofuscada pela própria luz, o delírio começa em toques subtis e na enumeração dos pontos: rosto, pescoço, peito, seio, barriga, coxa, tornozelo, pé... Desenho uma linha recta imaginária, os pontos mais distantes contraem-se no desejo da disformidade da linha. Puxam-na para o centro rijo e liquefeito, desviam-na a cada passagem, ganhando cada centímetro de pele.
Costas semi-nuas numa parede de jardim, fruto carnal cativa atenção, vontade dominadora que suplica por derrota... Vitória, vitória...
Saltos inquietos rumam a casa em passos cambaleantes que fingem tremer de frio... 

 

Publicado no blog "Olhar Joana" e na PEAPAZ 

Submited by

Thursday, July 7, 2011 - 21:56

Prosas :

No votes yet

Ema Moura

Ema Moura's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 5 years 41 weeks ago
Joined: 03/15/2011
Posts:
Points: 317

Add comment

Login to post comments

other contents of Ema Moura

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Ministério da Poesia/Love Nada mais (nona carta) 0 1.687 09/22/2014 - 17:54 Portuguese
Prosas/Contos «Pele...» 0 1.792 09/22/2014 - 17:52 Portuguese
Prosas/Erotic Proposta 0 1.910 09/22/2014 - 17:50 Portuguese
Poesia/Thoughts Confissões de um conquistador 0 1.794 09/22/2014 - 17:47 Portuguese
Poesia/Thoughts Pintura introspectiva 0 1.700 09/20/2014 - 10:19 Portuguese
Poesia/Thoughts Silencia o teu amor 0 1.476 09/20/2014 - 10:17 Portuguese
Prosas/Thoughts Monólogo da memória 0 1.453 09/20/2014 - 10:15 Portuguese
Poesia/Passion Obsessão 0 1.676 09/20/2014 - 10:10 Portuguese
Poesia/Erotic Tortura, anseio... 1 1.624 01/27/2013 - 21:47 Portuguese
Prosas/Contos Inspira, relaxa e divaga... Suspira! 2 1.654 01/27/2013 - 16:40 Portuguese
Prosas/Erotic Outra vez! 2 2.393 01/27/2013 - 16:36 Portuguese
Poesia/Passion Quero-te outra vez... 0 1.441 01/27/2013 - 16:08 Portuguese
Poesia/Love Ouve-me 1 1.580 01/27/2013 - 15:50 Portuguese
Poesia/Erotic Amarro-te! 3 2.671 01/27/2013 - 15:45 Portuguese
Poesia/Meditation Ofélia 0 1.441 01/12/2013 - 22:34 Portuguese
Prosas/Contos Brilho 0 2.015 01/12/2013 - 22:20 Portuguese
Prosas/Contos Esculpidos na pedra 0 1.719 01/12/2013 - 22:15 Portuguese
Poesia/Love Espero 0 1.889 01/12/2013 - 22:10 Portuguese
Prosas/Romance Hoje, o céu é meu... 0 1.874 08/11/2011 - 13:09 Portuguese
Poesia/Meditation Saudade poética 2 1.773 07/09/2011 - 01:59 Portuguese
Prosas/Erotic O desejo é muito mais que um brilho no olhar... 0 1.822 07/07/2011 - 22:17 Portuguese
Prosas/Erotic Tortura 0 1.634 07/07/2011 - 22:13 Portuguese
Prosas/Thoughts Hoje 0 1.808 07/07/2011 - 22:06 Portuguese
Prosas/Erotic «Surpresa. Hoje é dia de pagamento!» 0 1.877 07/07/2011 - 21:59 Portuguese
Prosas/Erotic Saltos inquietos 0 1.768 07/07/2011 - 21:56 Portuguese