Autópsia (ou o suicídio noutro corpo)
Rasgo-te a carne,
Pedaço a pedaço.
Com espaço,
Com tempo,
O sangue ainda fervendo,
E com muito de engenho e arte
(Fazendo uso da força que tenho),
Um osso que parte.
Arranco-te um braço
As vísceras
E o baço.
- faço um compasso -
Acendo um cigarro,
Rasgo-te à mão,
Com um cutelo que agarro,
Corto um tendão.
Abro-te o peito,
Espreito lá dentro
E no lugar do sentimento,
Mirra um coração.
Desço no teu peito rasgado,
E apago o cigarro
Num pulmão.
- já não há aguardente -
Agora o estilete:
Rasgo-te a carne,
Retiro-te a face,
Arranco-te um dente.
Tiro-te a expressão
(É bom rasgar-te à mão).
Jogo-te álcool
Sem motivação,
Encontro algo mole
(não, não é o coração).
- Acendo outro cigarro -
Sem melhor resultado
Pego num machado,
Está feita a divisão.
Rasgo-te a carne
Sem ponta de saudade,
Nem pingo de compaixão.
Como o teu crânio não abre,
Vou buscar uma punção.
Tenho é que sair daí de dentro...
Deixar de ser tormento,
Invasão.
- Acendo outro cigarro -
Perguntam-me que faço eu...
Se não te consigo tirar do meu pensamento
Tento arrancar-me a mim do teu!
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Comments
Poema nota máxima - Meus Parabéns!
Meu caro, este poema faz correr pela minha cabeça mil imagens desconexas.
Digo isto porque nunca me tinha ocorrido que um amor pudesse ser desmembrado
desta forma, mas é verdade que pode e prova está aí.
Aí há uma hora atrás tomei conhecimento dele através do comentário anterior que apareceu na capa do site. Li e fiquei a digeri-lo por um bom pedaço (salvo seja... rss). Sim, a boa poesia não deve ser apenas lida, mas relida e contemplada.
Cada vez mais que convenço que o poder criativo não vai autorizar a estagnação da poesia - pese embora os muitos textos que nada acrescentam e que tanto a prejudicam.
Acerca deste poema, poderiam ser escritos estudos e variadas observações, que não posso fazer por não ter competencia para tal.
Como mero observador do fenómeno poético (e aqui e ali criador) compete-me elogiar quando as palavras casam com a minha sensibilidade - o que aqui acontece.
Para terminar, direi que acho que Edgar Allan Poe também gostaria de lê-lo e que só por ele valeu a pena vir hoje até este site.
Envio um grande abraç0o!
Abilio Henriques
"o poder criativo não vai
"o poder criativo não vai autorizar a estagnação da poesia"
acredito piamente nisso, Abilio... não pela parte que me toca, mas pelo facto daquilo que a poesia é: sentimento. Enquanto houver sentimento (e isso, que me desculpem os mais cépticos), não perecerá nunca, a poesia nunca estagnará!
De resto, o que se desmembra aqui não é o amor, antes o seu "portador", por não se o poder ter... porque o amor sentido quando não faz sentido senti-lo, não devia ter razão de ser, não é? hehehe é o velho dilema.
Abraço e obrigado pelo comentário (ah!, gostei da referência a Edgar Allan Poe) :))))))
Brutal
tanto talento, estou sem palavras, e olha que é dificil eu ficar sem palavras...
talento... dava um bom
talento... dava um bom talhante, eu sei! :))))))))
obrigado Filomena,
Um beijo
"Autópsia (ou o suicídio
"Autópsia (ou o suicídio noutro corpo) "
Ambos consistem na descrição do teu poema de ricos detalhes
onde o folego é roubado a cada palavra lida
Oscilação entre a dor e o amor
...
"... Suicidio noutro corpo"
Homicida dos sentimentos
Genocida da esperança
...
Abraços da StarGirl ( Espero continuar me contemplando de tão belos poemas)
Obrigado pelas palavras
Obrigado pelas palavras StarGirl.
"mata-se" tanto , quando o que por vezes se quer mesmo, é "viver", não concordas? :)
Abraço,
Rui