Voltaire e o Iluminismo francês - Parte X - Considerações Finais

“... parei de morrer para vir visitar-vos”.

 


Enquanto acontecia a ascensão cada vez maior do Sentimentalismo de Rousseau, Voltaire desfrutava de uma tranquila maturidade em sua casa em Ferney.

Seu tempo era dividido entre o labor nos jardins, uma paixão perene, e o atendimento da multidão que diariamente o procurava em busca de conse-lhos, de ajuda material, de proteção contra injustiças e, principalmente, em busca de sabedoria.

A todos ele atendia e auxiliava na medida das possibilidades, sem qualquer ranço de proselitismo ou de hipócrita paternalismo.

Em paralelo, crescia ainda mais o seu prestígio pessoal e a sincera estima que o povo da França lhe dedicava.

Mas essa rotina prazerosa não foi suficiente para sufocar a inquietude característica de seu espírito e num certo dia ele decidiu rever Paris, mesmo contra a opinião unânime de seus médicos e familiares.

Assim, após uma longa e penosa viagem, chegou na “Cidade Luz”. E logo após o desembarque, visitou o seu amigo de infância, D´Argental, saudando-o com a célebre sentença, “parei de morrer para vir visitar-vos”, que passou à história graças à beleza poética que encerra.

No dia seguinte, seus aposentos foram tomados por um grande número de admiradores, ávidos por lhe prestar toda sorte de homenagens. Dentre esses, cita-se o grande Benjamim Franklin que fez ques-tão de apresentá-lo ao seu neto, como “uma das maiores inteligências que o mundo já viu”.

Porém, o seu corpo debilitado e ainda mais ressentido pela viagem desgastante, logo deu sinais de enfraquecimento e a sua saúde piorou de tal forma que até um padre foi chamado para tomar-lhe a “última confissão”.

É claro que ele logo despachou o religioso, recusando-se a atendê-lo. Todavia, os amigos fizeram nova tentativa e convocaram o Abade Gautier para a missão, mas quando este exigiu que ele assinasse um documento confessando-se católico, o novo fracasso se cristalizou e, desse modo, ele morreu sem receber a “extrema unção”. Seguramente, pouco se importando com isso.

Mas antes do fim extremo, ele foi à Academia Francesa onde recebeu solenes e sinceras homenagens e onde propôs uma reforma no Dicionário Francês, oferecendo-se para cuidar da revisão do capítulo abrangido pela letra “A”. Desnecessário narrar à comoção que isso causou.

Na verdade, a visita, em seu todo, foi um grande acontecimento que lotou as ruas de gente de todas as classes e crenças que buscavam a todo custo aproximar-se da carruagem que o transportava.

E além dessa visita, ele também compareceu ao teatro para assistir à representação de uma peça de sua autoria chamada “Irene” e, ali, foi novamente alvo de calorosa aclamação. Porém, ao retornar para a casa onde se hospedara, sentiu que a hora tinha chegado. A morte vencia até mesmo o grande Voltaire.

Então, em 30 de Maio 1778, apagou-se uma das luzes mais brilhantes de todos os tempos.

O Clero parisiense recusou-se a lhe dar um enterro cristão; porém, um grupo de seus amigos, colocou-o em uma carruagem e fingindo que ele ainda estava vivo, levaram-no para a cidade de Scelliéres, onde um padre mais inteligente havia compreendido a inaplicabilidade das medíocres e absurdas convenções sociais e regras teológicas em gênios daquela grandeza.

E, assim, seus restos mortais repousaram no cemitério local até que em 1791 a Assembleia Nacional da triunfante Revolução obrigou o rei Luis XVI a mandar que fosse feito o translado do corpo para o Panteão dos Heróis, em Paris.

O cortejo fúnebre foi escoltado por cerca de cem mil homens e mulheres, enquanto seiscentas mil pessoas saudavam-no das calçadas. Um féretro suntuoso, digno dos maiores benfeitores da França.

Em sua lápide escreveu-se apenas três palavras: “Aqui jaz Voltaire”, pois quaisquer outras seriam desnecessárias.

Na sequência, abordaremos o Sentimentalismo de Rosseau e esperamos contar com a honra de vossa leitura.

Rio de Janeiro, 02 de Outubro de 2014


Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Comunicação com o Público. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.

Submited by

Thursday, October 2, 2014 - 20:59

Prosas :

No votes yet

fabiovillela

fabiovillela's picture
Offline
Title: Moderador Poesia
Last seen: 7 years 50 weeks ago
Joined: 05/07/2009
Posts:
Points: 6158

Add comment

Login to post comments

other contents of fabiovillela

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Prosas/Others SOBREVIVENDO COM O CÂNCER - 1ª PARTE 0 1.213 11/18/2010 - 23:48 Portuguese
Prosas/Others SOBREVIVENDO COM O CÂNCER - 2ª PARTE 0 1.207 11/18/2010 - 23:48 Portuguese
Poesia/General Como Pandora 0 1.283 11/18/2010 - 16:42 Portuguese
Poesia/General Gringo Cucaracha 0 1.466 11/18/2010 - 16:42 Portuguese
Poesia/Dedicated Dezembro, 12 0 1.041 11/18/2010 - 16:42 Portuguese
Poesia/General Há de haver 0 940 11/18/2010 - 16:41 Portuguese
Poesia/Love Dizem de Pã e de Isadora 0 1.062 11/18/2010 - 16:27 Portuguese
Poesia/Love Dizem de Pã e de Isadora 0 983 11/18/2010 - 16:26 Portuguese
Poesia/Love Pós 0 687 11/18/2010 - 16:09 Portuguese
Poesia/Love Romance 0 1.598 11/18/2010 - 16:08 Portuguese
Poesia/General Filosofia sem Mistério - Dicionário Sintético 0 889 11/18/2010 - 16:01 Portuguese
Poesia/Love Poesia Morena 0 1.794 11/18/2010 - 15:25 Portuguese
Poesia/General Cultura de Almanaque 0 2.392 11/17/2010 - 23:58 Portuguese
Poesia/General O Sol e a Sereia 0 1.966 11/17/2010 - 23:54 Portuguese
Poesia/Sadness Morfina 0 3.197 11/17/2010 - 23:54 Portuguese
Poesia/Aphorism Cultivar 0 2.630 11/17/2010 - 23:54 Portuguese
Poesia/Sadness Hotéis 0 2.601 11/17/2010 - 23:53 Portuguese
Poesia/General Indigências 0 1.883 11/17/2010 - 23:51 Portuguese
Poesia/General Canário 0 1.451 11/17/2010 - 23:50 Portuguese
Poesia/General Faça-se 0 6.118 11/17/2010 - 23:50 Portuguese
Poesia/Sadness Febre 0 3.140 11/17/2010 - 23:50 Portuguese
Poesia/Love O Tarô e o Amor 0 1.787 11/17/2010 - 23:46 Portuguese
Poesia/Sonnet Soneto Leve 0 3.274 11/17/2010 - 23:46 Portuguese
Poesia/Love Brilho 0 4.135 11/17/2010 - 23:46 Portuguese
Poesia/General Escritas 0 2.536 11/17/2010 - 23:46 Portuguese