O senhor acabou com a vida da minha mãe
Era uma tarde de muito calor como é de praxe na cidade de Cáceres. Mas, os dois, deitados naquela cama, agora olhando o espelho no teto, não sentiam esse calor que fazia lá fora. Estavam usufruindo do ar condicionado daquele quarto alugado onde eles se encontravam uma vez por semana. Cristina, uma jovem mulher nos seus 27 anos mais parecia uma menina recém saída da juventude. Era muito formosa e esbelta, além de ser simpática e extrovertida. Otávio, um homem mais maduro sentia-se rejuvenescido todas as vezes que ficava com ela. Conversavam bastante depois do amor intenso que faziam. Ele trabalhava na prefeitura e fazia vistoria nas residências do município e foi em uma dessas visitas que ele conhecera a jovem Cristina. Quando se conhecera ela morava com um homem que tempos depois foi embora e ela não se importava com o seu paradeiro. Otávio quase nunca perguntava dele, não importava. Ela que relatava, algumas vezes, que o indivíduo tinha ido para o Pará em busca de trabalho e que, provavelmente nunca mais voltaria. Nesse dia, porém, Cristina estava mais silenciosa do que de costume e Otávio, ao notar isso indagou-lhe:
- Aconteceu alguma coisa?
- Tenho uma coisa que preciso te contar – disse ela virando-se para ele – mas não sei se vai gostar de saber.
O coração dele acelerou. Que coisa mais estranha. Era tão seguro de si e agora sentia essa sensação desconfortante no coração. O que seria de tão grave assim.
Levantou-se da cama enrolado na toalha e olhou para ela.
- Então diga minha flor. – Tentava disfarçar o desconforto que sentia no peito.
- Eu tenho um filho!
Não pode disfarçar a cara de espanto ao ouvir dela que tinha um filho. Ela não parecia nunca com uma mulher que tivesse filho. E, além disso, como não notara isso nesses mais de seis meses em que se encontravam pelo menos uma vez por semana naquele quarto?
- Na verdade é um adolescente! – ela sorriu ao concluir – o Matheus já vai fazer 12 anos.
Otávio ficou por um momento sem saber o que dizer. Tinha dentro de si um misto de admiração e surpresa. Não imaginava isso. Nunca. Em sua cabeça, Cristina era uma moça sem filhos.
- Quando vou conhecê-lo? – Indagou enfim.
- Não vai – Disse ela deixando-o mais atônito ainda – ele não pode saber de você. Ele tem esperança de que o pai possa aparecer um dia. Passa o dia brincando com os colegas no bairro quando não está na escola.
- Não compreendo porque não posso conhecê-lo?
- Como vou falar para o meu filho que tenho um caso com um homem casado e que tem uma família? Explica-me isso.
Otávio, por um instante deixou-se cair pesadamente sobre a cama. Lógico. Ele era casado. Tinha esposa e filhos. O que estava fazendo? Como poderia querer conhecer o filho daquela mulher. Não sabia o que pensar. Gostava muito dela e queria estar sempre com ela. Sentia-se bem ao lado dela e agora surgia uma ameaça entre eles. Um filho! Que droga era essa.
Naquele dia ela foi embora em sua bicicleta e ele ficou olhando do portão. Como sempre fazia, meia hora depois ele saia e voltava para o seu trabalho. Aquelas tardes sempre eram as melhores de sua vida cotidiana. No entanto, agora algo parecia estar errado. Poderia ser como um pai para o filho daquela mulher? Como ela poderia ter um filho? Devia ser muito nova quando ficou grávida. Provavelmente por uma idiota qualquer. Dúvidas e mais dúvidas perpassavam sua mente.
Naquela noite, antes de ir para casa, passou em um bar para beber uma cerveja e conversar com o seu melhor amigo. Confidenciou-lhe a história dela e o amigo foi categórico:
- Cara, é o seguinte. Agora é a hora em que você sai fora desse lance. Já deu o que tinha que dar. Se você insistir ela vai querer que você largue sua mulher para ficar com ela. E, conhecendo você, sei que não vai fazer isso.
- Mas dá vontade. – disse enquanto bebia e observava o ambiente – Na minha casa é um saco. Reclamação o tempo todo, contas para pagar, problemas para resolver. E com ela é tudo mil maravilha. Ela faz amor comigo, ela me trata super bem. Amigo, você não tem noção do quanto essa mulher é importante na minha vida.
- Foi.
- Como assim?
- Ela foi importante até agora. Vocês viveram um caso de amor. Mas, casos de amor passam. Agora vem a fase da cobrança. Se ela falou para você do filho, o próximo passo é cobrar uma atitude sua.
Cristina por sua vez tinha as suas tribulações. Amava estar com Otávio. Ele sempre fora tão gentil com ela. Era um verdadeiro romântico. Sempre fazia de tudo para agradar-lhe e seus encontros eram a melhor parte da sua semana. Como sabia desde o começo que ele era casado e tinha uma família soube-se adaptar a situação. Mas, sabia que se seus vizinhos e, principalmente, seu filho soubesse desse caso iria julgá-la como uma vadia, uma prostituta. O julgamento das pessoas a sua volta sempre a fazia tremer de medo. Trabalhava de fazer bicos para se sustentar e não tivera muitas oportunidades de estudar. Ficara grávida muito cedo e o pai do garoto era um delinqüente sem um mínimo de estrutura. Por isso nunca havia revelado quem era o pai de seu filho. Agora, desde que conhecera Otávio e, com ele, vivia a sua melhor historia de amor, não queria que isso acabasse. Chegara, em algumas ocasiões, até a pensar na possibilidade dele largar a mulher para viver com ela. No fundo desejava isso.
Aquela semana custou passar. Otávio ficou muito ansioso. Mal conseguia conter a ansiedade. Em algumas noites discutiu feio com a sua mulher quando ela insistia em perguntar o que estava acontecendo, com o que ele estava preocupado.
- É coisa do trabalho! – Respondia com alguma rispidez.
A mulher não se conformava com isso. E, em algumas ocasiões chegou a insinuar que fosse por outra mulher. Otávio ficava furioso com isso. Sabia que essa era a pura verdade.
Mas, enfim chegou o dia. Os dois se encontraram no local e horário combinado. Dessa vez, no entanto, devido à ansiedade e preocupação, Otávio não preparou nada de diferente como sempre fazia, para agradar Cristina. E ela notou isso.
Ele estava um tanto nervoso e já foi logo dizendo que ela precisava melhorar um pouco a sua cara. Que não tinha gasto parte do seu dia para ver uma pessoa de cara feia.
Cristina não entendeu a sua arrogância.
Ele começou a falar alto e ela pediu que não gritasse.
- Quer saber – esbravejou ele – eu falo do jeito que quiser falar. Se para você não está bom pode voltar de onde você veio. Eu não estou nem ai.
Ela pegou sua bolsa, não disse nem uma palavra e caminhou para a porta de saída. Parou por um instante na esperança que ele a chamaria para si e então saiu porta afora. O coração dilacerado pela angústia. Não entendeu nada do que estava acontecendo. Ainda o ouviu dizendo, melhor gritando, que “mulheres é que não falta nesse mundo!”
Uma angústia sem fim tomou conta de seu coração nos dias que se seguiram. Tentava controlar a raiva que sentia por tudo aquilo que estava acontecendo com ela. Mas, quanto mais tentava controlar, mais ela chorava. Não se alimentava direito. Não dormia. E a dor do abandono só aumentava. Ligava para Otávio, mas ele não atendia. Mandava mensagens, ele visualizava e não respondia. Pensou até em procurar ele, mas não sabia onde ele morava. Algumas vezes foi até a prefeitura, mas não o encontrou. Ligou no seu trabalho e a atendente sempre dizia que ele não estava. Chorava muito e se definhava a cada dia.
- Mãe!
- Não quero falar sobre isso.
- Mas a senhora está muito mal. A senhora não come, não dorme, a casa está toda desarrumada, as pessoas estão falando sobre a senhora.
Uma torrente de lágrimas saia de seus olhos. Queria morrer. Se não fosse pelo filho provavelmente teria tirado a própria vida.
Soube, então, que Otávio tinha sido visto andando com outra garota. Os dois sorriam às margens do Rio Paraguai. Tiravam fotos no Balneário Ponta do Morro e ele estava muito feliz. Isso fez com que Cristina ficasse mais deprimida. Começou a delirar.
E o filho ouviu:
- Otávio! Otávio!
Era fim de tarde. Otávio saiu da prefeitura e caminhava para o seu carro quando viu aquele garoto vindo em sua direção. Com roupas bem velhas imaginou que fosse mais um daqueles pedintes que vivem a margem da sociedade cacerense. “Vai pedir dinheiro para comprar comida e eu sei que é para comprar drogas” pensava.
- O Senhor é o senhor Otávio?
- Sim. Por quê?
- Porque o senhor acabou com a vida da minha mãe.
Otávio não teve tempo de reação. Quando menos percebeu tinha uma faca encravada em sua barriga. Com fúria violenta o garoto cravou-lhe a faca e segurou com força. Otávio caiu no chão e viu a poça de sangue se formar em sua volta. Gritos de socorro podia se ouvir. Gente correndo por todos os lados.
Mas, para Otávio apenas uma escuridão se formou e ele saiu dessa vida.
Texto: Odair José, o Poeta Cacerense
Obs. Inspirado no conto "O Inferno" de Nelson Rodrigues
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