Morte Certa
Escuto a conversa de muitos ao som abafado de lágrimas
Que escorrem pelos rostos sofridos de outros.
Aos rumores gastos e perdidos
Daqueles, que os pálidos olhos já não choram
E as palavras, arrancadas de dentro, como quem arranca
Uma árvore centenária a uma grande flora perdida no tempo…
Da bagatela arrasadora.
Leio por aí escritos sobre a contemplação da sua agenda:
“Bateu à porta, chegou a hora!”, relatam indignados.
Desgostosos e revoltados com a crueldade desta aos seus,
Dos mais entes queridos que aplicou aos seus amigos…
Descreve-se a morte vadia que nos devora
Pela pele mais fina e desprotegida da argola…
Mas que nos elege.
Escrevemos sobre a extinção certa que nos incomoda
Quando visita um vizinho, parente afastado ou conhecido.
Mas raro se lê poesia de algum vagabundo que morreu à nossa porta,
Aquele mendigo esfarrapado, e de barriga encolhida da frente até às costas.
Aqueles que dormem nos caixões de papelão mesmo aos nossos pés
Quando refugiamos o olhar ao outro extremo…
Donativo envolto em esmola.
Medra a ideia desta ser uma inimiga
Culpabilizando a insultuosa saudade da dor e sofrimento:
Causativa insensível… uma cabra aos nossos sentimentos,
Um monte de esterco que não se deseja por perto
E no entanto, já nos revela em segredo estarmos próximos da partida
Que nos embala na nossa sorte…
Aos corpos depositados sobre a cama.
A morte levou-me os velhos, os novos, os avós
Os tios, as tias, os primos e os amigos.
Os adoptados tios e avós, os por afinidade padrinhos!
Não deixou nenhum idoso com quem cresci.
Um a um vai levando o sofrimento físico e mental dos angustiados
Por falta de morfina que lhes aliviasse tantas dores…
Perpétua cortesia.
Sabem daqueles que ficam no excremento da sorte imputando a Deus
Daqueles que acolhe de braços abertos a nossa mãe
Tirando o padecimento de vez?
Aqueles que me levou! Tantos, mas tantos que já nem sei…
Tantos jovens que se foram… Que vou pedir uma mão a outra mão
Para contar aqueles que já cá não estão!
No cosmo dos acesos.
Para quê, repisar as datas infelizes dos acidentes
Assassinos, afogamentos, overdoses, cancros aflitivos,
Filhos sem mães e mães sem filhos
Em que quase fujo quando os vejo assim perdidos
Quando me vêm e vêem até mim como uma filha,
Já mãe, na espera enquanto a morte nos consome….
Se é a existência que nos impulsiona.
Carla Bordalo
Submited by
Poesia :
- Login to post comments
- 837 reads
Add comment
other contents of mariacarla
Topic | Title | Replies | Views |
Last Post![]() |
Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
![]() |
Fotos/Monuments | Castelo Rodrigo I | 1 | 1.622 | 03/30/2010 - 19:05 | Portuguese |
Prosas/Drama | As Filhas do Sapateiro XI (O Voo Final) | 0 | 1.521 | 03/29/2010 - 17:15 | Portuguese | |
Poesia/Dedicated | Amizade Poética | 8 | 844 | 03/28/2010 - 03:02 | Portuguese | |
Poesia/Sadness | Azedume | 7 | 1.165 | 03/28/2010 - 02:53 | Portuguese | |
Poesia/Sadness | Maria da Manta | 6 | 2.176 | 03/28/2010 - 02:48 | Portuguese | |
![]() |
Fotos/Nature | Pombal Florido | 1 | 1.571 | 03/26/2010 - 17:42 | Portuguese |
![]() |
Fotos/Nature | Campo de Castanheiros | 1 | 1.520 | 03/26/2010 - 17:42 | Portuguese |
![]() |
Fotos/Monuments | Fonte Romana | 1 | 1.742 | 03/26/2010 - 17:42 | Portuguese |
Poesia/Sonnet | Amendoeira em Flor | 11 | 2.692 | 03/26/2010 - 12:16 | Portuguese | |
Prosas/Drama | As Filhas do Sapateiro X (O Reencontro) | 0 | 1.029 | 03/26/2010 - 11:23 | Portuguese | |
Poesia/Sadness | Vagueio na poesia | 9 | 1.278 | 03/24/2010 - 20:52 | Portuguese | |
Prosas/Drama | As Filhas do Sapateiro IX (De Volta à Casa Grande) | 2 | 963 | 03/22/2010 - 11:29 | Portuguese | |
Prosas/Drama | As Filhas do Sapateiro VIII (A Jovem Mãe) | 1 | 1.490 | 03/22/2010 - 11:27 | Portuguese | |
Prosas/Drama | As Filhas do Sapateiro VII ( A Velha Parteira) | 2 | 1.380 | 03/20/2010 - 23:37 | Portuguese | |
Poesia/Love | Histórias de Embalar | 9 | 844 | 03/20/2010 - 23:36 | Portuguese | |
Poesia/Sadness | Cavaleiro dos Meus Tormentos | 4 | 832 | 03/20/2010 - 13:57 | Portuguese | |
Poesia/Sonnet | No Dia do Pai | 7 | 827 | 03/20/2010 - 00:24 | Portuguese | |
Poesia/Sonnet | Por Mais Uns Dias | 8 | 1.033 | 03/19/2010 - 20:17 | Portuguese | |
Prosas/Drama | As Filhas do Sapateiro VI (O Sapateiro) | 1 | 2.050 | 03/19/2010 - 16:11 | Portuguese | |
Poesia/Sonnet | Nenúfares Momentos | 13 | 865 | 03/19/2010 - 12:15 | Portuguese | |
Poesia/Sonnet | Insónias Agitadas | 5 | 921 | 03/19/2010 - 12:07 | Portuguese | |
Prosas/Drama | As Filhas do Sapateiro V (A fuga) | 1 | 1.741 | 03/18/2010 - 11:30 | Portuguese | |
Prosas/Drama | As Filhas do Sapateiro IV (O Desgosto) | 1 | 927 | 03/18/2010 - 11:27 | Portuguese | |
Poesia/Sonnet | É Hora Saudade, É Hora! | 10 | 1.050 | 03/18/2010 - 04:51 | Portuguese | |
Poesia/Disillusion | Profundo como o Oceano | 13 | 1.090 | 03/15/2010 - 16:32 | Portuguese |
Comments
Re: Morte Certa
Mais um poema que adorei ler. Que me preencheu
por completo o espírito.
Deixo-te um beijo,
Vóny Ferreira
destaco:
Re: Morte Certa
MariaCarla,
Um poema social muito bom.
Beijinho
Nanda
Re: Morte Certa
É um caminho certo...
Muito profundo e calcado, sentido, o teu registo.
Olá Carla, vamos antes rejubilarmo-nos pela vida, e não festejar sob a forma de velados, os momentos mais infelizes.
Um abraço grande,
Pedro