À Procura da História Perdida, Como Diria Proust

Paulo Monteiro

Manhã quente e seca de domingo, 14 de janeiro de 2007. Chego cedo à empresa de meu velho e bom amigo César Lopes. Lá encontro Daniel Schleder, tetraneto do tenente-coronel pica-pau Francisco Bier, morto no Combate do Umbu ao proteger a retaguarda castilhista em fuga de volta a Cruz Alta no dia 16 de janeiro de 1894.
Conversamos alguns minutos sobre genealogia, o grande amor do anfitrião. Em cima de sua mesa meu livro Combates da Revolução Federalista em Passo Fundo. E como ando à procura de informações sobre Verissimo Ignácio da Veiga passei a César alguns dados sobre o capitão Vidal Francisco de Borba, sogro do "bugre Verissimo". Vidal, um dos primeiro caudilhos maragatos passo-fundenses, foi arrancado de sua casa, na manhã de 5 de abril de 1894, juntamente com dois filhos. Tangeram-nos, a pé, junto com milhares de cabeças de gado, saqueadas, repontadas para povoar os latifúndios missioneiros dos comandantes republicanos. Ao chegarem no alto de uma coxilha, de onde se avistava Passo Fundo, Vidal e seu filho maior foram degolados pelos sicários de Fermininho de Paula. Do mais novo, não se soube notícia. César mostrou-me os nomes de Vidal Francisco de Borba, sua esposa e seus filhos. Ali já constava a informação de que o veterano da guerra contra Solano López era sogro do "bugre Verissimo".
De repente, lembrou-se de Amancio d'Oliveira Cardoso, tenente-coronel e um dos comandantes maragatos no Combate do Boqueirão (3 de junho de 1893) e que, desgostoso com a situação, dissolveu sua força.
- "Eu sei onde está sepultado este Amâncio de Oliveira Cardoso. Se vocês quiserem vamos até lá, agora".
Alegando compromisso anteriormente assumido, Daniel não nos acompanhou.
De fato, há poucos quilômetros da cidade, no alto de uma coxilha, encontramos um velho cemitério de campanha. E no túmulo do tenente-coronel gasparista, ao contrário dos pica-paus falecidos depois da revolução da degola, é omitida a graduação militar do veterano da guerra contra o Paraguai, e um dos primeiros caudilhos maragatos de Passo Fundo.
Nosso passeio pela história foi além.
Após retornar à cidade, tomamos, no Bairro São Luiz Gonzaga, uma estrada que partindo do antigo caminho das tropas, no Povinho Velho, passando por Soledade, levava ao Centro do Estado. Ali, em 1632, os jesuítas fixaram a primeira Redução de Santa Teresa. O interessante é que esse velho caminho, também passa pelo Pessegueiro, local para onde a Redução foi transferida até sua tomada pela bandeira de André Fernandes, no dia 23 de dezembro de 1637; palmilharam-no índios cristianizados, jesuítas, carijós e ibiraiaras insurgentes, bandeirantes, tropeiros e forças militares.
Antes de chegarmos ao Povinho Velho paramos no Passo do Cruz, no rio Jacuí, ponto exato em que, a 20 de novembro de 1893, os maragatos derrotaram, em dois combates, forças castilhistas diferentes. Pouco adiante, César Lopes mostrou-me o local em que, há algumas décadas, morava um mulato, já quase centenário. Descendia de escravos de Francisco Marques Xavier, que passou à história como coronel Chicuta. O ancião costumava contar que a Redução de Santa Teresa ficava num mato ali perto, onde, ainda menino, eram encontrados restos de artesanato indígena e desgastadas moedas antigas.
Chegamos ao cemitério do Povinho Velho. E constatamos a estupidez humana. Destruíram túmulos ancestrais para darem lugar a monumentos funerários recentes. A um canto está enterrada Etelvina da Rocha Duro, nome de escola em Passo Fundo. Concentro-me numa sepultura desgastada pelo tempo, fitando a fotografia sem nome.
- "Quem será ele?", pergunto a meu cicerone.
- "Não sei quem é, mas de outra vez que aqui estive, eu mesmo recoloquei seus ossos dentro do túmulo, de onde tinham sido retirados por macumbeiros".
Pobre natureza humana - reflito -. Em vida incomodamo-nos com os vivos. Depois de mortos eles não deixam nem mesmo os nossos ossos em paz.

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Sunday, March 1, 2009 - 22:03

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