O MAIOR POETA DO BRASIL
Paulo Monteiro
O catarinense Luiz Delfino é uma das figuras mais intrigantes da Literatura Brasileira. Filho do aventureiro português Tomás dos Santos e da mulata Delfina Vitorina de Oliveira nasceu a 25 de agosto de 1834, em Desterro, hoje Florianópolis, e faleceu no Rio de Janeiro a 31 de janeiro de 1910. Poeta, em sua longa vida conviveu com três escolas literárias diferentes: Romantismo, Parnasianismo e Simbolismo. Um dos mais prolíficos autores, em vida, publicou apenas um pequeno volume de versos. Tornou-se uma lenda, atribui-se-lhe mais de cinco mil poemas, a maioria sonetos. Sua obra foi editada postumamente pelo filho Tomás Delfino e, recentemente em dois alentados volumes pela Academia Catarinense de Letras.
Tomás dos Santos deixou a mulher e uma filha em Portugal, partindo para fazer a vida no Oriente. Ao retornar não mais as encontrou. Rumou para a Amazônia, onde se envolveu em aventura amorosa com uma fazendeira. Migrou para o Rio de Janeiro, onde se associou a um comerciante lusitano. Dali partiu para Santa Catarina, onde casou com a mulata Delfina, em homenagem da qual criou o sobrenome Delfino, acrescentado aos nomes dos filhos.
Luiz e seu irmão Antônio, em 1850, foram levados pelo pai para estudarem no Rio de Janeiro. Entregues aos cuidados do também comerciante e português Luiz Antonio Alves de Carvalho, Luiz, que já era poeta, preparou-se para cursar Medicina, e integrou-se à vida literária da época. Sete anos depois, já consagrado como poeta, conclui o curso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. No final de 1858 casa-se com Maria Carolina Puga Garcia, de 17 anos. Já ganhara dinheiro, como médico, e era considerado o mais promissor poeta de sua geração.
Enriquece e dedica-se à especulação imobiliária, como proprietário de diversos imóveis espalhados pela cidade. Ingressa na Maçonaria, e chega a negar sua condição de poeta, pois havia muito preconceito contra escritores.
Conheceu outro mulato famoso, Machado de Assis, mas nunca se deram bem. Tanto que ao ser fundada a Academia Brasileira de Letras, apesar de contar com diversos admiradores entre os primeiros imortais e a consagração da crítica, seu nome jamais constaria entre os acadêmicos. Veto do autor de Quincas Borba e seu grupo? Ao certo não se sabe, mas muitos escritores menores constavam entre os fundadores.
Rico e famoso ambicionou uma vaga na Câmara dos Deputados por Santa Catarina, em 1862. Não o conseguiu, mas realizou o sonho ao ser eleito senador para a Constituinte Republicana, em 1890. No Senado, destacou-se como um parlamentar preocupado com a cultura.
Consagrado como hugoano, nos mil e oitocentos e oitentas, troca os longos e grandiloqüentes poemas pelo soneto. Causa sensação e adquire elogios de jovens escritores, como Arthur Azevedo. Em 1882 é desancado por Sílvio Romero, conhecido adversário dos escritores do Sul, no livro “O Naturalismo em Literatura”. Essa opinião mudaria mais tarde, ao assumir, no Senado, a defesa de uma pensão para a viúva de Tobias Barreto.
Sílvio Romero, um dos responsáveis pela consolidação do cânone literário brasileiro muda radicalmente a opinião a respeito do poeta catarinense. Passa a considerá-lo “o maior poeta vivo do Brasil”.
Elogiado por um dos corifeus da crítica literária nacional, requisitado pelas novas correntes (parnasianos e simbolistas), realizado o sonho de ascensão política, ao participar da Primeira Constituinte Republicana, Luiz Delfino enfrentou desilusões na vida pessoal e na vida pública. A morte prematura de um dos seus filhos e a violência da consolidação da república lhe causaram grandes amarguras. Arranjou uma amante e abandonou a política.
Discreto, a morte do filho é transformada num soneto conhecidíssimo: “A Filha Morta”. A amante foi um verdadeiro caso de amor proibido. Ele, com 62 anos e ela com menos de 20. E sua afilhada, ainda por cima. Inspirou-lhe muitos sonetos líricos, sob o nome de Helena e deu nome a uma de suas netas.
Eis um dos sonetos inspirados pela afilhada Eugênia Caldeira:
A DEUSA
O seu pescoço esplêndido e robusto
Implantado às espáduas fortemente,
Presta-lhe um ar olímpico e imponente;
De Vênus dá-lhe gesto altivo e augusto;
E sustém-lhe a cabeça bela: é justo,
Porque dos deuses vem; e se presente
No andar, na voz, no riso negligente:
Mete em tudo, que a cerca. Estranho susto:
Tão grande e superior ela parece,
Que não é muito a admiração e o espanto:
Segue-se ao espanto o amor; ao amor a prece.
És tu, Helena, a deusa, o enleio, o encanto:
É de ti, que, em mim só, todo um céu desce:
A ti meus olhos, como a um céu, levanto...
Foi um romance tórrido, que durou pouco mais de três anos. Eugênia conheceu um jovem comerciário, Oscar de Carvalho Azevedo; rompeu o caso com o padrinho. Casou-se, mas continuou inspirando sonetos ao poeta.
Luiz Delfino, consagrado pela crítica e ídolo de jovens poetas, que o elegeram Príncipe dos Poetas Brasileiro, através da revista simbolista Vera Cruz. A coroação ocorreu durante uma festa espalhafatosa a 29 de dezembro de 1898.
Luiz Delfino viveu os últimos anos de vida, recolhido ao seio da família, brincando com os netos, recebendo poetas mais jovens... E cobrando os inquilinos, até cerrar para sempre os olhos, à uma hora da tarde do dia 31 de janeiro de 1910.
Apesar de consagrado sempre procurou aproximar-se do mulato Machado de Assis. Este, conforme conta Ubiratan Machado, autor de “Vida de Luiz Delfino”, editado pela Universidade Federal de Santa Catarina e o Senado Federal, em 1984, sempre procurou manter distância do mulato catarinense.
Ubiratan Machado, após analisar diversas hipóteses para o fato de Luiz Delfino ter ficado fora da Academia Brasileira de Letras, conclui pela recusa a participar do sodalício, sob a hegemonia do autor de Dom Casmurro. E assim resume sua conclusão, à pagina 160 da biografia em epígrafe:
“Qual seria o verdadeiro motivo da recusa? A fase de intenso sofrimento que atravessava, como veremos no capítulo seguinte? Ou o desinteresse seria conseqüência de um possível atrito com Machado de Assis? É provável que seja o resultado da soma de ambas as causas. Alguns contemporâneos observaram que, a partir de certa época, Delfino e o criador de Brás Cuba passaram a se evitar. (...)”.
O porquê de aquele que chegou a ser considerado o maior poeta vivo do Brasil, há um século atrás e foi eleito Príncipe dos Poetas do Brasil estar hoje esquecido deve-se ao fato de não ter editado em livro sua vasta obra. E não o fez por ser pão-duro por que, ao contrário do que acontece à maioria dos escritores, não lhe faltavam dinheiro e talento.
Assim, quando com críticos como Sílvio Romero e José Veríssimo, seus contemporâneos, começou a firmar-se o cânone literário brasileiro, sua obra jazia esparsa por jornais e revistas, o que limitou o trabalho dos historiadores. Bela lição sobre a importância do livro.
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