TEXTOS COMENTADOS DA LITERATURA BRASILEIRA - POESIAS - NÃO HÁ VAGAS (Ferreira Gullar)

NÃO HÁ VAGAS (Ferreira Gullar)

O preço do feijão não cabe no poema.
O preço do arroz não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabem no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores
está fechado: “não há vagas”

Só cabem no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema senhores,
não fede
nem cheira

Antologia poética.
Rio de Janeiro, Fontana/Summus, 1977.

Podemos perceber de imediato que o poema (“Não há vagas”) traz uma das características do Movimento Modernista Brasileiro, ou seja, a ausência de pontuação, e também é perfeito exemplar para estudar a literatura em sua função social, ou seja, a literatura engajada (panfletária) na defesa do “ideário político, filosófico ou religioso”, com o intuito maior de alertar, informar, modificar, denunciar, etc. Com um tom de contestação o poeta denuncia o desemprego, ou seja, a situação do operário brasileiro (e mundial) que, ao procurar meios de sustento para enfrentar a dura realidade que o cerca, esbarra com este “pequeno lembrete de negação” e, em contrapartida, precisa enfrentar o preço absurdo dos gêneros de primeira necessidade (feijão e arroz). Lembra-nos também o valor de outras necessidades diárias (gás, luz e telefone), fala da sonegação (no caso aqui, quando o Estado deixa faltar, isto é, o desabastecimento de produtos importantes na dieta do cidadão como, por exemplo, leite, pão, carne e açúcar). Critica o Funcionalismo Público “que mantêm pessoas enclausuradas e sem perspectivas de promoção ou avanço intelectual” entre milhares de arquivos e conduzidas por “seu salário de fome”, em seguida, chega ao trabalhador de aço e carvão que perde seu dia (e seu tempo) nas oficinas escuras e indevidas. Por fim, crítica o próprio poema, que é fechado, ou seja, com tudo que “relata” e diz, não consegue modificar esta situação, não se faz ouvir, só traz aqueles que são vítimas das mazelas sociais como: o homem faminto (”sem estômago”), a mulher fútil (“de nuvens”), a fruta cara (“sem preço”), e o último grito lancinante de Ferreira Gullar (José Ribamar Ferreira – 1930/ )“O poema senhores” não diz nada (“não fede”/”nem cheira”), isto é, não cumpre sua função e mantêm-se o “status quo” (ou seja, nada mudou) em nossa sociedade.

Submited by

Saturday, July 25, 2009 - 16:14

Prosas :

No votes yet

augustodesenior

augustodesenior's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 13 years 40 weeks ago
Joined: 07/24/2009
Posts:
Points: 449

Add comment

Login to post comments

other contents of augustodesenior

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Prosas/Others PEQUENAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PREFIXOS GREGOS A-, AN- (NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO - 1990) 0 2.715 12/30/2010 - 14:44 Portuguese
Poesia/Disillusion A PEQUENA HISTÓRIA DO HOMEM TOLO, O PEDREIRO CHINÊS E A FLOR 0 1.526 12/24/2010 - 12:11 Portuguese
Fotos/Profile Professor, poeta, contista, cronista e romancista. 0 1.798 11/24/2010 - 00:39 Portuguese
Prosas/Others ROMANCES DA LITERATURA BRASILEIRA - COMENTÁRIOS - A VIUVINHA (José Martiniano de Alencar) 0 1.474 11/19/2010 - 00:08 Portuguese
Prosas/Others PEQUENAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A POESIA 0 1.360 11/19/2010 - 00:08 Portuguese
Prosas/Contos CONTO DE FELICIDADE 0 1.398 11/19/2010 - 00:08 Portuguese
Prosas/Others PEQUENAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PREFIXO LATINO "SEMI-" "NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO 1990" 0 1.438 11/19/2010 - 00:08 Portuguese
Prosas/Thoughts PEQUENAS CITAÇÕES COMENTADAS - POESIAS - PERCY BYSSHE SHELLEY 0 1.640 11/19/2010 - 00:08 Portuguese
Prosas/Thoughts PEQUENAS CITAÇÕES COMENTADAS - POESIAS - WILLIAM BUTLER YEATS 0 2.516 11/19/2010 - 00:08 Portuguese
Prosas/Romance ROMANCES DA LITERATURA BRASILEIRA - COMENTÁRIOS - A MORENINHA (JOAQUIM MANUEL DE MACEDO) 0 1.314 11/19/2010 - 00:05 Portuguese
Prosas/Others O QUE É PRODUÇÃO TEXTUAL? 0 1.555 11/18/2010 - 23:48 Portuguese
Prosas/Others O QUE É INTERPRETAÇÃO TEXTUAL? 0 1.549 11/18/2010 - 23:48 Portuguese
Prosas/Others PEQUENAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O SONETO 0 1.347 11/18/2010 - 23:48 Portuguese
Prosas/Others LUÍS DE CAMÕES (1524/1580) RENASCIMENTO OU CLASSICISMO PORTUGUÊS (1527/1580) - CINCO SONETOS: COMENTÁRIOS 0 2.027 11/18/2010 - 23:48 Portuguese
Prosas/Others TEXTOS COMENTADOS DA LITERATURA BRASILEIRA - POESIAS - POÉTICA (Cassiano Ricardo) 0 1.550 11/18/2010 - 23:48 Portuguese
Prosas/Others TEXTOS COMENTADOS DA LITERATURA BRASILEIRA - POESIAS - INFÂNCIA (Carlos Drummond de Andrade) 0 1.978 11/18/2010 - 23:48 Portuguese
Prosas/Others TEXTOS COMENTADOS DA LITERATURA BRASILEIRA - POESIAS - NÃO HÁ VAGAS (Ferreira Gullar) 0 2.435 11/18/2010 - 23:48 Portuguese
Prosas/Others TEXTOS COMENTADOS DA LITERATURA BRASILEIRA - POESIAS - BALADA DO AMOR ATRAVÉS DAS IDADES (Carlos Drummond de Andrade) 0 1.584 11/18/2010 - 23:48 Portuguese
Prosas/Others TEXTOS COMENTADOS DA LITERATURA BRASILEIRA - POESIAS- SONETO DE FIDELIDADE (Vinicius de Moraes) 0 2.050 11/18/2010 - 23:48 Portuguese
Poesia/General Anjo meu 0 1.281 11/18/2010 - 16:38 Portuguese
Poesia/Love O que é o amor? 0 1.191 11/18/2010 - 16:38 Portuguese
Poesia/Love VOCÊ 0 1.063 11/18/2010 - 16:38 Portuguese
Poesia/Love Procuro-te 0 972 11/18/2010 - 16:38 Portuguese
Poesia/Love És tu! 0 1.243 11/18/2010 - 16:38 Portuguese
Poesia/General PEQUENAS CITAÇÕES COMENTADAS - PALAVRAS 0 1.463 11/18/2010 - 16:38 Portuguese