Da arte de coçar testículos com o pé esquerdo
Um dia usurpei o sono à noite, como sempre e nunca nunca. O sol estava excessivamente nublado, afinal a noite fora combusta ao haxixe, e o esquilo jazia morto roncando entre as cinzas estupefacientes, passei-lhe uma pena depenada de uma bolota nos testículos, e ele acordou ejaculado. Ruminou irascível afiando os bigodes. Desafiei-o a queimar calhaus de granito, a derreter titânio com uma lupa e a fumar canos de escape, ele irritou-se em excesso e acabou por se afogar num rio de baba, e eu bem lhe dizia, o bolor esquilinho, o bolor...
Peguei numa cana de pesca e sentei-me na chaminé, atirei larvas enquanto estendia a minha pele molhada na cana, e da pesca pesquei sapatos caídos de telhados, escolhi os vermelhos, recolhi a pele seca e vesti-a, levei os sapatos para a estufa escondida dentro do frigorífico e enchi-os de terra, plantei amanita muscaria, o pão dos deuses já combinava.
Dirigi-me ao quarto e abri a janela descalça, suicidei-me.
Mas como estava no rés-do-chão não consegui, decidi então meter-me ao caminho, com três mãos nos bolsos, duas procurando o troco, a outra masturbando-me ao tédio, ouvi trinta e seis badaladas, fora repiques, pareceu-me orgasmo tardio e interrompi.
Segui às pedras eclesiásticas que o esquilo não tinha queimado, li à porta o aviso, “procuram-se escribas para afogar coríntios em epístolas”, mas como confundo epístola com clister não me interessei, entrei pela saída de emergência e pedi audiência ao condutor de camelos, ele estava ocupado na carpintaria a contar grãos de arroz, indicou-me o subalterno.
A figura era folhada, a saia arrastava ao ritmo do chocalhar do pescoço, o excesso de ourivesaria traz colunas partidas, mas passei ao assunto, “Como se pode coçar os testículos com o pé esquerdo?”, respondeu com acompanhamento de harpas, “Ora deus coça os testículos de qualquer pessoa, com o pé esquerdo e inclusive o direito, mediante trocos.”. Como o vento me fazia espirrar os bolsos, decidi não decidir, antes lhe perguntei onde tinha obtido tal vestuário. “Lesbos... Lesbos...”, entoava, lengalenga com repiques, nas aragens de libidos paralelas pareceu-me melhor cruzar noutro sítio, ia-me à despedida quando me ofereceu pão de deus, comi-o uma vez e vomitei-o três, e não tinha com sabor a canela, nem a chouriço.
Deu-me sangue para lavar a boca, vomitei outras vezes mas em duplicado, a colheita era milenar e o fúngico já imperava, pensei qual seria o paladar do esgoto, a distância entre dois pontos pode ser zero, mais outras vezes e desisti da coisa, roubei-lhe as vestes e fui fazer travestismo num lago cheio de patos em lingerie.
Porque a água estava meia-molhada bebi champanhe meio-seco, os esvoaçados acompanharam-me declamando excertos dos paraísos artificiais de Baudelaire, mais tarde, embora mais cedo que o posterior, apareceram os pássaros poetas de Michelet, e o convívio demorou o tempo que corresponde à duração do convívio, após isso fui-me.
Passei no eclesiástico para devolver as vestes, mas o subalterno evangelizara-se ao nudismo, já o condutor de camelos de serviço contava grãos de arroz nu, eu mantive-me transmórfico.
Decidi passar na esquadra para contemplar fetichismos, roubei um palito usado, não sem antes calçar látex, duas polícias trouxeram a ferramenta, algemaram-me a dois pincéis, e eu, sem possibilidades de fuga, fui violado.
Quando ouvi o silêncio badalado com repique ejaculei, mesmo a tempo, no preciso momento que era momento de ser tempo, já o atraso gera multa. Elas acharam o castigo injusto, mas a justa repetição era excesso, enquanto se beijavam no esperma, e rasgavam os restos de tecidos com as unhas próprias e outras confiscadas a jaguares, decidi fugir na canoa meia-vazia que estava estacionada ao lado do elefante tocador de flauta, claro está, trouxe a cobra comigo.
Sibilou-me algumas coisas eloquentes nos intervalos dos seus fumos de ópio, logo, pareceu-me experiente em filosofias de pés e testículos, e perguntei-lhe, “Como se pode coçar os testículos com o pé esquerdo?”, nisto o retórico, “Ora, basta decepares o pé esquerdo, depois coças-te como quiseres.”.
Desiludido com a minha estupidez e iludido com a inteligência serpenteada atirei a cobra à água, mas com uma bóia, podia ela não ser uma cobra-d’água, naveguei para o frigorífico, era tempo de bolor.
Masquei ávido os bolores, não eram milenares, então viajei várias vezes em redor do universo, ou eu próprio, aliás, a natureza não me deu rodas, já o natural é menos troco. Chegado ao destino de partida, parti para o novo destino, decepei o pé esquerdo e cocei os testículos com ele, após ondas de prazer decidi soldar o pé na origem.
Fatigado da coceira fui dormir ao lado do esquilo que jazia vivo, inalando fumos estupefacientes, e eu bem lhe disse, o bolor esquilinho, o bolor...
© Bruno Miguel Resende
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