Por ti Seguirei... (13º episódio)
(continuação de http://galgacourelas.blogs.sapo.pt/47815.html)
…
Dada a sua colaboração, o interrogado teve uma morte rápida e quase sem dor. Suprimiram os cadáveres de todos os seus pertences e esconderam-nos no bosque. Numa bolsa do chefe Arevaco encontraram 2 placas de cera com as credenciais passadas pelo próprio Cordus Paulus Vallis. A impressão do seu anel assim o provava. Podia ler-se na mensagem: “Ave. Eu, Cordus Paulus Vallis, vos escrevo. Estes ilustres aliados Arevacos seguem na nossa vanguarda, para vos alertar do perigo. Chegaremos 2 a 3 dias após lerdes esta missiva. Tratai-os bem, com honras e confiança. São dignos da amizade do povo romano. Saudações.”
Os Celtas tinham de ser rápidos e aproveitar bem a oportunidade que a fortuna lhes havia dedicado. Reuniram-se no acampamento.
Face à vizinhança entre Vacceus e Arevacos, à aculturação recíproca e mesmo à grande semelhança física, Gurri e os da sua tribo vestiram as roupas dos liquidados. Consigo e na direcção do campo romano seguiriam também Alépio e mais 2 Brácaros, num total de 19 guerreiros. Os restantes seriam liderados por Rubínia e Zimio, no ataque ao muro Sul, tal como constava no plano inicial. Abandonaram a ideia de entrar furtivamente a Norte. Agora, possuíam um salvo-conduto.
Assim que terminaram as tradicionais oferendas e preces às divindades, segundo a tradição e o panteão de cada clã, saudaram-se e despediram-se.
Zimio verificava ao pormenor a preparação das armas de arremesso. Rubínia partira com 5 camaradas na direcção na nascente do pequeno rio que alimentava de água o assentamento romano. Já bem a montante, obstruíram o leito do rio, desviando por vários pequenos canais que se perdiam pela terra seca da montanha. A água esgotar-se-ia lentamente a jusante.
Entretanto, o grupo de Gurri acercou-se da entrada principal do reduto Romano. Felizmente eram outras as sentinelas, pensava Gurri, desejando igualmente que Maxílio também não aparecesse por ali, colocando em risco o desfecho da acção. Dirigiu-se aos guardas.
- “Vimos de Ardósia, da parte de Cordus Paulus Vallis. Leva-nos ao teu comandante. Devo entregar-lhe uma mensagem.”
O Romano reconheceu-os como Arevacos e não suspeitou. Abriu os portões, chamou mais 3 legionários e conduziu-os até ao pavilhão central. Informou os superiores.
Da grande tenda saiu um indivíduo destacável, de porte robusto, tez muito morena e pequenos olhos claros. Era Marcus Minucius Rufus, Cônsul enviado pelo Senado Romano para dirigir o avanço na Ibéria. Encarou Gurri. Este, de imediato, entregou-lhe as tábuas de cera. Leu-as, calmamente.
- “Grande malandro este Cordus Vallis. Desde pequeno que tem a mania que é o grande chefe militar. Ainda não sabe que estou por cá. Bem, se vos quer como amigos, serão também nossos amigos. Instalem-se dentro da cerca, onde bem entenderem. Libertaremos algumas tendas para vós. Da mesma forma, sereis tratados como romanos, em tudo. Agora dizei-me: a que perigo alude Cordus Vallis? E por que considera necessário deslocar para cá outra Legião?”
Gurri desceu do cavalo, fez uma vénia e respondeu: -“Apesar dos nossos maiores esforços uma numerosa coluna militar celta conseguiu atravessar o planalto central da Ibéria, para reforça das forças de Aníbal. O Senhor de Ardósia julga que isso vos coloca em perigo, sobretudo porque a concentração de prisioneiros que aqui tendes poderá ser uma tentação para os púnicos. E, Senhor, talvez isto seja um sinal: quando para cá nos deslocávamos e já aqui bem perto, aprisionamos estes 3 Celtas, que pareciam explorar as proximidades. Eram mais, mas os outros fugiram.”
-“Muito interessante. Somos-vos gratos, amigos. Levem os 3 “cães” para as galerias dos prisioneiros. Mais tarde vamos arrancar-lhes umas unhas, ou mesmo os dedos, para ouvirmos tudo o que deles queremos saber.”
-“Permiti, Senhor, pedir para montarmos o acampamento à nossa maneira. Agradecemos as tendas, mas não lhes estamos habituados.”
- “Muito bem. Sigam os guardas até à área de cárcere. Aí tereis muito espaço para assentar os vossos costumes arraiais.”
Alépio, na figura de prisioneiro, escondeu o rosto na direcção do solo – para que não lhe vissem a expressão – e sorriu. Gurri fora formidável. Conseguira exactamente aquilo que era desejável para o plano.
Pelo pôr-do-sol, os falsos Arevacos instalavam-se lentamente junto da grande fenda. Os pretensos capturados já estavam abaixo, enclausurados. Uns e outros começaram a tratar do que se projectara, para noite dentro.
Alépio, assim que chegou ao fundo do calabouço, procurou os da sua tribo e os das tribos suas vizinhas. Procurou afincadamente Tongídio. Porém, eram realmente muitos e de diferentes partes do mundo. Talvez fossem dois milhares de homens de Aníbal. Nem o próprio General deveria saber que eram tantos.
Apanhado desprevenido pela dimensão dos efectivos, resolveu espalhar a palavra. Pôs a correr de boca em boca que um enviado de Aníbal pedia aos chefes de cada clã, de cada povo, que se apresentasse na galeria maior da fenda, o mais breve possível. Aí, aguardou.
Começou a vê-los chegar: os Numídias e outros africanos, nomeadamente do Magrebe, os Gregos, os próprios Cartagineses, povos itálicos, os diferentes povos da Ibéria, reconhecendo de imediato os seus irmãos.
- “Companheiros de armas, sou Alépio, dos Brácaros. Serei breve porque o tempo urge. Confiai em mim e não coloqueis questões. Estamos a preparar a fuga de todos. Deixar-me aprisionar, faz parte do plano. Em breve algumas armas cairão aqui no fosso, para que haja aqui também gente armada e que posso ajudar a combater os romanos. Temos amigos dentro e fora do campo, prontos para começarem as hostilidades. Quando vos der o sinal, devemos correr pela rampa até ao grande portão. Alguém o abrirá. Daí evadir-nos-emos pelas portas Norte.”
- “E como podemos confiar no que afirmas? Como sabemos que tudo não se trata de um truque romano para nos abater?” Interpelou um “tronco” africano.
- “Porque eu dou garantia das palavras de Alépio. Conheço-o bem, assim como muitos outros que aqui estão o conhecem. É como um irmão. É um dos maiores guerreiros de Aníbal.” Ouviu-se ao fundo, em tom forte e que se aproximava pela multidão.
Era Tongídio. Sem dúvida, também ali era um líder. Aproximou-se de Alépio, olhou-o firme e profundamente. Abraçou-o, fraternalmente.
-“Só um louco Brácaro como tu é que se metia em tamanho sarilho! Deixar-se capturar para se juntar aos que pretende libertar?! Perdes-te o juízo, definitivamente!”
-“É bom ver-te grande urso azul. Está cá mais alguém que te deseja ver, bem mais intensamente do que eu…”
-“Sim?! Quem? Meus irmãos? Meu pai?”
-“Não. Alguém que ainda te é mais importante. Alguém que tem a mesma força e vontade que o grande urso azul… Rubínia, tua mulher.”
-“Rubínia? Aqui? Mas, ela corre perigo, com tantos romanos por perto. Eu que fiz tudo para a afastar da guerra, e agora… Malvada mulher!”
-“Calma Tongídio. Os Romanos é que correm perigo com a tua mulher por perto. Se tu a visses a lutar, se tu a visses a dominar os adversários… Mas, para já, ouçam-me todos: avisem os vossos guerreiros e preparem-se. Tudo irá ocorrer muito rapidamente. Vou-vos explicar com mais detalhe...”
Com o escurecer, os Celtas no exterior colocaram-se de forma a terem o campo romano ao alcance dos arremessos das fundas e dos arcos.
No interior, os simulados Arevacos, estudavam as voltas das patrulhas e a posição dos legionários nas redondezas. Traziam muitas armas escondidas. Amarraram-nas a pontas de cordas e, a coberto do lusco-fusco, desceram-nas até às grutas. Eram apenas algumas dezenas, mas já ajudariam, sobretudo os arcos e as flechas. Como aliados, os Arevacos tinham o privilégio de circular pelo campo, metendo conversa aqui e ali. Alguns entraram em amena cavaqueira com os legionários das portas Norte e outro grupo foi para junto dos guardas da prisão. Falavam das casas e das insulae que deixaram em Roma e arredores, das famílias, hábitos e da grandeza da grande capital. Os iberos puxavam-lhes pela língua, elogiando-os, distraindo-os e conquistando alguma confiança.
Concomitantemente, o pequeno ribeiro carregava cada vez menos água. Como ainda ia servindo para a refeição tardia e matava a sede, os Romanos não se preocuparam com a descida anormal do caudal. Em abono da verdade, as trevas da noite também ocultavam substancialmente a redução constante do curso.
Da sorte dependia o sucesso das manobras, mas quanto ao plano, tudo estava a correr maravilhosamente bem e acertado.
(continua…)
Andarilhus
X : VIII : MMX
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