VISTA PARA O TEJO
VISTA PARA O TEJO
Sabes às vezes um homem para,
vê aqueles que a ele se assemelham
e pergunta: Deus, se sou isso
como te apiedarás de mim?
E eu, que tenho passado toda a minha vida
a ver e a olhar, muito mais a ver,
me debato em meu leito
à procura da forma ou jeito
que embale meu coração
arrebatado.
Na madrugada, ouço o canto dos bêbados;
no dia, escuto máquinas,
sem tempo para atentar em mim mesmo;
em mim, que passo ileso entre as lâminas
e durmo, a salvo, no gume da navalha
enrodilhado em mim próprio
ouvindo o tempo passar nos quartos de dormir.
Cada côvado desta casa
tem seu simbolismo e importância.
Nos leitos, que hoje se intelectualizam,
homens sem grei amaram.
Da profunda cova rasa retiraram
os homens de hoje, que se amofinam.
Os homens que aqui dormiram, amaram e morreram,
(muito mais amaram, vê-se pelo tamanho da casa)
eram homens sem medo
que povoaram com deus a outra metade do mundo,
esfolaram prata de cada pele,
semearam seu sangue em veias alheias
à procura do ouro que a todos incendeia.
Às vezes, vem-me essa angústia de saudade
de um tempo de têmperas diferentes
de homens moldados a valentia e cansaço
de dobrar, com fogo, a pureza de outras gentes.
E essa minha angústia, ou saudade, é violenta.
Então minhas mãos espremem gargantas
dilaceram costas, sacrificam inocências
como se castigassem a mim,
que tenho muito mais olhado que visto.
Na prôa do gume, bocejo.
Estico braços e pernas, recolho-me
teso: dobres de sino emparedam-me.
O tempo expulsa de si as horas
que expulsam o homem do presente
lacrando-o em suas memórias.
Eu, acá sentado, com os olhos longe,
sou homem sem futuro e de presente adormecido
sonhando com o lado de lá, d’além mar,
quando, no segredo, havia muito a inventar.
Hoje, desnudaram os gestos
e pintaram com outras cores os sígnos.
E para que se veja o que há atrás de cada homem
É preciso muito arder para desfazer as camadas de tinta
com que o tempo os impermeabiliza.
Resta o mistério que são as mulheres
que o tempo pinta. E elas se limpam,
nunca ficam estáticas
presas ao sabor da história ou da liça:
elas se movem céleres, e se livram.
Ah, eis que um amigo me acena, de longe,
a mão ensandecida pelas palavras:
(Mandela, Walt Whitman)!
Toda liberdade que ali confluência.
O desejo de guerra, paz duradoura,
do milagre do pão, negaceiam:
(Llorca (espíritos se agitam)
Ergo-me. Firmo os braços entalhados
no espaldar do assento
suspendendo o corpo do sentimento.
Saio. Caminho heterogêneo
pelas ruas de São Sebastião.
Em frente a cada passo, um sobressalto,
um salto, degrau, mímicas de pedras.
Desapareço na multidão.
Mas, quem caminha anônimo
não sou eu.
Quem sou ficou sentado naquela cadeira
olhando o cais pela vida inteira
à espera de que na boca da barra
surgissem mil galeras mil naus apinhadas de ingleses
que viessem povoar direito
as margens desse Rio que nasce no Tejo.
Submited by
Poesia :
- Login to post comments
- 824 reads
other contents of jgmoreira
Topic | Title | Replies | Views |
Last Post![]() |
Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Poetrix | AMOR DE TODAS AS VIDAS I | 0 | 676 | 07/24/2011 - 00:03 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | AMOR DE TODAS AS VIDAS I | 0 | 888 | 07/24/2011 - 00:03 | Portuguese | |
Poesia/General | VOO NOTURNO | 3 | 874 | 03/26/2011 - 13:58 | Portuguese | |
Poesia/General | TEOPSIA | 1 | 1.132 | 03/26/2011 - 04:02 | Portuguese | |
Poesia/General | VIVÊNCIAS | 0 | 751 | 03/26/2011 - 02:02 | Portuguese | |
Poesia/General | VISTA PARA O TEJO | 0 | 824 | 03/26/2011 - 02:01 | Portuguese | |
Poesia/General | VENTOSO | 0 | 978 | 03/26/2011 - 02:00 | Portuguese | |
Poesia/General | TORNADO | 0 | 1.029 | 03/26/2011 - 01:59 | Portuguese | |
Poesia/General | ABASTECIMENTO | 1 | 1.000 | 03/02/2011 - 22:31 | Portuguese | |
Poesia/General | A QUEDA | 1 | 814 | 03/01/2011 - 07:16 | Portuguese | |
Poesia/General | APARÊNCIAS | 1 | 1.012 | 03/01/2011 - 06:53 | Portuguese | |
Poesia/General | BANQUETE | 0 | 857 | 02/27/2011 - 23:59 | Portuguese | |
Poesia/General | A DOR CONFESSADA | 0 | 931 | 02/27/2011 - 23:52 | Portuguese | |
Poesia/General | ANGELLUS | 1 | 938 | 02/27/2011 - 16:57 | Portuguese | |
Poesia/General | AMOR E PAIXÃO | 1 | 1.064 | 02/27/2011 - 13:26 | Portuguese | |
Poesia/General | ANGÚSTIA | 1 | 1.130 | 02/27/2011 - 13:21 | Portuguese | |
Poesia/General | AMARRAS | 0 | 1.008 | 02/27/2011 - 01:16 | Portuguese | |
Poesia/General | A LONGA VIAGEM | 1 | 779 | 02/20/2011 - 20:42 | Portuguese | |
Poesia/General | NASCIMENTO | 0 | 897 | 02/20/2011 - 17:08 | Portuguese | |
Poesia/General | SEMENTE | 0 | 818 | 02/20/2011 - 17:01 | Portuguese | |
Poesia/General | BATEIA | 0 | 1.001 | 02/20/2011 - 16:51 | Portuguese | |
Poesia/General | AURORA | 0 | 1.043 | 02/20/2011 - 16:46 | Portuguese | |
Poesia/General | TORMENTA | 0 | 1.024 | 02/20/2011 - 16:38 | Portuguese | |
Poesia/General | SOUTAMÉRICA | 0 | 972 | 02/20/2011 - 16:37 | Portuguese | |
Poesia/General | DUPLOS | 1 | 945 | 02/18/2011 - 01:47 | Portuguese |
Add comment