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GAROTA

Essa era daquelas garotinhas sacanas. Bastava olhar para sua cara branca com meio sorriso puxando a pincelada que conduz ao prazer culposo e criminoso para qualquer um. Era coisa comum para qualquer pretencioso mensurar a dimensão do tornado que passou pela sua vida breve. Provavelmente a mamãe morreu num acidente e o papai não a abraçou o suficiente. Ou mamãe era uma vadia e papai um corno deprimido. Ou eles não existiam, ou o que mais importa se era filha de família normal no sentido menos literal da coisa já que não se pode classificar o real sentido da palavra em tempos como este, ou em tempo algum já que as palvars são livres para expressar qualquer imprecisão camuflada de conceito concreto. E assim é familia. Toda definição soa oportuna numa narração e uma garota tão jovem em seus trajes maduros poderia ser mais que o necessario para um quarentão tarado. Mas o que pensa um bom pastor de uma figura tão doce se despindo sutilmente em palavras e olhares grotescos? É o que ela gostava de saber. Bom continuemos com a coisa...

Era dia de julho e como de costume, ela ia ao culto semanal de uma igreja cristã. Tudo era tão limpo e bonito e lhe remetia a um passado provavelmente próximo que poderia lhe suprir a vontade de mostrar as cores de sua calcinha para um sujeito. Era sempre a última a chegar e última a sair. Carregava consigo o Livro Sagrado encapado com algo sedoso e lilás. E surgia discreta, silênciosa, limpa. Era estudiosa e coerente. Gostava dos sermões densos, era curiosa e naquele dia em especial lhe haviam surgido muitas dúvidas a respieto da consciência cristã e da postura do servo obediente no mundo atormentado do terceiro milênio amaldiçoado. Porém não havia tempo para questionamentos, pois havia um homem num carro azul parado na porta da igreja, vazia, silênciosa e limpa.

Ela entrou no carro e hesitou em beijá-lo. Naquele dia vestia uma calcinha trasparente mas não deixou que ele soubesse. O relógio marcava 11 horas da manhã e ele estava faminto. Deixou a esposa na casa da sogra depois de ter transado com ela na cozinha de casa. Havia bebido além da conta na noite anterior e havia esmurrado um sujeito da empresa que o estava atormentando com conversas inoportunas e auto-exaltação de suas qualidades profissionais que lhe garantiram uma promoção adiantada. Maldito fracassado de terno, era o tipo mais babaca de sujeito. Mas com todos os babacas e alcool ele não se dava o direito de deixar a sua garota esperando. Sua cabeça era um rio de perversão, mas aquela figura branca lhe dava um limite consciente das coisas que superava a sua ignorancia aos sentimentos da mulher para quem vinha tendo que olhar por mais de dez anos. Ela já não era tão assídua. Como diz a canção "encontre uma mulher e encontrará amor". E aquela mulher, Martha, já havia passado do ponto. E nenhuma outra tinha a vida da sua garotinha.

Enquanto dirigia ele pensava o que poderia fazer para arrancar um sorriso dela. Ela parecia absorta e ainda mais madura fitando a paisagem com gosto desmedido, como se estivesse se aliviando de alguma coisa. Então ele cantarolou algo do Lynard e pensou que sua vida caminhava por um ingrato inferno. Ela por sua vez permaneceu estática. Então ele passou a mão em seus joelhos pouco bronzeados e ela sorriu. Ele subiu a mão e ela o deteu.

Pela cabeça dele passavam cores e formas. Ainda sentia aquela pancada alcóolica da noite anterior, queria parar em algum lugar para comer um sanduíche de porco, mas corria o risco de ela querer voltar. Cantorolou mais um trecho errado de algo do Lynyrd e então ela sorriu novamente e mais vigorosa.

Estou com fome. Você não? - ela perguntou

Estava me perguntando se você estaria - ele respondeu.

Devemos estar os dois então. Eu só tomei um copo de leite hoje cedo e você sabe como eu gosto de comer.

Eu sei... tudo o que você gosta.

Não quero desapontar você a meu respeito.

Não desaponta. E o fato de ser uma garota tão misteriosa me faz crer que a conheço melhor do que pensa.

Garota misteriosa?

É garota misteriosa e sacana.

Você não está legal.

Tem razão, mas vou ficar.

Vai se separar?

Tendo em vista que vou perder metade do que suei sozinho para conquistar já tenho vontade de esmurarr Martha.

Não sabia que era tão violento.

Sou um doce de sujeito querida só não consigo me desapegar das coisa materiais como um bom cristão. Tenho certeza que você me entende. - sorriu capiciosamente com o canto da boca.

Doce de sujeito não soou bem.

Imaginei que fosse o meu doce que te fazia ficar comigo.

Não estou com você.

No meu carro. E agora vamos sair dele porque estou faminto.

Ele abriu a porta do carro para ela e eles entraram no restaurante. Pediram os dois o famosso sanduíche de porco e dois refrigerantes, afinal nada acompanhava melhor um bom sanduíche.

Gosto de ver você comendo? - observou-ele

Porque?

Porque você fica bonita comendo.

Bem, obrigada. O que mais posso dizer.

Diga que eu como bem.

Velho pervertido.

Orfã perdida.

Não gostei da brincadeira. Não sou orfã.

Estou brincando com você querida.

Sei onde vão dar suas brincadeiras.

Onde você vai dar quando quer brincar.

Eu vou rir sem graça. Parece os babacas do curso.

Obrigado você é muito gentil. Querida estou cansado e você é uma gracinha.

Parece um bobo.

É as vezes acho que eu sou mesmo.

Porque não deixa essa mulher logo? Vocês são muito complicados.

É o mundo dos adultos.

Não, vocês homens as vezes são mais complicados que nós.

Que vocês mulheres você quer dizer?

É. Que nós, mulheres.

Acho que ainda falta um tempo para isso. Para mim você sempre vai ser a garotinha que eu conheci na porta da igreja.

Se acostume com as mudanças. Se bem que não sei como as coisas vão ser.

Se eu tivesse uma filha queria que fosse você.

Me dá nojo só de pensar nessa possibilidade.

Porque?

Você teria coragem de mexer com sua própria filha.

Claro que não. Eu queria que você fosse minha filha para ser minha filha.

Entendi. Me desculpa pelo mau jeito.

Tudo bem. Eu seria um pai bacana não seria? Ia te dar um bocado de discos

Que engraçado.

Ia te buscar na porta do colégio só que não ia querer ver a cor da sua calcinha é claro. - riram os dois.

E ia me deixar sair com um homem mais velho?

Nem homem, nem garoto. Só depois de formada.

Que antigo, cade o pai moderno que ia me dar discos de rock?

Bobagem, eu não ia te deixar completamente subvertida. Te faria andar na linha. E quanto a nós, nem eu nem teu papai aprovaríamos. Mas isso porque ele não me conhece querida.

Isso não quer dizer nada, para mim ele já está até sabendo.

E?

E? Nada, para mim não importa. - afirmou deixando o rosto cair.

Ei, nada de disso. - confortou-a passando a mão em seu queixo.

É nada disso.

Ele não é um bom sujeito?

Ele é. Só que pensei algo negativo agora, nada demais. As vezes acontece.

É, quando garotas pensam em coisas que não são da alçada delas pode ser também.

Você também não fala muito do seu lado.

Como não, o tanto que eu esconjuro a Martha quando estou com você.

É mas do jeito que você age parece que fala dela assim para qualquer pessoa.

Não é mentira. Você é observadora.

Sou mesmo. E esse tipo de atitude...

Querida.

E o seu filho?

Ele está lá no canto dele.

Esse eu queria ver e se for parecido com você quando jovem então.

Deixa esse assunto para lá. Acho que aquele moleque nem ia saber o que fazer com você.

Entendi. Não falo mais.

Já acabamos aqui? Então vamos.

Eles voltaram para o carro. No caminho ele pensava no quanto era bom conviver com aquela garota perturbada. Ele devia ter algum distúrbio ou de fato o papai não havia abraçado o suficiente, é fácil imaginar. Quem sabe ele também não tivesse distribuído tantos abraços quanto deveria. mas a imparcialidade quanto ao passando assaltando a consciencia era um remédio infalível. Novamente lhe bateu a curiosidade sobre a cor da calcinha da garota.

Algumas vezes ele a via e queria pegá-la nos braços e transar com ela como se fosse sua esposa nos bons tempos. Por outro lado em algum ponto de sua cabeça algo que não sabia o que o censurava deslealmente. Por fim não cria fazer nada de mau embora fosse ilegal, e quem disse que os homens entendem de alguma coisa. Quem sabe do calor do inferno da vida dos outros? Arturo matou a mulher e a filha e pôs a culpa no capeta. Samuel esfaqueou uma viúva e bancou o maluco no tribunal.

Ela virou o rosto para ele e o beijou no rosto. O beijaria na boca se ele não estivesse dirigindo. O sinal fechou e então ele passou a fitá-la. Era uma garota silênciosa, discreta que escondia muito por trás. E estava cada vez mais bonita. Não era menos bonita que uma modelo de outdoor mas ele não a queria envolvida com isso e era bom que sua mentalidade não fosse superficial a ponto de sonhar com tamanha bobagem. Pelo que sabe ela queria cursar direito na universidade, tinha o sonho de se tornar promotora e ele admirava o fato de uma jovem ser tão precisa a respeito de si mesma. Tão precisa era a menina. Ele ligou o rádio tocava algo como "tired eyes" do Young.

Promotoria: essa foi a palavra que ela proferiu quando ele lhe perguntou o que mais quer da vida. Então ela devolveu-lhe a pergunta em tom bem menos interessado. Ele pensou em dizer o que de fato, mas como as vezes percebia, ele era um homem feito ao lado de uma garota.

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domingo, novembro 22, 2009 - 19:48

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COBBETT

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Re: GAROTA

Parabéns pelo belo texto.

Gostei.

Um abraço,
REF

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