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O Parto ou uma noite na vida de Maurice

Li não sei em que livro que o amor é depositar toda sua tralha ancestral na sala de quem se ama. Coloca-se as malas no chão e fica-se em paz.
Do mesmo modo que entrei, saí. A promessa de vida de uma vida que se torna um feto morto. Um feto de trinta e quatro anos.
É fato. Ninguém escuta meus berros. A nicotina vicia o choro de meus pulmões. O Rivotril e o Prozac são chupetas que já não trazem sonhos tranquilos. Não há fraldas descartáveis para minhas cagadas etílicas. Ter sede não basta para ter o peito das mães que observo na rua.
O menino é o pai do homem?
Nu, em frente ao espelho, encaro o fundo de meus olhos que me encaram. Despido de mim mesmo. Parto? Pensar é o gozo, decidir é um parto.
Não é fácil parir a si mesmo. Parir a si mesmo é reivindicar para si uma dor que deveria ser só das mães. Desde seus úteros estão acostumadas ao abraço do vazio.
O vazio. O fundo de meus olhos.
Despojar-se do passado, esse câncer devorador de futuros já condenados desde a hora do nascimento. Fique o passado entregue a si mesmo, com seus espectros e seus miasmas. Quem precisa de olhos nas costas?
Tudo ao meu redor é veludo sujo. Sua maciez me incomoda. O mundo, por natureza, é áspero. O travesseiro de Deus não me atrai.
Se o espelho sentisse gosto saberia que minhas lágrimas não foram salgadas nem amargas. Apenas foram. O homem não chora de fato. Verte um pedido molhado de compaixão para uma platéia inexistente. Um soro salobre e patético. O verdadeiro pranto de um homem é diário e silencioso. É no vácuo de si mesmo que o olho enxerga o lago escuro.
Dizer para si mesmo nunca mais é fácil. Difícil é mergulhar. Mas, uma vez no universo volátil, toda a gravidade se esvai. O ar fica leve como um vírus.
Estar só é ser Deus. Pessoas são grades.
O mundo lhes é leve. Estão acostumados à inércia, sua maior aventura.
Talvez eu devesse ter me despedido. Talvez.
Parto apenas. Prefiro assim. A morte sem corpo para velar. Esse é o abraço que deixo. Não creio que sentirão o calor desse abraço selvagem por muito tempo, torniquete sobre as têmporas. A frieza de suas vidas não lhes permitirá tamanho terremoto. O mundo é totalmente previsível.
Não os odeio. Nunca odiei ninguém. Jamais daria margem para um ser residir com tamanha autoridade dentro de minha pessoa. Não se pode confundir ódio com desprezo.
Apenas não me conformo com os conformados.
Deixo-os em seus aposentos. Devemos deixar aqueles que visam uma aposentadoria segura descansar em paz...
 

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quarta-feira, maio 18, 2011 - 12:40

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Maurício Decker

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