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O velho e o vento

Eu penso no vento... O vento é a solidão em forma de ar. A imensa solidão. Tem coisa que lembre mais a solidão do que uma folha seca voando? Quem traz o vento? Quem leva ele embora? Desde que nasceu está aí, sozinho. Alguém já viu o vento morrer? Entrar por detrás de uma pedra e sumir? Comparece aos enterros, isso sim. E vai para outros lugares, deixando o dia parado, as folhas sem dança. Vento não é filho. Vento é pai. Semeia muitas coisas. Árvores, catástrofes. Vento não tem companhia. As nuvens? As nuvens são apenas... As nuvens são apenas carneirinhas. Elas sim, precisam da companhia uma das outras. Precisam se juntar para mijar chuvas por aí. O vento é o pastor. Vai trazendo elas, empurrando elas, tocando as carneirinhas pelos pastos do mundo. Mas é um pastor sozinho, como todo pastor. Acho que é por isso que um homem sozinho, quando fica no vento se sente mais sozinho. Questão de afinidade. Eu sou como as nuvens. Quero as companhias. Mas no lombo do vento, que carrega a falação.
Ah, a falação... As palavras... Presto atenção somente àquelas que saem de minha cabeça, que vêm ditadas do meu saber... Quero dizer... Dos meus aprendizados da vida, pois que não sei de nada desse mundo. Conselhos, na minha idade, só ganham passagem de ida. O resto... O resto é o povo, tecendo suas ignorâncias... Um dia irão sentir frio... E com que irão se cobrir? Deixa eles tecerem...
Então, acabou? Velho já não faz mais parte do mundo vivo? Não tem mais o direito de respirar os perfumes? As rosas? Ainda sai vento das minhas fuças! Eu não sou como o vento, não. Sou riacho de sangue. Riacho forte, com corredeiras bravas. Na raiva, meu pescoço ainda fica vermelho. Eu quero as companhias. Deixa o vento lá, solitário. O vento nunca se acaba, mas o velho aqui...
Veja a pedra na beira da estrada... Uma menina vem descendo a ladeira. Tem uma brisa. O andar lembra o cincerro de uma vaca, badalando. A danada sabe conduzir o mundo... Conhece o poder de cada centímetro que alarga a distância entre as coxas... Muito sabida ela... A pedra espia por baixo da saia? Pedra é pedra. Vive desde sempre por aí, mas leva a vida sem vida. Homem também. Envelhece, fica anos por aí. Mas um velho... Um velho não é quartzo ou feldspato. Um velho ainda é um carnívoro! Tenho minhas memórias... Minhas meninices...
Eh! Meus tempos de menino! Menino quando descobre que é homem... Oh! Alegria! Então, o mundo todo fica diferente. As coisas já não são só criancices. Tem as meninas... E um quente esquisito que surge de dentro. Feito bala de revólver que revolve a terra de dentro do peito, as carnes... Velho não é mais menino? É e não é. E o menino de dentro dele, para onde foi? Virou vento? O menino só morre quando o velho morre. Andam de mãos dadas, o vovô e o neto. Há muitas descobertas escondidas dentro de um velho...
E não pense que é diferente ser velho e ser menino. Tem gente que pensa que, quando se fica velho, tudo fica velho. Mas, não! Parece que tudo fica mais novo! Toda manhã, penso que talvez pode ser meu último dia... Precisa ver... Parece que até os passarinhos cantam de um jeito diferente... Se tem sol, o brilho parece que queima mais... Se tem chuva, parece que está com um molhado mais macio... O frio não queima tanto... E a brisa faz um carinho gostoso na testa... Parece carinho de mãe... E o cheiro do travesseiro, então? O sorriso acorda fácil... Antes mesmo de eu perceber que acordei...
O sorriso da gente, depois de muitos anos, esgarça os mesmos beiços de quando a gente era moleque... O sorriso nasce na infância... E a gente só mostra os dentes em duas ocasiões: no rosnar e no sorrir. Em qualquer dessas duas ocasiões, se mostra que se está muito vivo... E depois o suspiro acalma tudo.
O suspiro, parente do vento. Solidão cheia de coisas... Eh, velhice... Só chegando até ela para saber. Fazendo biquinho para beijar a morte, viúva negra...
Mas não beijo não. Ainda não. Deixa eu sentir um pouco mais do vento...
 

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segunda-feira, junho 6, 2011 - 16:35

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Maurício Decker

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