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Por Ti Seguirei... (23º episódio)

(Continuação de http://galgacourelas.blogs.sapo.pt/50380.html)

Urtize engoliu em seco mas tratou de reagir rápido às ordens. Por sua mão rasgaram-se os cordões umbilicais que os ligavam ao outro lado, agora sob posse absoluta dos legionários. A ponte suspensa abateu, mergulhando a extremidade amputada nas águas abaixo. Por enquanto, os Romanos estavam nova e estranhamente longe. Os Celtas entranharam-se na floresta que marcava a paisagem a Oeste e afastaram-se dos olhares feros dos perseguidores.
Os dias de comando de Lucius Severinus capitulavam conjuntamente com a ponte. Seria julgado por insubordinação e abuso de poder. A cavalaria da legião estava uma manta de retalhos e muito “esfarrapada”. Demoraram vários dias a repor esse corpo do exército em condição de combater. Com a chegada da infantaria, montaram o acampamento no planalto e os sapadores começaram a construir uma travessia sobre o Ebrol junto do sítio da ponte ancestral. Deveria ser suficientemente resistente à passagem de uma legião e isso prolongava os trabalhos. As gentes locais acabavam assim por beneficiar com a passagem dos estrangeiros.
Quando Rubínia acordou julgou-se ainda a sonhar. Estava deitada num leito de folhelho, dentro de uma casa – algo que já não experienciava desde que havia deixado o seu povoado. A casa era simples, com piso em terra batida e paredes de pedra, revestidas em adobe irregular. Um madeiro central a verticalizar o telhado de palha e apenas 2 aberturas, uma para postigo e outra a servir de porta, ambos protegidos por painéis de madeira, marcados por muitas frinchas, por onde entrava a luz. O espaço estava dividido em pelo menos duas áreas, por um tabique de finos ramos entrelaçados.
Sentia-se atordoava e enjoada. Queria levantar-se, porém o organismo logo se negou. Estava dorida e exaurida de forças. Tentou perceber o que se passava e rapidamente compreendeu a sua situação, assim que a memória lhe trouxe as imagens do passado recente. Olhou para o seu corpo e todo ele era uma amálgama de manchas negras, de feridas e de múltiplas marcas de impacto. Algumas eram resultado da batalha – pequenos golpes sofridos – mas a maioria fora causada pela jornada dentro do Ebrol. Felizmente e ao que parecia, não tinha fracturado nenhum osso.
Lembrou-se então do instante em que foi levada pelas águas frias do Ebrol. O escudo evitara os males da queda. O pior foi mesmo a descida descontrolada no dorso indomável do rio. Nada pôde fazer para se desviar de rochas e troncos que seguiam na corrente. Manter-se à tona já se revelara um grande sacrifício e uma luta desgastante. A tal ponto que acabou por perder os sentidos. Agora estava naquele lugar, sem saber onde e quem a acolhia. Tentou vezes sem conta sair da enxerga, mas só o pensamento se erguia. Pensou que seria melhor deixar isso para mais tarde e adormeceu novamente.
No despertar seguinte já estava alguém a seu lado. Uma mulher, sisuda. Fazia-se acompanhar de 2 crianças que a ajudavam a carregar um alguidar de barro com água e uma malga com o que parecia ser um caldo.
-“Estou aqui para te ajudar a lavar e prover-te de algum alimento. Todos me tratam por Bolota.”
Rubínia pouco mais podia fazer para além de falar, por isso acalmou-se ao ver a estranha e perguntou: -“Onde estou? Como vim aqui parar? Preciso de voltar para junto dos meus.”
-“Estás em Pellenda, a Norte do território de Numântia. Somos das tribos dos Arevácos. Julgo que tu serás a feiticeira desse célebre grupo de espíritos maléficos celtas que anda a correr os nossos domínios e a espalhar a morte.”
Rubínia sentiu-se então duplamente prisioneira. Prisioneira do corpo que era quase um cadáver e prisioneira do inimigo. Focou-se em Tebaruna e pediu indulgência para a qualquer falta que houvesse cometido aos entes divinos. Bolota percebeu a introspecção da convalescente e sentiu alguma piedade. Na verdade, também ela não gostava dos Romanos e considerava desnecessária a aliança que o seu povo havia firmado com aqueles. Sabia que a decisão tinha vindo exclusivamente dos líderes, motivados pela ganância e pela raiva e disputa que sustentavam contra os clãs vizinhos, como os Vetões. Todavia e tinha uma razão poderosa para isso, não aprovava os raides dos Celtas do ocaso setentrião. Fazia mesmo um esforço para os odiar.
-“Não que me preocupe muito, mas assim me ordenaram: é preciso lavar essas feridas, para não se tornarem infectas e postulantes. Primeiro come este caldo, para que adquiras algumas forças e me possas ajudar também.” Tudo se cumpriu e a - designada - “feiticeira” regressou ao sono.
O alarido interrompeu o descanso de Rubínia. Já com outra genica, agarrada às paredes, acercou-se da porta e abriu-a. Deu um passo no exterior da casa e, apesar de ofuscada pela luz, viu à sua frente um largo circular com diversas edificações em seu torno. Ao centro encontrava-se um tronco alto de castanheiro, sobre um afloramento granítico. Do lado oposto à sua posição, uma grande multidão observava e manifestava-se em alvoroço, contra alguém ou algo que ocorria atrás da base do poste de madeira. E foi só o que conseguiu ver. Um empurrão agressivo do soldado que - pelos vistos - a guardava, atirou-a contra o tabique do cárcere. Lá fora continuava o buliço, diminuindo de intensidade paulatinamente. Ficou intrigada e com um certo anseio pelo regresso da Bolota, para lhe perguntar a causa de todo aquele movimento. Não esperou muito: era praticamente tempo da refeição.
-“Bolota – a propósito, o meu nome é Rubínia – o que aconteceu hoje, durante a tarde, ali em frente?”
-“Imagino que estejas curiosa. Bem, hoje pescamos um segundo peixe no rio. O primeiro a aparecer, foste tu, ontem. Hoje foi um homem. O Ebrol deve ter feito justiça divina convosco, derrubando a vossa perfídia. Pela tatuagem que este traz, deve ser o mais ruim e terrível. Quantos de vós foram castigados pela deusa das águas? Hã? Diz! Temos de preparar as redes, hahahahaa!”
- “Disseste tatuagem?! Como é essa tatuagem? Por favor, suplico-te: conta-me aquilo a que assististe sobre o novo prisioneiro…”
-“Hum, feiticeira Rubínia, está muito interessada em novidades!” Disse Bolota, jocosamente. –“Está bem, vou revelar-te alguns pormenores. O guerreiro tem um urso desenhado no braço, de cor azul. Está tão maltratado como tu e tem uma grande ferida no flanco. Já começa a ter sinais de febre. Não sei se vai escapar das sombras definitivas…”
Rubínia empalideceu, apresentando sinais que premeditavam um retrocesso na recuperação do seu estado físico. Trémula, segurou a s mãos da interlocutora e implorou-lhe: -“Deixem-me tratar de Tongídio – o seu nome. Ficarei eternamente grata. Não o posso deixar morrer assim, depois de tantos trabalhos e dedicação!”
Bolota libertou as mãos e ficou, por sua vez, curiosa em saber o que motivava aquela mulher: -“Qual é o teu interesse naquele moribundo? Isto é tudo muito suspeito.”
O silêncio cresceu entre as duas e durou enquanto a prisioneira ponderava se deveria desvendar a sua ligação a Tongídio e as causas que acabaram por juntar os destinos das duas mulheres. Porém, dadas as circunstâncias, tinha mesmo de tentar tudo para inverter as previsões.
-“O guerreiro da tatuagem é meu marido e ele é, abreviando, a razão de estarmos aqui. Vou contar-te rapidamente aquela que tem sido a minha, nossa, odisseia…” E Rubínia prosseguiu com a narração dos acontecimentos, desde que havia deixado a sua terra para procurar Tongídio, outrora perdido após ataque infame dos Romanos. Esforçou-se por recordar a sucessão das peripécias mais importantes, pelas quais passaram.
Bolota sorveu todos os relatos com sofreguidão e pasmo. Chegou a pensar se seriam verdade, de tão inusitados e fantásticos. Porém, ao associar à propaganda dos seus chefes, que descreviam negativamente os feitos dos Celtas, percebeu que a verdade pode ser um pau de dois bicos.
Terminada a exposição, o silêncio regressou. Um pouco depois, ouviu-se: -“Rubínia perdoa-me a forma rude como te tratei. Estava convencida que serias o inimigo. Mas, agora sei verdadeiramente quem são os responsáveis pela morte de Cardo, meu marido. Ele morreu perto de Sekia. É certo que pareceu às vossas mãos, porém foram os Romanos e os nossos ilustres tiranos que mandaram para lá os pobres soldados.
Acredito em ti e vou ajudar-te!”
Rubínia entendia agora o azedume inicial de Bolota e lamentou as mortes desnecessárias.
Abraçaram-se, em paz.
(continua…)

Andarilhus
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quinta-feira, setembro 16, 2010 - 07:28

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