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Ruas e ruelas de amargura
Ruas e ruelas de amargura
Adorava deambular por ruas e ruelas há muito esquecidas na correria da vida. Eram escassos, momentos destes. Fixava cada janela desmaiada pela ausência da dona que a tratava; a especificidade de varandas apodrecidas pela falta de serventia. Noutras, arrepiava-me com as marquises que se montam rapidamente, como cortina que isola, em crescendo, as pessoas de dentro e as de fora. Consigo visualizar vultos que se fecham em sofás, viendo outro mundo, de personagens de TV. Olhar as estrelas, pensar nas ruas desertas, pensar nas vidas vividas em vãos de escada… Não! Sentem-se mais seguros, assim, mesmo que a sua vida esteja, afinal, aprisionada no sótão da sua própria mente.
Cada vez caminho mais devagar. Apetece-me criar a história desses vultos, dar-lhes um outro corpo, vestindo-lhes as roupas que vejo expostas nas montras das lojas. Exposição, afinal, de sonhos de vedeta. São apenas momentos, talvez nostálgicos mas bem sentidos, num real que, mesmo alheado, mantenho como rumo. Tudo é cenário. Construído, embelezado ou decadente. No filme, é palco romanceado, na vida ficcionado conforme o olhar e o momento da pessoa, fora da personagem que deambula pela cidade. A câmara do realizador fica com o trabalho facilitado. Vejo-me em qualquer tela e caminho. Assumo a personagem e o filme fica lindo!
Odete Ferreira - 24-07-2011
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