Arrastado
À medida que vou
formam-se cordões policiais que se alargam esmagando a periferia
dão-se avanços de chamas e há pele esfolada pela berma
vejo necessários e dentes
termino num centro aglutinador de inchaços à beira-mar.
Uma hermafrodita sedução de sangue molhado
emite um inflamável traço visual com ramos:
a depressão pós-parto no ventre da mãe
a impossibilidade de imaginar cor para o suspiro
o choro do nascido
coisas de repente
saltos altos acamados
a multidão que se atira à multidão
a multidão que é atirada para a multidão.
O importante é estar vivo
o objectivo é o infinito
o infinito é importante.
A um arrasto caído
um apelo para o nada deformado
cicatrização vespertina da matéria que se tornará vegetal
a dificuldade em fazer a filtragem
que convida a gota pesarosa a ser uma finita cadeira.
Na auto-estrada há um cruzamento a cada 5 metros
a folha perene não resiste, não existe
o horizonte está limpo até chegarem nuvens pretas e espessas
que debitam pingos de azeite fervido
que atingem alguém.
As entranhas resultantes daqui
vão para um abrigo escavado pela ventania
e sentem a necessidade de continuarem.
A faiscar se o planeta gira
se as descobertas arqueológicas de vestígios humanos
não serão mais que o regurgitar do inaceitável
uma devolução purulenta com um sorriso espontâneo.
Tenho pedras de xisto nos sapatos e não os vou descalçar;
calo-me atrás da sopa superior.
Ao não confortar os cabelos que caem
a voz alta conta o nº de batimentos do coração
o reboque diz ao lugar ocupado pela mente
que o arrastado já vai
que é tempo do tempo passar sem parar
que o ronco é o infinito ou o nada.
Miguelsalgado, do livro «Cova»
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