Jorge Luis Borges - O OUTRO - Resenha

JORGE LUIZ BORGES
1899 – 1986
Argentina
Exaltar a fluência, o estilo e o talento do mestre argentino é, ao cabo, apenas um exercício de redundância. Borges oferece-nos em seus Contos, generosas porções de puro deleite literário, onde a mescla de Realidades sobrenaturais, mágicas, com a profunda viagem aos Sentimentos humanos forma acepipes de degustação prazerosa e enriquecedora. O primeiro Conto desse Projeto, O Outro, segue abaixo. Boa leitura.

O OUTRO

A narrativa de um fato extraordinário ocorrido em 1969, mas só escrito em 1972 porque o protagonista tentou esquecê-lo para não enlouquecer. Segundo ele, ao escrevê-lo enfim, seu objetivo seria torná-lo apenas um texto literário para os leitores e, quiçá, para ele mesmo com o passar do tempo.
Subentendido, pois, fica seu desejo de registrá-lo, preservá-lo, mas sem colocar em risco a sua sanidade. Afinal a dramaticidade do evento tinha essa capacidade, pois o encontro de alguém consigo mesmo, quarenta anos mais jovem, é avassalador.
O protagonista, que é o próprio Borges, conta em Primeira Pessoa que certa manhã sentiu uma estranha sensação quando se sentou no mesmo banco em que ele estava um jovem cuja extrema semelhança consigo (física, da voz e dos modos) o levou a suspeitar que fosse “sua versão mais nova”; e para dirimir a angustiante dúvida que lhe assaltou passou a indagar-lhe sobre coisas pessoais e as respostas coincidiram exatamente com as suas próprias e isso fê-lo ter certeza de que o jovem era, em verdade, ele próprio. Para comprovar sua crença, relata ao rapaz outros dados que só ele (jovem ou idoso) poderia saber, mas ainda assim o moço rejeita sua tese e argumenta que essas coincidências poderiam derivar apenas do fato dele, jovem, estar sonhando consigo no Futuro.
Borges, idoso, acha apropriado o contra-argumento e a partir daí começa uma reflexão sobre o sonhar e sobre o Tempo, sempre ressaltando que o seu Passado será o Futuro do outro. Claro que recheando os hiatos dessa reflexão, o diálogo logo passa para as Letras, para os Livros lidos e para aqueles que serão (ou já foram) escritos por ambos. Complementa a conversa, os sonhos ingenuamente idealistas do jovem e a saudosa realidade do idoso.
Interrompendo esse fio, num certo momento, o jovem foge do tema e coloca um novo argumento que poderia comprovar a natureza de sonho apenas, daquele encontro. Diz: como o Senhor pode responder ao fato de – sendo ambos um só homem – ter esquecido que quando era jovem encontrou-se com um Senhor que dizia ser ele?
Sem resposta, o idoso tergiversa até voltar à carga tentando, agora, convencê-lo mediante a citação de um verso de outro autor (Victor Hugo 1802 – 1885, França), o que sinalizaria a diferença entre os conteúdos dos cérebros de ambos, motivada pela maior ou menor quantidade de leituras feitas. Ou seja, uma comprovação de que ele existe de fato e não é apenas uma personagem do sonho do jovem.
Ante um indeciso aceite do jovem, o idoso prossegue citando uma fantasia de Colleridge (Samuel Taylor, 1772 – 1834, Grã Bretanha), na qual alguém sonha estar no Paraíso onde lhe dão uma flor como prova de que ali esteve e, ao acordar, esse alguém nota a flor ao seu lado.
Prosseguindo, o idoso pensa arrematar seu convencimento com a proposta de que ambos troquem os respectivos dinheiros, mas o jovem se aterroriza com a data (1964) impressa na nota do idoso. Alarmado, rasga a nota e a troca não acontece.
A última tentativa do homem maduro acontece com o convite do idoso para que ambos tenham novos encontros e com isso se convençam da estranha duplicidade que lhes acontece. Da inaudita capacidade de estarem em tempos diferentes, vivendo apenas uma vida. O rapaz assente, mas, no intimo, ambos sabem que não comparecerão aos eventuais novos encontros e Borges finaliza o Conto fazendo uma reflexão sobre a realidade do encontro, que se para o jovem esteve no terreno do sonho, para ele o fato se deu na lembrança que permanece.
Como se viu essa é a forma mágica com que Borges trata uma das lembranças que permeiam as vidas dos homens maduros. De todos os homens maduros.

Como ele mesmo diz: afinal, ao recordar, não existe ninguém que não se encontre consigo mesmo.
 

Produção e divulgação de Pri Guilhen, lettre, l´art et la culture, assessoria de Comunicação, Rio de Janeiro, inverno de 2014.

Submited by

Tuesday, August 5, 2014 - 14:40

Prosas :

No votes yet

fabiovillela

fabiovillela's picture
Offline
Title: Moderador Poesia
Last seen: 8 years 7 weeks ago
Joined: 05/07/2009
Posts:
Points: 6158

Add comment

Login to post comments

other contents of fabiovillela

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Sadness A Canção de Alepo 0 6.657 10/01/2016 - 21:17 Portuguese
Poesia/Meditation Nada 0 5.796 07/07/2016 - 15:34 Portuguese
Poesia/Love As Manhãs 0 5.100 07/02/2016 - 13:49 Portuguese
Poesia/General A Ave de Arribação 0 5.732 06/20/2016 - 17:10 Portuguese
Poesia/Love BETH e a REVOLUÇÃO DE VERDADE 0 6.649 06/06/2016 - 18:30 Portuguese
Prosas/Others A Dialética 0 11.178 04/19/2016 - 20:44 Portuguese
Poesia/Disillusion OS FINS 0 6.195 04/17/2016 - 11:28 Portuguese
Poesia/Dedicated O Camareiro 0 7.246 03/16/2016 - 21:28 Portuguese
Poesia/Love O Fim 1 5.605 03/04/2016 - 21:54 Portuguese
Poesia/Love Rio, de 451 Janeiros 1 10.515 03/04/2016 - 21:19 Portuguese
Prosas/Others Rostos e Livros 0 7.862 02/18/2016 - 19:14 Portuguese
Poesia/Love A Nova Enseada 0 5.835 02/17/2016 - 14:52 Portuguese
Poesia/Love O Voo de Papillon 0 5.329 02/02/2016 - 17:43 Portuguese
Poesia/Meditation O Avião 0 5.694 01/24/2016 - 15:25 Portuguese
Poesia/Love Amores e Realejos 0 7.171 01/23/2016 - 15:38 Portuguese
Poesia/Dedicated Os Lusos Poetas 0 5.796 01/17/2016 - 20:16 Portuguese
Poesia/Love O Voo 0 5.439 01/08/2016 - 17:53 Portuguese
Prosas/Others Schopenhauer e o Pessimismo Filosófico 0 8.988 01/07/2016 - 19:31 Portuguese
Poesia/Love Revellion em Copacabana 0 5.282 12/31/2015 - 14:19 Portuguese
Poesia/General Porque é Natal, sejamos Quixotes 0 5.696 12/23/2015 - 17:07 Portuguese
Poesia/General A Cena 0 6.196 12/21/2015 - 12:55 Portuguese
Prosas/Others Jihadismo: contra os Muçulmanos e contra o Ocidente. 0 9.818 12/20/2015 - 18:17 Portuguese
Poesia/Love Os Vazios 0 8.383 12/18/2015 - 19:59 Portuguese
Prosas/Others O impeachment e a Impopularidade Carta aberta ao Senhor Deputado Ivan Valente – Psol. 0 6.817 12/15/2015 - 13:59 Portuguese
Poesia/Love A Hora 0 8.398 12/12/2015 - 15:54 Portuguese