Nini e a Valsa


Já se vão mais de quinze anos, mas a imagem não me sai da memória.

Os seus maltratados sessenta davam-lhe a aparência de serem mais. Sujo, maltrapilho, barbudo e eternamente bêbado, Nini perambulava pela cidade. Talvez pela vida.

Eu já o conhecia porque não era raro que ele fosse dormir na sacada de minha casa. E por tanto expulsá-lo, acabamos criando uma relação singular que se não era de amizade, também não era de hostilidade.

E foi assim que ao lhe ver naquela tarde uma onda de carinho por aquele homem - que deixara de sê-lo, sabe-se lá por quantas desilusões, frustrações e mágoas - me tomou.

O botequim não diferia em essência de todos os outros. Talvez fosse mais limpo, mas isso, diga-se, não fazia muita diferença para a fauna que mais o habitava, que frequentava.

Igual a todos, abastecia os esquecimentos com a mesma cachaça, com o mesmo vermute e com a cerveja igual; mas, naquele Sábado o inabitual som de um acordeom, cujo proprietário tocava uma valsa antiga, conferia-lhe singularidade.

E ao primeiro acorde, por puro reflexo, Nini tomou uma imaginária dama e com ela valsou.

Dançou, rodopiou e ao passarmos por ele não se conteve e com gestos largos fez-nos uma fidalga mesura, que se dos outros arrancou gargalhadas, de mim arrancou um suspiro de pura saudade.

Saudade do tempo em que valsas só eram interrompidas pelas mesuras. Saudade do tempo em que se é limpo de corpo e de alma. Saudade de um tempo em que os salões eram acessíveis. Saudade de um tempo em que Nini podia dançar sem que rissem de sua capacidade de sonhar. Saudade do tempo em que a dama não era só outra saudade. Saudade do tempo em que meu nome era Fabio e não Nini.

Lettré, l´art et la Culture, Rio de Janeiro, Primavera de 2014
 

Submited by

Wednesday, December 17, 2014 - 01:56

Prosas :

No votes yet

fabiovillela

fabiovillela's picture
Offline
Title: Moderador Poesia
Last seen: 8 years 27 weeks ago
Joined: 05/07/2009
Posts:
Points: 6158

Add comment

Login to post comments

other contents of fabiovillela

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Sadness A Canção de Alepo 0 8.090 10/01/2016 - 22:17 Portuguese
Poesia/Meditation Nada 0 6.703 07/07/2016 - 16:34 Portuguese
Poesia/Love As Manhãs 0 6.699 07/02/2016 - 14:49 Portuguese
Poesia/General A Ave de Arribação 0 6.812 06/20/2016 - 18:10 Portuguese
Poesia/Love BETH e a REVOLUÇÃO DE VERDADE 0 8.598 06/06/2016 - 19:30 Portuguese
Prosas/Others A Dialética 0 12.388 04/19/2016 - 21:44 Portuguese
Poesia/Disillusion OS FINS 0 7.408 04/17/2016 - 12:28 Portuguese
Poesia/Dedicated O Camareiro 0 9.487 03/16/2016 - 22:28 Portuguese
Poesia/Love O Fim 1 6.900 03/04/2016 - 22:54 Portuguese
Poesia/Love Rio, de 451 Janeiros 1 11.668 03/04/2016 - 22:19 Portuguese
Prosas/Others Rostos e Livros 0 10.398 02/18/2016 - 20:14 Portuguese
Poesia/Love A Nova Enseada 0 6.916 02/17/2016 - 15:52 Portuguese
Poesia/Love O Voo de Papillon 0 6.223 02/02/2016 - 18:43 Portuguese
Poesia/Meditation O Avião 0 7.101 01/24/2016 - 16:25 Portuguese
Poesia/Love Amores e Realejos 0 8.577 01/23/2016 - 16:38 Portuguese
Poesia/Dedicated Os Lusos Poetas 0 6.944 01/17/2016 - 21:16 Portuguese
Poesia/Love O Voo 0 6.645 01/08/2016 - 18:53 Portuguese
Prosas/Others Schopenhauer e o Pessimismo Filosófico 0 11.518 01/07/2016 - 20:31 Portuguese
Poesia/Love Revellion em Copacabana 0 6.241 12/31/2015 - 15:19 Portuguese
Poesia/General Porque é Natal, sejamos Quixotes 0 8.102 12/23/2015 - 18:07 Portuguese
Poesia/General A Cena 0 7.612 12/21/2015 - 13:55 Portuguese
Prosas/Others Jihadismo: contra os Muçulmanos e contra o Ocidente. 0 11.280 12/20/2015 - 19:17 Portuguese
Poesia/Love Os Vazios 0 10.380 12/18/2015 - 20:59 Portuguese
Prosas/Others O impeachment e a Impopularidade Carta aberta ao Senhor Deputado Ivan Valente – Psol. 0 9.418 12/15/2015 - 14:59 Portuguese
Poesia/Love A Hora 0 10.080 12/12/2015 - 16:54 Portuguese