O Lago dos Patos

Hoje o lago está um tanto triste.
Durante os últimos meses, este lugar foi para mim como deve ter sido para outras pessoas, uma fonte pura de energia. Todas as manhãs eu estacionava meu carro na rua que o margeia, respirava o sopro da primeira brisa, dava bom dia ao dia, bendizia o sol, agradecia a vida, e ouvia o louvor da natureza na voz dos pardais e bem-te-vis. De alma nova, calmamente dava as cinco voltas ao redor do lago, enquanto declinava os cinco mistérios do terço. Assim começava o meu dia. Andar pode fazer muito bem à saúde do corpo e da alma. O lago para os que o freqüentam, se torna com o passar do tempo um forte referencial.

O lago só subsiste, só permanece e se personaliza por ser o fator de equilíbrio da praça. O lago é estático e só tem vida, só significa, porque giramos em torno dele. O lago só é paz porque de maneira centrífuga despejamos nele nossos sonhos de agora, nossas lembranças do antes e nossas visões do depois. O lago é como um vórtice triturador de nossas dores, angústias e problemas. O lago não interage, mas como um velho sábio, ouve todos os clamores e desabafos sem nada questionar, sem nada responder. O lago nos passa uma idéia cíclica de vida. Do lago emana a brisa que nos refresca, e no lago por um imaterial remoinho, são absorvidos como numa clepsidra, os minutos da nossa vida. O lago é começo e fim em si mesmo. O lago nos alimenta e nos desgasta, nos dá e nos cobra. O lago nos ensina e nos questiona. O lago só se faz presente para as pessoas que o entendem, para os que o decifram e para aqueles que o vêem.

Hoje também, a brisa suave soprou. As brancas garças suavemente pousaram em suas margens a procura do alimento, hoje também eu rezei meu terço e os pássaros entoaram seu louvor, também hoje o sol despejou sobre as águas seus raios de prata. Hoje também é um novo dia.
As pessoas, como sempre, andaram, correram, se cumprimentaram, sorriram, e se inseriram alegres e displicentes nesta paisagem, como conteúdos precípuos deste quadro que meu Deus plasmou.

Mas hoje, é como se o lago não existisse para mim. Hoje o lago é como um quadro sem a assinatura do pintor, porque o banco de cimento sob as sombras das árvores está por algum motivo vazio. Na verdade, durante os últimos meses eu só vim ao lago para olhar o banco de cimento. O banco era a vida do lago e justificava a paisagem. Eu então olhava fixo para o banco de cimento, e pensava: um dia, serei eu quem estará sentado ali...

Ele devia ter por volta de oitenta anos. Nunca falei com ele. Não precisava. Seus cabelos brancos, seus movimentos lentos, o brilho dos seus olhos, aquele sorriso leve e solto, contavam toda uma história. Eu não sabia, mas era responsável por esse velho que me fazia contemplar o lago com sabedoria. Eu tinha por obrigação livrá-lo dos preconceitos que pesam sobre todos os idosos, mas a minha inércia impediu. Por quanto tempo ainda, velho nos lembrará asilo? Hoje o banco está vazio. Dizem que ele morreu de saudades. Dizem que morreu sozinho, sentado ali. O lago hoje deixou de ser, ou talvez, nunca tenha existido para mim. Já não há mais nada para eu fazer aqui. Hoje eu entendi que o lago era um detalhe. Aquele doce velhinho sim, era a vida da paisagem, a personalidade, os sonhos, a visões e as lembranças. Por isso há uma lágrima no canto dos meus olhos. (J.thamiel)

Submited by

Wednesday, May 4, 2016 - 12:21

Prosas :

No votes yet

J. Thamiel

J. Thamiel's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 1 week 20 hours ago
Joined: 05/02/2016
Posts:
Points: 3742

Add comment

Login to post comments

other contents of J. Thamiel

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Fotos/Digital Art Troam Trovas Triviais 0 3.264 11/04/2016 - 17:14 Portuguese
Poesia/General PORTAS 0 1.043 11/06/2016 - 21:09 Portuguese
Poesia/Disillusion AH! SE EU TIVESSE VINTE... 0 1.306 11/08/2016 - 22:28 Portuguese
Poesia/Dedicated RUA DA PACIÊNCIA 0 1.218 11/10/2016 - 22:56 Portuguese
Poesia/Dedicated A PRAÇA NÃO ERA ASSIM - (Homenagem ao meu amigo poeta) 0 1.095 11/11/2016 - 12:16 Portuguese
Poesia/Disillusion DESENCONTRO 0 1.115 11/14/2016 - 23:34 Portuguese
Poesia/Dedicated EU VIM DE LÁ PEQUENININHO 0 1.872 11/16/2016 - 22:02 Portuguese
Poesia/Disillusion A PORTA ABERTA 0 1.008 11/18/2016 - 12:50 Portuguese
Poesia/General A MOSCA E A ABELHA 0 1.256 11/21/2016 - 14:04 Portuguese
Poesia/General SENSAÇÕES 0 7.066 11/22/2016 - 12:00 Portuguese
Poesia/Meditation EU SOU O PROBLEMA 0 894 11/23/2016 - 12:27 Portuguese
Poesia/General POÉTICO, PATÉTICO 0 1.835 11/24/2016 - 11:34 Portuguese
Poesia/General VAI-SE A PRIMEIRA POMBA DESPERTADA 1 2.122 11/25/2016 - 23:51 Portuguese
Poesia/Meditation JAZ ! - (Ensaio de surrealismo parnasiano) 0 1.219 11/27/2016 - 19:42 Portuguese
Poesia/General SEGUNDA-FEIRA 0 1.584 11/28/2016 - 11:25 Portuguese
Poesia/General BOIA-FRIA 0 992 11/30/2016 - 11:01 Portuguese
Poesia/Dedicated COMO FAZER POESIA 0 993 11/30/2016 - 22:40 Portuguese
Poesia/Meditation TRISTEZA 0 1.106 12/01/2016 - 13:39 Portuguese
Poesia/General ALMA 0 4.393 12/02/2016 - 11:00 Portuguese
Prosas/Others "belém" ou pra lá de "belém"? 0 2.147 12/02/2016 - 14:22 Portuguese
Poesia/Joy REVERÊNCIA 0 1.526 12/03/2016 - 15:45 Portuguese
Poesia/Dedicated AO POVO DE CHAPECÓ 0 5.488 12/05/2016 - 14:26 Portuguese
Poesia/General O homem que habita em mim 2 718 12/05/2016 - 21:21 Portuguese
Prosas/Thoughts O CAMINHO ATÉ BELÉM 0 859 12/07/2016 - 00:39 Portuguese
Poesia/Friendship O MILAGRE É... 0 6.473 12/07/2016 - 00:51 Portuguese