Assim falou Nego Johnson
Por Odair José da Silva
A noite já estava silenciosa e a cidade dormia. Passava da meia noite quando o chefão da comunidade o chamou e determinou que cuidasse da entrada. Que ficasse como vigilante até o amanhecer. E recomendara com muita veemência:
- Vê se fica de olho bem aberto. Não dá mole não, viu! Fique atento a tudo e a todos. Ninguém entra e ninguém sai da comunidade antes das seis da manhã. Ouviu bem?
- Sim. Ninguém entra e ninguém sai. Entendi.
- Nem o papa – reafirmou o chefão com a arma na mão. Vários outros comparsas estavam ao lado dele e observava a conversa entre os dois. – Nem se for minha vovozinha, entendeu?
Balançou a cabeça afirmativamente e caminhou para o posto na entrada da favela. Que merda esse cara pensa que sou. Eu já entendi que não passa ninguém. – pensava no caminho – quero ver quem vai encarar essa pistola aqui. Olhou para a pistola na mão direita e ajeitou o fuzil que trazia pendurado na costa. Ninguém vai ser louco de tentar violar a ordem do toque de recolher.
Ajeitou-se encima de um tambor que estava encostado em um barraco. Tinha a visão completa da rua. O silêncio só era quebrado pelos latidos de alguns vira-latas que, provavelmente corria atrás de algum gato ou coisa qualquer. Deve ser umas duas da manhã, pensou ele. E o tempo passou lentamente. A comunidade estava com medo. Havia tido trocas de tiros durante a noite e sabia que os milicianos rivais poderiam tentar alguma coisa.
Os olhos pesaram e o sono queria dominá-lo quando ele ouviu passos. Assustou-se e ficou em pé olhando em todas as direções. Então ele a avistou. Era uma senhora de idade. Forçou as vistas conforme ela se aproximava com passos lentos.
- Alto lá, vovozinha – disse apontando a arma para ela. – onde a senhora pensa que vai?
- Calma meu filho – disse ela chegando perto dele – eu só estou indo para a igreja.
- Igreja? Hora dessas? Tem igreja agora não. É de madrugada.
- Eu vou orar meu filho, falar com o Senhor.
- Olha aqui dona, vamos parar de palhaçada. O que a senhora está fazendo essa hora da madrugada na rua?
- Eu já disse meu filho, vou orar. Minha igreja fica a duas quadras daqui. É aquela azul que tem perto do mercadinho, você deve saber qual é.
- Sim eu sei qual é. Mas não tem ninguém lá hora dessas. Volte para sua casa e vá dormir. Amanhã a senhora vai na igreja.
- Não posso meu filho, oro sempre de madrugada. Deus ouve aqueles que o buscam nas madrugadas.
- Olha aqui minha senhora – o jovem apontou a arma para ela – daqui você não pode passar. Ninguém pode passar. É ordem.
A senhora ficou em silêncio por algum tempo e então disse:
- Se você vai atirar então atire logo porque eu vou orar.
Começou a caminhar e o jovem a interpelou:
- O que você está fazendo? Sabe que não pode passar por aqui.
- Vou orar por você, meu filho.
Ele praguejou, esperneou e ameaçou atirar naquela velha louca. Que merda essa senhora está fazendo. Onde se viu andar de madrugada pela rua para ir à igreja orar. Porque não ora em casa mesmo? Correndo perigo de ser morta numa rua deserta dessa.
E lá se foi à senhorinha em direção à igreja.
- Tudo normal?
O chefão olhou nos olhos dele. Outros três capangas o acompanhavam. Armados até os dentes eles olharam a cara de terror dele diante da situação.
- Sim. Tudo tranqüilo.
- Ninguém passou por aqui?
- Não.
(Silêncio)
- Não minta para mim.
Engoliu em seco e, então falou:
- Só uma senhora meio louca ai. Disse que ia para a igreja orar.
- Orar? De madrugada? E você acreditou nessa história?
- Sim.
- Você é mesmo um imbecil. – colocou a arma na cabeça dele – e se for uma espiã? E o que eu falei que nem o papa, nem minha vovozinha poderiam passar por aqui antes das seis?
Fechou os olhos esperando a bala perfurar o seu cérebro. Foi então que viu. Havia entrada em um grande salão. Era muito grande o salão e tinha um corredor imenso. Tudo branco e pessoas caminhavam sem pressa. Todos bem arrumados. Estava no paraíso? Viu a senhora. Tinha um semblante tão lindo. Parecia um anjo. Ela caminhou até ele. Pegou nas mãos dele e disse:
- Deus tem um plano na sua vida. E não é ficar cuidando de entrada de favela com armas na mão. Ele tem algo melhor para você. O cara me deu um tiro e eu vim para o paraíso.
- Oh! – Exclamou o chefão. – Não vou te matar agora. Vê se some da minha frente. Imbecil.
O dia havia amanhecido e pessoas caminhavam para os seus trabalhos e afazeres. Andou meio perdido por um tempo e, de relance viu a igreja. E viu a senhora saindo de lá.
- Eu orei por você – disse ela ao passar por ele – pedi a Deus para cuidar de você e transformar o seu coração. Pedi ao Senhor para que você não seja morto pelos criminosos desse lugar. Deus tem um plano para a sua vida.
Não quis que ela percebesse, mas de seus olhos lágrimas estavam rolando.
Prosa: Odair José, o Poeta Cacerense
Submited by
Prosas :
- Login to post comments
- 6508 reads
other contents of Odairjsilva
Topic | Title | Replies | Views |
Last Post![]() |
Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Thoughts | O mapa pelos labirintos | 8 | 3.880 | 07/27/2024 - 00:41 | Portuguese | |
Poesia/Disillusion | Vivo da saudade que sinto | 6 | 2.865 | 07/24/2024 - 22:41 | Portuguese | |
Poesia/Love | Hipnotizado | 6 | 2.501 | 07/23/2024 - 11:55 | Portuguese | |
Poesia/Love | Não posso imaginar | 6 | 2.706 | 07/22/2024 - 21:23 | Portuguese | |
Poesia/Love | Por onde ando agora | 6 | 2.106 | 07/21/2024 - 14:08 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Aqui deitarei o meu reinado | 6 | 3.698 | 07/20/2024 - 23:15 | Portuguese | |
Poesia/Love | As tramas sutis do amor | 6 | 3.290 | 07/20/2024 - 14:07 | Portuguese | |
Poesia/Love | Um mistério que seduz | 6 | 2.513 | 07/19/2024 - 23:58 | Portuguese | |
Poesia/Disillusion | Saudade que sufoca | 6 | 2.724 | 07/19/2024 - 13:23 | Portuguese | |
Poesia/Passion | Linda morena | 6 | 2.520 | 07/18/2024 - 14:14 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Arautos da ignorância | 7 | 5.501 | 07/17/2024 - 13:51 | Portuguese | |
Poesia/Intervention | A poesia para os tristes | 6 | 2.372 | 07/16/2024 - 19:34 | Portuguese | |
Poesia/Love | A mensagem do amor em seus enredos | 6 | 2.159 | 07/15/2024 - 23:35 | Portuguese | |
Poesia/Meditation | A loucura da verdade | 6 | 1.672 | 07/15/2024 - 13:45 | Portuguese | |
Poesia/Song | Tudo o que desejei | 6 | 2.806 | 07/14/2024 - 17:02 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Palavras escritas para os perdidos | 6 | 4.079 | 07/13/2024 - 14:36 | Portuguese | |
Poesia/Love | Amanhã, quem sabe? | 6 | 1.912 | 07/12/2024 - 13:50 | Portuguese | |
Poesia/Disillusion | O tempo faz esquecer | 6 | 3.106 | 07/11/2024 - 14:37 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Esquecemos o que aconteceu ontem | 6 | 4.198 | 07/10/2024 - 16:47 | Portuguese | |
Poesia/Disillusion | Passados recompostos | 6 | 3.477 | 07/09/2024 - 15:15 | Portuguese | |
Poesia/Disillusion | Fere como um punhal | 6 | 2.928 | 07/08/2024 - 16:19 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Que mundo criamos? | 6 | 2.686 | 07/07/2024 - 14:34 | Portuguese | |
Poesia/Intervention | Convoco os poetas | 8 | 3.058 | 07/07/2024 - 14:28 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Todas as canções possíveis | 6 | 4.478 | 07/05/2024 - 14:21 | Portuguese | |
Poesia/Dedicated | Canção ao Festival de Pesca | 6 | 3.440 | 07/04/2024 - 14:55 | Portuguese |
Add comment