POISO DE SEREIAS

Jaz
um barco
de casco feroz
num mar de espectros,
guardiões no seu profundo
de atroz dor presa à argola das palavras.

Palavras
de sofá parasita,
à deriva no sono que profana
as migalhas de luz que me resta
assoar o caminho do meu tempo.

Engulo águas
domesticadas pelo vento,
ao cabo da linguagem que me enjaula
no teor de um livro que ninguém ousa abrir.

Um livro
de mofos trovadores
dos confins mais vagos da minha alma.

Vadia alma,
apedrejada por nascentes
que saciam a sede das canções.

Vadia alma,
pela aurora dos pássaros
que voam nos lábios da minha musa.

Esse barco
fala na proa poetas,
rapta à popa marés esquivas
para versejar longas procuras de si.

Procuras,
onde envelhece
a madrasta espera que rege
a distância da poesia na bitola da vida.

Esse barco
é poiso de sereias,
tantas quantas as areias
onde encalham as estrelas
que navegam nos meus olhos.

É dos meus olhos
que esse mar extrai às flores os luares.

É dessas flores
que o meu ego bebe o pólen
que me abriga dos meus vendavais.

De lua em lua,
pinto as cores da voz
que adorna o pesar das lágrimas.

Lágrimas antigas
por entre nevoeiros,
onde os faróis dançam levianos
com furacões insuportavelmente tristes.

Tristes melodias
no fundo desse mar de espectros,
onde o norte é um vale de esquecimento.

Sinto-me ali,
esquecido ao leme desse barco
que jaz nas ondas de tédio do sol,
saciado pelo rasgar de páginas escritas de mim.

Páginas folheadas
por sentimentos insuspeitos,
sensações empolgando espadas piratas
por onde se evapora o rolar da minha cabeça.

Chora-me o pescoço
sobre guilhotinas de amor,
soltas pela chuva que me esfria
os vulcões dos olhos suspirados em pavor.

Este terror
é um espelho de desastres
onde me vejo tirânico de mim mesmo,
caio em mim desertor pelas fogueiras da noite.

Noites
de praia deserta,
despertas para o enjoo
impaciente das mãos alcançarem
serões que o corpo soa enlouquecido.

Esse barco é parco corpo,
repulsivo ao ouvido da língua
tacanha ao nada que me persegue os poros.

Esse mar
de espectros,
é descarrilar a zero
pela dentadura ébria dos sonhos
que derramam a minha solidão das visões.

Submited by

Wednesday, September 1, 2010 - 01:02

Poesia :

No votes yet

Henrique

Henrique's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 10 years 15 weeks ago
Joined: 03/07/2008
Posts:
Points: 34815

Comments

Quimeras's picture

Re: POISO DE SEREIAS

Henrique

Mais um belo poema, uma viagem, em barco parado, pelas palavras que desvendam o sentir deste "eu". Uma viagem no tempo, onde
"De lua em lua,
pinto as cores da voz
que adorna o pesar das lágrimas."

Um beijo

Rosi's picture

Re: POISO DE SEREIAS

Chora-me o pescoço
sobre guilhotinas de amor,
soltas pela chuva que me esfria
os vulcões dos olhos suspirados em pavor.Caro amigo Henrique parabéns lindíssimo
Abs Rose.

Angelo's picture

Re: POISO DE SEREIAS

Sinto-me ali,
esquecido ao leme desse barco
que jaz nas ondas de tédio do sol,
saciado pelo rasgar de páginas escritas de mim.

Esse mar
de espectros,
é descarrilar a zero
pela dentadura ébria dos sonhos
que derramam a minha solidão das visões.

Muito lindo, estes pensamentos que a poesia fez retratar. Parabéns Caro amigo Henrique
O meu obrigado pela visita e comentários que tanto me honram.
Melo

Susan's picture

Re: POISO DE SEREIAS

Henrique que poema maravilhoso onde o mar é o poiso e a água de beber a música a vida.
Abraços
Susan

Add comment

Login to post comments

other contents of Henrique

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Thoughts DA POESIA 1 11.842 05/26/2020 - 23:50 Portuguese
Videos/Others Já viram o Pedro abrunhosa sem óculos? Pois ora aqui o têm. 1 55.179 06/11/2019 - 09:39 Portuguese
Poesia/Sadness TEUS OLHOS SÃO NADA 1 10.559 03/06/2018 - 21:51 Portuguese
Poesia/Thoughts ONDE O INFINITO SEJA O PRINCÍPIO 4 12.992 02/28/2018 - 17:42 Portuguese
Poesia/Thoughts APALPOS INTERMITENTES 0 11.253 02/10/2015 - 22:50 Portuguese
Poesia/Aphorism AQUILO QUE O JUÍZO É 0 13.296 02/03/2015 - 20:08 Portuguese
Poesia/Thoughts ISENTO DE AMAR 0 10.256 02/02/2015 - 21:08 Portuguese
Poesia/Love LUME MAIS DO QUE ACESO 0 11.937 02/01/2015 - 22:51 Portuguese
Poesia/Thoughts PELO TEMPO 0 9.464 01/31/2015 - 21:34 Portuguese
Poesia/Thoughts DO AMOR 0 10.701 01/30/2015 - 21:48 Portuguese
Poesia/Thoughts DO SENTIMENTO 0 9.574 01/29/2015 - 22:55 Portuguese
Poesia/Thoughts DO PENSAMENTO 0 14.191 01/29/2015 - 19:53 Portuguese
Poesia/Thoughts DO SONHO 0 9.988 01/29/2015 - 01:04 Portuguese
Poesia/Thoughts DO SILÊNCIO 0 9.532 01/29/2015 - 00:36 Portuguese
Poesia/Thoughts DA CALMA 0 11.444 01/28/2015 - 21:27 Portuguese
Poesia/Thoughts REPASTO DE ESQUECIMENTO 0 7.547 01/27/2015 - 22:48 Portuguese
Poesia/Thoughts MORRER QUE POR DENTRO DA PELE VIVE 0 12.296 01/27/2015 - 16:59 Portuguese
Poesia/Aphorism NENHUMA MULTIDÃO O SERÁ 0 10.541 01/26/2015 - 20:44 Portuguese
Poesia/Thoughts SILENCIOSA SOMBRA DE SOLIDÃO 0 10.336 01/25/2015 - 22:36 Portuguese
Poesia/Thoughts MIGALHAS DE SAUDADE 0 10.639 01/22/2015 - 22:32 Portuguese
Poesia/Thoughts ONDE O AMOR SEMEIA E COLHE A SOLIDÃO 0 8.588 01/21/2015 - 18:00 Portuguese
Poesia/Thoughts PALAVRAS À LUPA 0 8.053 01/20/2015 - 19:38 Portuguese
Poesia/Thoughts MADRESSILVA 0 7.531 01/19/2015 - 21:07 Portuguese
Poesia/Thoughts NA SOLIDÃO 0 11.057 01/17/2015 - 23:32 Portuguese
Poesia/Thoughts LÁPIS DE SER 0 11.313 01/16/2015 - 20:47 Portuguese