A Mendiga
Donnez: - Et quand vous paraîtrez devant juge austère Vous direz: J'ai connu la pitié sur la terre, Je puis la demander aux cieux! --
Turquety
I
Eu sonhei durante a noite...
Que triste foi meu sonhar!
Era uma noite medonha,
Sem estrelas, sem luar.
E ao través do manto escuro
Das trevas, meus olhos viam
Triste mendiga formosa,
Qu'infortúnios consumiam.
Era uma pobre mendiga,
Porém, cândida donzela;
Pudibunda, afável, doce,
Amorosa, e casta, e bela.
Vestia rotos andrajos,
Que o seu corpo mal cobriam;
Por vergonha os olhos dela
Sobre ela se não volviam.
Pelas costas descobertas
Cortador o frio entrava;
Tinha fome e sede, - e o pranto
Nos seus olhos borbulhava.
E qual vemos dos céus descendo rápido
Um fugaz meteoro, vi descendo
Um anjo do Senhor; - Parou sobre ela,
E mudo a contemplava. - Uma tristeza
Simpática, indizível pouco e pouco
Do anjo nas feições se foi pintando:
Qual tristeza de irmão que a irmã mais nova
Conhece enferrna e chora. - Ela no peito
Menor sentiu a dor, e humilde orava.
II
De um vasto edifício nas frias escadas
Eu vi-a sentada; - era um templo, diziam,
Secreto concílio de sócios piedosos,
Que o bem tinha juntos, que bem só faziam.
Defronte um palácio soberbo se erguia,
E dele partia confuso rumor:
- A dança girava, e a orquestra sonora
Cantava alegria, prazeres e amor.
E quando ao palácio um conviva chegava,
Rugindo se abria o ruidoso portão;
Eflúvios de incenso nos ares corriam
Da rua esteirada com vivo clarão.
E a triste mendiga ali 'stava ao relento,
Com fome, com frio, com sede e com dor;
E eu vi o seu anjo, mais triste no aspecto,
Mais baço, mais turvo da glória o fulgor.
E à porta do vasto sombrio edifício
Um vulto chegou.
- Senhor, uma esmola! bradou-lhe a mendiga
E o vulto parou.
E rude no acento, no aspecto severo,
Lhe disse: - O teu nome?
Tornou-lhe a mendiga: - Senhor, uma esmola,
Que eu morro de fome.
- Não, dizes teu nome? lhe torna o soberbo
- Sou órfã, sozinha;
Meu nome qu'importa, se eu sofro, se eu gemo,
Se eu choro mesquinha!"
- Em vis meretrizes não cabe esse orgulho,
Tornou-lhe o Senhor,
Que à noite, nas trevas, contratam no crime,
Vendendo o pudor.
E a porta do templo - erguido à piedade
Com força batia;
Co'o peso do insulto acrescido à crueza,
A triste gemia.
III
Ouvi depois um rodar que a todo o instante
Mais distinto se ouvia; e logo um forte,
Fascinador clarão por toda a rua
Se derramou soberbo. - Infindos pajens
Ricas librés trajando, mil archotes
Nos ares revolviam; - fortes, rápidos,
Fumegantes corcéis, sorvendo a terra,
Tiravam rica sege melindrosa.
Sobre a terra saltou airosa e bela
A dona, em frente do festivo paço;
E a mendiga bradou: - Senhora minha,
Dai uma esmola, dai! - À voz dorida
Volveu-se o rosto d'anjo, porém d'anjo
Não era o coração; - foi-lhe importuno,
Mais que importuno... da mesquinha o grito!
E da mendiga o protetor celeste
Parecia falar em favor dela;
E a rica dona o escutava, como
Se ouvisse a interna voz que dentro mora.
E eu dizia também - Ó bela Dona,
Dai-lhe uma esmola, daí; - de que vos serve
Um óbolo mesquinha, que não pode
Sequer um dixe sem valor comprar-vos?
Ah! bela como sois, que vos importam
Custosas flores, com que ornais a fronte?
Para a salvar do vórtice do crime,
O preço delas, uma só, da coisa,
Que sem valor julgardes, é bastante.
Sabeis? - Além da vida, além da morte,
Quando deixardes o ouropel na campa,
Quando subirdes do Senhor ao trono,
Sem andrajos sequer, também mendiga,
Ali tereis as lágrimas do pobre,
A bênção do afligido, a prece ardente
Do que sofrendo vos bendisse, - ó Dona.
Fechou-se a porta festival sobre ela!
E a donzela se ergueu, corou de pejo,
Lançando os olhos pela rua escusa,
E segura no andar, e firme, à porta
Do palácio bateu - entrou - sumiu-se.
E o anjo, como aflito sob um peso,
Um gemido soltou; era uma nota
Melancólica e triste, - era um suspiro
Mavioso de virgem, - um soído
Subtil, mimoso, como d'Harpa Eólia,
Que a brisa da manhã roçou medrosa.
IV
Dos muros ao través meus olhos viram
Soberba roda de convivas, - todos
Veludos, sedas, e custosas galas
Trajavam senhoris. - Reinava o jogo
Avaro e grave, leda e viva a dança
Em vórtices girava, a orquestra doce
Cantava oculta; condensados, bastos,
Em redor do banquete estavam muitos.
A mendiga ali estava, - não trajando
Sujos farrapos, mas delgadas telas.
Choviam brindes e canções e vivas
À Deusa airosa do banquete; todos
Um volver dos seus olhos, um sorriso,
Uma voz de ternura, um mimo, um gesto
Cobiçavam rivais; - e ali com ela,
Como um raio do sol por entre as nuvens
Lá na quadra hibernal penetra a custo
Quase sem vida, sem calor, sem força,
Menos brilhante vi seu anjo belo.
Nos curtos lábios da feliz mendiga
Passava rápido um sorriso às vezes;
Outras chorava, no volver do rosto,
Na taça do prazer sorvendo o pranto.
Encontradas paixões sentia o anjo:
Parecia chorar co'o seu sorriso,
Parecia sorrir co'o choro dela.
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Poesia Consagrada :
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