APÓLOGOS III

3

O amante e a borboleta

Na solidão da alta noute
Que céos, e terra enlutava,
Lauro em seu curto aposento
Ao somno os olhos negava.

Em meza, d'onde esparzia
Candida vela o clarão,
Apoiava os frouxos braços,
E a turva face na mão.

Tinha absorto o pensamento
Nos motivos do seu mal,
Nos desprezos de uma ingrata,
Nas venturas de um rival.

De quando em quando arrancava
Das entranhas vãos queixumes,
Já pedindo a Amor vingança,
Já pedindo a morte aos numes.

Leve borboleta em tanto
Por entre os crebros suspiros,
Junto do lume ondeante
Vaguêa em rapidos giros.

Eil-a de espaço em espaço
Roçando a flamma luzente:
Dóe-se, mas que evite o damno
Cégo instinçto não consente.

Cevando o fatal desejo,
Que á crua morte a conduz,
Vae, e vem, vôa, e revôa
Embellezada na luz.

Susurro, que faz co'as azas,
Quando n'ella a simples cáe,
Os olhos amortecidos
Do terno mancebo attrae.

Olha o triste, e vê o effeito
Da luminosa negaça,
Contempla o crestado insecto,
Que já languido esvoaça.

Dôr de o ver n'aquelle estado
Lhe penetra o coração:
Quem ama, franquêa o peito
Facilmente á compaixão.

«Onde vás, louca teimosa ?
(Grita-lhe elle) encolhe as azas,
Torna em ti; não vês, não sentes
Que te destroes, que te abrazas?»

«E tu com que jus (diz ella)
Me increpas porque me mato?
Ah! Se em teu siso estivesses,
Viras em mim teu retrato.

«Se te expões qual eu me exponho,
Se no mesmo caso estás,
Insano, porque não tomas
O conselho, que me dás?

«Eu, e tu victimas somos
Da mais funesta loucura,
E esquecemos o perigo,
Pasmados na formosura.

Ardes n'uns olhos, que adoras;
Eu n'esta luz, que contemplo;
Argue-te, ou não me arguas,
Emmudece, ou dá-me exemplo.»

Proficua moralidade
Deve extraír-se d'aqui:
Ninguem reprove nos outros
O que não reprova em si.

Submited by

Sunday, October 11, 2009 - 16:58

Poesia Consagrada :

No votes yet

Bocage

Bocage's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 14 years 33 weeks ago
Joined: 10/12/2008
Posts:
Points: 1162

Add comment

Login to post comments

other contents of Bocage

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXVI 0 1.683 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXVII 0 2.187 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXVIII 0 1.434 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXIX 0 1.278 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XI 0 1.362 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XII 0 1.413 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XIII 0 1.162 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XIV 0 1.453 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XV 0 960 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General ALLEGORIAS II 0 2.172 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS I 0 1.507 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS II 0 1.549 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS III 0 1.400 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS IV 0 2.485 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS V 0 1.652 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS VI 0 1.384 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS VII 0 1.182 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS VIII 0 1.061 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS IX 0 1.512 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS X 0 1.705 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General CANÇONETAS IV 0 1.428 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General CANÇONETAS V 0 1.376 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General CANÇONETAS VI 0 1.648 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General CANÇONETAS VII 0 1.336 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General ENDECHAS I 0 1.449 11/19/2010 - 16:54 Portuguese