EPISODIOS TRADUZIDOS IV

Gildipe e Eduardo

(Episodio da «Jerusalem» de Tasso, Canto xx)

O ferido combate ardendo estava
Entre o campo christão, e o campo egypcio.
N'isto o bravo Soldão co'a morte, e as furias
Corre, escumando, aos barbaros se aggrega,
Grran reforço lhes é, mas breve, inutil:
Parece horrendo, momentaneo raio,
Que repentino vem, que bate, e passa,
Porém que da veloz carreira infesta
Deixa vestigio eterno em rotas penhas.
Cem guerreiros, ou mais derriba o turco:
Sequer entre milhões de extinctos nomes
A memoria de dous se roube ao tempo.
Tristes esposos, férvidos amantes,
Eduardo, e Gildipe, os fados vossos
Duros, acerbos, e os illustres feitos
(Se a meus toscanos versos tanto é dado)
Sagrarei entre espiritos famosos,
Porque a serie de evos, quaes portentos
De virtude, e de amor, vos olhe, e aponte,
E algum terno mortal com dôce pranto
Honre os lamentos meus, e a vossa morte.
A generosa dama, esporeando
O docil bruto audaz, lá se arremessa
Com o esposo fiel por entre as turbas,
Onde o feroz pagão derrota os Francos:
Com golpe sobre golpe o colhe em cheio,
O escudo lhe desfaz, lhe rasga o lado.
O cruel, que no traje a reconhece,
Diz com agro, cholerico sorriso:
«Oh! Eis o rufião, e a apaixonada!
Muito melhor te fôra agulha, e fuso
Que por defeza haver armas, e amante.»
Cala-se, e de furor todo abrazado,
Vibra estocada temeraria, e fera,
Que ousou, rompendo o arnez, entrar no peito,
Que dos golpes de Amor só era digno.
Subito a triste, abandonando o freio,
Indicios dá de quem desmaia, e morre:
Ai! Bem o observas, mísero Eduardo,
Não lento defensor, mas desditoso.
Que fará n'este lance? Ira, piedade
A varias partes n'um só tempo o chamam:
Uma a suster seu bem, que vae caindo,
Outra a vingai-o do horrido homicida.
Amor imparcial o persuade
A que a piedade escute, escute a ira:
Eis co'a sinistra mão sustêm a esposa,
E co'a raivosa dextra exerce o ferro.
Mas ah ! Vontade, e força, divididas
Contra o duro pagão bastar não podem;
Não mantêm a infeliz, nem o verdugo
Do seu dôce prazer conduz á morte;
Antes o impio Soldão lhe corta o braço,
Piedoso arrimo da consorte amada:
Cair a deixa o misero, e comprime
Os membros d'ella c'os seus proprios membros.
Qual olmo, a que a vinosa, a fertil planta
Com abraço tenaz se enreda, e casa,
Se ferro o parte, ou raio o desarreiga,
Leva comsigo a terra a socia vide:
Elle o verde atavio lhe desfolha,
Elle mesmo lhe piza as gratas uvas,
E como que lhe dóe mais que seu fado
O fim da amiga, que lhe morre ao lado.
Tal cáe o amante, e só se dóe d'aquella
Que em companheira eterna o céo lhe outorga.
Querem, não podem proferir palavras,
Formam suspiros em logar de vozes:
Um olha ao outro, e por costume antigo
Um com outro se abraça em quanto existe.
O dia n'um só ponto aos dous se apaga,
E as almas juntas aos elvsios vôam

Submited by

Sunday, November 1, 2009 - 19:40

Poesia Consagrada :

No votes yet

Bocage

Bocage's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 14 years 28 weeks ago
Joined: 10/12/2008
Posts:
Points: 1162

Add comment

Login to post comments

other contents of Bocage

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS V 0 908 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS VI 0 1.794 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS VII 0 1.774 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS VIII 0 1.111 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS X 0 1.566 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS XI 0 1.092 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS XII 0 1.235 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS XIII 0 1.008 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS XIV 0 1.601 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS XV 0 1.233 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LVI 0 970 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LVII 0 1.190 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LVIII 0 1.044 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS I 0 775 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS II 0 1.022 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLIII 0 1.366 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLIV 0 1.233 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLV 0 1.106 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLVI 0 800 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLVII 0 1.089 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLVIII 0 1.166 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLIX 0 1.246 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS L 0 1.777 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LI 0 1.514 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LII 0 976 11/19/2010 - 16:55 Portuguese