O barqueiro sombrio

Olho para o piso e ele me diz que está frio,
Por isso sinto meu pé frio sobre este piso frio.
Mas o que o meu pé frio, antes de estar frio,
Disse para o piso frio?

Tentei levitar, mas foi inevitável pisá-lo.
Somos velhos, somos caducos,
Com apenas uma ou duas dúvidas inúteis.
Quem irá nos buscar quando destes campos partirmos?
Quem nos ensinará o caminho?
Sinto que perante o fim sou um débil mental.

Ouço o trem em sua monstruosidade magnífica,
Cantando uma música de carro de boi moderno,
Embalada pelo toque dos instrumentos
Que são as rodas de aço sobre os trilhos de aço.
São escravos do movimento
Levam chibatadas da velocidade
Numa monotonia do trajeto.
Colidindo contra o vento
Colidindo contra o vento, a chuva
Colidindo contra o vento, a chuva, os raios do sol
Colidindo contra o vento, a chuva, os raios do sol, a luz do luar...

Um velho que não existia
Contava-me uma história que não era para crianças.
Um velho que existia sim,
Existia na minha mente.
Eu não prestava atenção nas palavras,
Permaneci só, nas imagens de minha mente...

Dia
Vida
Uma noite
Divisão
Um outro dia
Saudade
Desejo
Inutilidade.

Na vida sempre esperamos por uma condução,
Depois dela, também esperamos por uma condução,
Para que nos leve para longe do passado e da saudade,
Para que alimente nossos espíritos com novas palavras,
E novos significados.

Só tenho medo de ir para um paraíso monótono,
Com poesia monótona e sem graça.
Só tenho medo de ir para um inferno muito quente,
Com excesso de diversão ou penitência,
Para que de alguma forma possamos pagar nossos erros.
Vivemos censurados e tentamos nunca pecar em vida,
E se cometemos um só delito vamos para as trevas.
Acho que lá poderemos cometer estes deliciosos delitos à vontade!

O barqueiro sombrio sempre está atrasado,
Esperamos, mas a espera serve para contemplarmos a nova paisagem:
Um azul que não é azul, um escuro que não é escuro,
Uma montanha que não é montanha,
Um céu que não é céu,
Uma chuva que parece chuva, mas que não molha,
Uma solidão que não é solitária.

Bebo a água deste rio mesmo sem sede.
Parece que estou num jardim exato,
De uma exatidão inexorável.
Como num movimento de câmera lenta
Veio um frio que não me congelou,
E junto com a névoa,
O barqueiro sombrio.
Acorde desgraçado!
Acorde desgraçado!
Ou senão, vai perder a hora!

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Wednesday, December 16, 2009 - 21:17

Ministério da Poesia :

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