ALGURES ENTRE AS PALAVRAS, EU

Algures entre estas palavras está grande parte do homem em que me tornaste.
Do muito que sonhei já pouco me resta, mas o importante são os sonhos que a tónica do teu saber me ensinou procurar.
Por ti, toda a minha sabedoria é uma bandeira de pés no bem assentes no chão.
Por culpa da realidade, parte de mim o erro de sonhar sem medo do infinito que me mostraste.
Antes de ti, eu era um ser fechado na ignorância sobre mim próprio.
Antes de ti, negava-me posar sobre as razões à mercê do destino.
Depois de ti sou pintor de árvores com ramos irrequietos, faces de confundir com multidões num beco.
Muita da reflexão sobre a minha culpa era um andar arredio, uma consequência lógica de orgulho.
Aprendi a domar as vagas repentinas que me alagavam a costa da alma com pessoas ouvidas no quanto esqueci.
Cada noite foi uma crónica da grande parte que sou a insónia do sono do meu tempo.
Cada noite foi encontrada ao acaso na rua dos acontecimentos que eram meros arrepios de ilusão.
Eram penumbras de dupla face no espelho de mim.
De um lado as mulheres que protagonizavam a luz como sendo padrões que eu escutava canções de embalar perdido num qualquer mar, eram sereias que me guiavam aos cais da loucura.
Do outro lado a solidão demasiado carregada de ansiedade, uma espécie de suicídio que se ficava apenas por um gosto de pena.
Era tanta a ânsia que todo o pensamento era eutanásia extrapolada nos sentidos.
Assim eram as noites por de trás dos olhos das horas que me olhavam nos escuros como se fossem rostos tristes.
Rostos cujos olhos eram retinas assustadas na miopia da madrugada por onde eu lia as tonturas da minha passagem pelo meu interior.
Pensei o horizonte das minhas visões, eram serões carrossel a subir ao céu e a descer ao inferno.
O céu era um orgasmo somado de tudo quanto queria fazer e ter.
O inferno era uma fogueira de gritos que ninguém ouvia.
A lua era uma menina desconfiada num daqueles bailes onde se arranjam namoriscos.
Tal como fase da lua tem um poema para escrever as marés, assim eu escrevia poemas extensamente sentidos nas quatro paredes sem tecto nem chão no meu ser.
Paredes que são o meu imaginário andante de mãos atadas à realidade escrita na minha sina.
A lua, ora me encantava a alma enquanto pirata buscasse no seu luar o mapa que me levasse até a uma ilha onde o tesouro da felicidade estivesse escondido.
Ora me encadeava o corpo ao colo de um cometa para parte incerta onde as lágrimas não fossem mais do que mesquinhas vontades desenroladas de um novelo de pormenores de injustiça cravada no ego.
A aurora sempre chegava com ares de Março, vestida fogos que alumiavam o caminho para o velório em que a noite era deixada atrás das costas do pensamento.
Cada nascer do dia era um labirinto de sensações intrigantes.
Umas vezes burlescas qual Diabo de treze tetas amamentasse anjos apocalípticos à minha espera numa corda bamba me fixa as pontes feitas de arco-íris onde cada cor é um pecado mortal.
Orgulho que me eleva o rastejar da mente para longe de mim.
Gula de chegar a esse longe e ir mais longe ainda na minha fome humana.
Ira de silêncio quando as palavras me borram o papel com ódio.
Avareza de sonhar com riqueza impossível.
Preguiça de acordar o pólen que em mim dorme num berço de mundos só meus.
Inveja do sinto, queria ser tanto o que sinto.
Luxúria da carne que me sepulta em lajes de desejo por esculpir.
Outras vezes, o nascer do sol é dramático qual choro me fechasse os olhos com tudo o que via estava afogado em pântanos onde nenúfares eram perguntas gastas e o lodo respostas de ventre mentido.
Um ventre de nódoas num véu negro qual viúva lacrimejasse prantos de saudade em sangue solidificado.
As sombras eram vultos de dor qual animal de estimação domesticado só obedecesse para ser alimentado.
 

Submited by

Thursday, January 13, 2011 - 20:36

Prosas :

Average: 4 (1 vote)

Henrique

Henrique's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 9 years 20 weeks ago
Joined: 03/07/2008
Posts:
Points: 34815

Comments

andreia fernandes's picture

Profundo!

Muito profundo... uma leitura emocionante! Gostaria de um dia poder escrever assim :)

Add comment

Login to post comments

other contents of Henrique

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Intervention NA AMIZADE... 2 1.258 05/20/2012 - 19:04 Portuguese
Poesia/Sadness INSPIRAÇÃO NEGRA 3 825 05/20/2012 - 18:14 Portuguese
Poesia/Meditation BEM-ESTAR DE ESTAR BEM 2 3.973 05/20/2012 - 18:13 Portuguese
Poesia/Passion PARA SER HOMEM DESSA MULHER 2 824 05/20/2012 - 18:09 Portuguese
Poesia/General ORQUESTRA DA VIDA 2 795 05/20/2012 - 18:08 Portuguese
Poesia/Passion ALMA EXCITADA POR BEIJOS FEITICEIROS 2 1.756 05/20/2012 - 18:07 Portuguese
Poesia/Love TEUS PASSOS ATÉ MIM 2 1.515 05/20/2012 - 18:06 Portuguese
Poesia/Love LUA-CHEIA-DE-MEL 2 1.192 05/20/2012 - 18:05 Portuguese
Poesia/Love SORRIR 6 516 05/20/2012 - 18:04 Portuguese
Poesia/Meditation PROTESTOS DA ALMA 5 714 05/20/2012 - 18:00 Portuguese
Poesia/Meditation ENTRE MIM O AMANHÃ 5 602 05/20/2012 - 17:59 Portuguese
Poesia/Love MAR DE NÓS 2 1.212 05/20/2012 - 17:58 Portuguese
Poesia/Love CONCLUIS TODO O MEU VERSO 3 846 05/20/2012 - 17:57 Portuguese
Poesia/Meditation PAIXÕES PERDIDAS 5 618 05/20/2012 - 17:56 Portuguese
Poesia/Meditation DIAS FELIZES 2 969 05/20/2012 - 17:55 Portuguese
Poesia/Passion POETA APAIXONADO 3 1.000 05/20/2012 - 17:54 Portuguese
Poesia/Meditation VAZIO SIMULADO NUM RELÓGIO 3 1.011 05/20/2012 - 17:53 Portuguese
Prosas/Thoughts SOLIDÃO… 3 699 05/20/2012 - 17:52 Portuguese
Poesia/Meditation TUDO É POUCO 3 1.051 05/20/2012 - 17:51 Portuguese
Poesia/Sadness A SOLIDÃO ENVENENA O SILÊNCIO 4 686 05/20/2012 - 17:50 Portuguese
Poesia/Passion MUSA SENSUAL 2 844 05/20/2012 - 17:47 Portuguese
Poesia/Meditation FALHA... 2 741 05/20/2012 - 02:42 Portuguese
Prosas/Thoughts ALTA VOLTAGEM 2 1.133 05/20/2012 - 02:41 Portuguese
Poesia/Meditation CULPAS DA DOR OCULTA 2 880 05/20/2012 - 02:41 Portuguese
Poesia/Meditation ÚLTIMA MORADA DA VOZ 4 1.004 05/20/2012 - 02:38 Portuguese